100 dias de governo: Lula se reaproxima da China, prioriza Mercosul e ignora OCDE
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dedicou os primeiros 100 dias de governo, em termos de política externa, a reconstruir relações diplomáticas e propagar uma mudança de postura perante a comunidade internacional. Em contraste ao isolamento mundial de Jair Bolsonaro (PL), Lula aposta na diplomacia presidencial para restabelecer vínculos com aliados estratégicos e retomar o protagonismo do país, em temas como meio ambiente e direitos humanos.
A tentativa de virar as costas para a gestão anterior pode ser expressa a partir de medidas concretas: a reestruturação do Mercosul e da cooperação entre os países da América Latina – além das tentativas de avanço no tratado do bloco com a União Europeia. Bem como uma reaproximação com a China.
Lula pretende fortalecer os laços com os chineses, por vezes menosprezados pelo clã Bolsonaro. O petista já deveria ter pisado em solo chinês, em viagem marcada para o dia 28 de março. Porém, devido a uma pneumonia, precisou remarcá-la para esta segunda-feira (10/4).
Segundo comunicado enviado pelo Palácio do Planalto à imprensa, a viagem começará em Xangai e segue para Pequim, onde Lula se reunirá com o presidente chinês Xi Jinping. Segundo a agenda, o brasileiro fica na China até o dia 14 de abril.
A viagem do presidente brasileiro ao gigante asiático é considerada de extrema importância pelo governo. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, e o adiamento resultou no atraso de uma série de acordos entre os dois países, nas áreas de comércio, energia, tecnologia e meio ambiente.
Por outro lado, a adesão à OCDE não figura entre as prioridades do novo mandatário brasileiro.
“A diplomacia brasileira, nesses primeiros três meses e pouco, fundamentalmente, correu atrás de se reconectar com parceiros que eram muito próximos e tiveram algum distanciamento nos últimos 4 anos. Também se reposicionar em alguns temas que eram muito caros à agenda da diplomacia do país, e estavam sendo manejados de uma forma contrária à nossa posição tradicional”, resume o cientista político Leonardo Paz, da Fundação Getulio Vargas.
O retorno de Lula ao Palácio do Planalto foi celebrado por líderes mundiais, na expectativa de restabelecer laços diplomáticos com a maior economia da América do Sul. Entre as primeiras medidas, o petista resolveu melindres anteriores com líderes estratégicos de países como China, França, Estados Unidos e Alemanha. A relação com os vizinhos, em especial, Argentina e Chile, também foi reconstruída.
O petista determinou ainda a reabertura da embaixada na Venezuela também nos primeiros dias de governo, ao enviar uma missão diplomática ao país. Posteriormente, o próprio o ex-chanceler Celso Amorim – assessor especial de Lula para assuntos de política externa – fez uma viagem à nação comandada por Nicolás Maduro.
A escolha de manter um tom mais brando em relação ao país vizinho, apesar de polêmica, é justificada segundo especialistas. “Deve-se destacar que a Venezuela é um país importante para o Brasil: 10 anos atrás foi destino de exportações brasileiras, é um país limítrofe, tem reservas de petróleo e articula politicamente com países caribenhos e centro-americanos”, ressalta a professora Vanessa Matijascic, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
No entanto, o posicionamento brando do Brasil em relação às ditaduras latino-americanas tem sido questionado. Em encontros internacionais, a diplomacia do Brasil tem repetido palavras como “mediação” e “conciliação”, mas políticos da oposição e ativistas dos direitos humanos cobram uma opinião mais dura e assertiva contra os regimes autoritários.
Retomada do multilateralismo
Lula dedicou o primeiro dia de governo a encontros com líderes internacionais, e a proposta se manteve em uma agenda internacional intensificada. Ao longo dos últimos meses, o chefe do Estado realizou três viagens ao exterior, e tem pelo menos outras cinco visitas oficiais a países estrangeiros programadas nos próximos dois meses – além de encontros com líderes estrangeiros no Itamaraty.
O plano era que o presidente chegasse aos 100 dias de governo tendo visitado os três maiores parceiros comerciais do Brasil (China, Estados Unidos e Argentina). No entanto, a viagem ao país asiático precisou ser adiada para os dias seguintes ao marco, em 11 de abril, por problemas de saúde.
Ainda durante a campanha, Lula indicou que o “retorno do país ao cenário internacional” seria uma prioridade do governo. Nesses meses de gestão, a proposta foi confirmada, com o retorno do país a tratados e fóruns multilaterais, como a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e à União de Nações Sulamericanas (Unasul).
O governo também priorizou as discussões sobre o acordo Mercosul e União Europeia, e deixou de lado a proposta cara à gestão Bolsonaro de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em março, o governo reduziu os cargos da equipe brasileira em Paris junto ao organismo ao cortar duas vagas da equipe, que agora conta com nove membros.
“A adesão à OCDE, algo que foi prioridade no antigo governo, claramente, não é mais. A redução de diplomatas na delegação brasileira em Paris junto ao grupo sinaliza que a nossa adesão ao clube dos países ricos não é mais uma das nossas prioridades em termos de política externa”, explica o professor de relações internacionais Ricardo Caichiolo, do Ibmec.
Em contrapartida, o Itamaraty reformulou os postos na América do Sul, com previsão de abertura de 16 vagas para diplomatas na Embaixada do Brasil em Caracas, na Venezuela, reaberta após o fim da gestão Bolsonaro.
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