A estratégia de Lula para retomar o espaço perdido para o bolsonarismo no Rio

Com um vasto histórico de boas votações e alta popularidade no Rio de Janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva levou um baque quando a população do terceiro maior colégio eleitoral do Brasil mudou de lado e deu duas vitórias consecutivas a Jair Bolsonaroem eleição presidencial — na última, ele obteve 56% dos votos. Foi, portanto, com firme intenção de retomar o espaço perdido em pleno reduto do bolsonarismo, já de olho no pleito de 2024 e na própria corrida presidencial mais adiante, que Lula escolheu justamente o Rio para lançar a terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Aproveitou um momento em que os ventos lhe são aceitos, sobretudo após a onda de denúncias de atos impróprios que atingem o ex-presidente. Uma pesquisa recém-divulgada, conduzida pela Genial/Quaest, indica que o governo avançou 4 pontos percentuais na Região Sudeste e que, pela primeira vez, a parcela de apoiadores à atual gestão no nicho evangélico (50%) superou a dos que a desaprovam (46%).

Os números do PAC comprovados quanto ao Rio, que receberão o maior aporte do pacote de infraestrutura, anda na ordem do dia. Sozinho, o estado vai abocanhar 342,6 bilhões de reais, quase o dobro da cifra destinado a São Paulo, o segundo da lista. Os recursos serão canalizados a plataformas de petróleo, gasodutos e unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, proposta que naturalmente conta com apoio integral do governador Claudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro que mantém boas relações com o Planalto e não tem demonstrado o ímpeto para herdar os votos do bolsonarismo que movem, por exemplo, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Em nome de sua recolocação no tabuleiro fluminense, o PT mira ainda emplacar o vice na candidatura à reeleição do prefeito Eduardo Paes (PSD), com a disposição aberta de abrir mão de lançar nome próprio na capital e em outras cidades importantes. “Defendo uma maneira bem flexível de o partido se colocar no Rio”, resume o senador petista Humberto Costa, coordenador do grupo de trabalho eleitoral da legenda.

O pragmatismo explícito se traduz em constantes Acenos a siglas do Centrão Fluminense, como União Brasil e Republicanos. Na linha de frente das conversas está Washington Quaquá, deputado federal e vice-presidente do PT, que tem promovido encontros regulares no meio de semana — como “Quaquartas” — em uma casa do Lago Sul, em Brasília. Entre um papo e outro, o anfitrião, de chinelo e bermuda, servem paellas do restaurante carioca Velho Adonis e feijoadas e galinhadas comandadas por Tia Zélia, uma das cozinheiras preferidas do presidente Lula. A frequência, tão eclética quanto ao cardápio, vai desde caciques petistas, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, a adicionados da casta política fluminense, como Waguinho (Republicanos), o prefeito de Belford Roxo que já avisou que vai trabalhar pelo PT, e Otoni de Paula (MDB), um fervoroso apoiador de Bolsonaro que estuda entrar na disputa da capital, mas não se recusa a ouvir o outro lado. “A gente está formando um tempo de aliados que vão fazer diferença no páreo presidencial”, aposta Quaquá.

O interesse de Lula pelo Rio não reside apenas em seus 12,8 milhões de candidatos, mas também em duas características demográficas — o domínio no estado de evangélicos e de famílias com rendimento entre dois e cinco voos mínimos, públicos com os quais o PT tenta se reconectar. Essa cruzada passa pela aliança pragmática com nomes influentes na Baixada Fluminense (onde Bolsonaro recebeu dois terços dos votos em 2022) e do eleitorado evangélico, setores em que Waguinho circula como poderoso cabo eleitoral. O prefeito é casado com Daniela Carneiro, a ex-ministra do Turismo, e, ao contrário do que se poderia pensar, a saída dela da Esplanada não abalou a relação com os petistas, tendo sido muito bem recompensada com nomeações de aliados para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e para os oito hospitais federais do estado,

Em prol dessa teia de alianças, as candidaturas próprias do PT no Rio devem ficar restritas a seis cidades de um total de 92, entre elas duas consideradas estratégicas: Maricá, quintal do partido, onde Quaquá duelará pela prefeitura mais uma vez, e São Gonçalo , o segundo maior município do Rio, onde se ensaia coalizão das mais amplas, encabeçada pelo deputado federal petista Dimas Gadelha, que pretende reunir do PCdoB a PSD, Republicanos, MDB, União Brasil e PP. As candidaturas vêm sendo acompanhadas de perto pelo governador Cláudio Castro, que ao mesmo tempo em que não quer subtrair votos do bolsonarismo, os quais o beneficiário na disputa ao Palácio Guanabara, faz malabarismos para ficar próximo a Lula. Até agora tem sucesso — Lula, inclusive, passou um pito nos correligionários ao ouvir vaias da plateia dirigidas ao governador na cerimônia de lançamento do PAC. “Não nos interessa uma eleição polarizada. A melhor estratégia para o governador seria tirar férias durante a campanha”, diz um dos mais chegados auxiliares de Castro. O governador, que não fecha portas, foi convidado diversas vezes para a “Quaquarta” e prometeu comparecer.

A maior aposta, no entanto, está na composição em torno de Eduardo Paes. Apoiador de Lula no segundo turno presidencial, o prefeito carioca mantém boa relação com o presidente, mas resiste em aceitar a indicação de um vice petista, ciente de que precisa caminhar rumo ao centro e à centro-direita para tirar votos do nome que emergirá da raia bolsonarista. O PT sempre teceu alianças a torto e o direito do espectro ideológico no estado, mas nunca abriu mão de seu protagonismo com a intensidade de agora. “A orientação de Lula é fortalecer a base no Rio a todo custo e ele já entendeu que, para isso, deve apoiar candidaturas de outras siglas onde não tem força”, explica o cientista político Ricardo Ismael. As costuras seguem a toda. E olha que 2023 nem terminou.

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Postado em 22 de agosto de 2023