Alta de preços X queda de popularidade: como inflação afeta imagem dos governantes

A alta da inflação — especialmente a dos alimentos — tem impacto direto na percepção da população sobre o governo. Quando o preço de itens básicos, como arroz, feijão, carne e café sobe, o descontentamento cresce, e isso se reflete diretamente nos índices de aprovação dos governantes.

Mesmo com avanços em áreas como o emprego e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país), o brasileiro médio reage ao que sente no bolso.

Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem visto sua popularidade recuar, em especial devido à alta dos preços dos alimentos. Pesquisas recentes mostram que a desaprovação ao governo continua crescendo. Levantamento da Genial/Quaest divulgado na quarta-feira (2) apontou que 56% dos entrevistados desaprovam a gestão do petista. Em janeiro, esse grupo representava 49%. Já a aprovação caiu de 47% para 41%.

O governo reconhece o problema e tenta conter os danos com medidas emergenciais, como a redução de impostos de importação sobre alimentos. No entanto, especialistas ouvidos pelo R7 afirmam que a solução exige mais do que ações pontuais. Eles explicam por que a inflação percebida pesa mais na avaliação popular do que outros indicadores econômicos.

Para Hugo Garbe, professor de economia do Mackenzie e economista chefe da G11 Finance, a relação entre a alta dos preços e a queda de popularidade dos governantes está ligada à perda de poder de compra, que mexe com a rotina das famílias, principalmente das que ganham menos e que vêem uma parcela maior do orçamento sendo consumida por itens básicos.

“A sensação que se instala é a de que tudo está mais caro — e não é só impressão. Isso corrói o sentimento de bem-estar e gera uma percepção de que o país está desorganizado, o que recai diretamente sobre o governo. Afinal, na cabeça da população, se a vida está mais difícil, alguém precisa ser responsabilizado — e quem está no poder costuma ser o primeiro alvo”, explicou.

Segundo ele, controlar a inflação sem perder o apoio popular é um dos dilemas clássicos da economia. O professor afirma que, para conter a alta dos preços, o governo ou o Banco Central costuma subir os juros, cortar gastos ou segurar o crédito, mas, para quem está na ponta, isso pode significar juros mais altos no cartão, menos empregos e crescimento mais lento. “Ou seja, o remédio pode amargar a vida das pessoas no curto prazo”, explica.

No Brasil, os principais picos de inflação nos últimos 20 anos ocorreram em momentos específicos, geralmente impulsionados por crises econômicas, alta do dólar, choques de oferta e fatores externos.

Veja alguns exemplos:

Inflação de 2002-2003 (Transição FHC-Lula)
Em meio a um cenário de incerteza política com a primeira eleição de Lula e a desvalorização do real, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do país, chegou a 12,53% em 2002 e 9,3% no ano seguinte. Apesar do início turbulento, o governo adotou uma política econômica ortodoxa, com foco no controle da inflação e responsabilidade fiscal, o que ajudou a recuperar a confiança do mercado e estabilizar a economia nos anos seguintes.

Inflação de 2015-2016 (Governo Dilma)
A crise econômica do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff foi marcada por uma combinação de fatores internos e externos que levaram o país a uma forte recessão. O descontrole fiscal e a perda de credibilidade também influenciaram nesse cenário, e a inflação chegou a 10,67% em 2015. Além disso, o aumento do desemprego e a queda na renda das famílias agravaram a insatisfação popular, contribuindo para o desgaste político do governo e abrindo caminho para o processo de impeachment em 2016.

Inflação de 2021-2022 (Pandemia e Guerra na Ucrânia)
Durante o governo Jair Bolsonaro, a inflação voltou a subir, especialmente entre 2021 e 2022, impulsionada por fatores globais como a pandemia de Covid-19, que desorganizou cadeias de suprimentos, e a guerra na Ucrânia, que elevou os preços do petróleo e alimentos. Em 2021, o IPCA fechou em 10,06% — o maior índice desde 2015 — e, embora tenha desacelerado em 2022, ainda foi alto, chegando a 5,79%. Esse cenário afetou diretamente o custo de vida da população e pressionou a popularidade do governo, em meio a críticas sobre a condução da economia e o combate à inflação.

‘Bolso é o órgão do ser humano’
O cientista político André César, sócio da Hold Assessoria Legislativa, explica que politicamente esse é um assunto “muito sensível”, já que “o bolso é o órgão do ser humano”. Pelo senso comum, segundo ele, as pessoas tendem a responsabilizar a gestão federal e, por isso, há historicamente uma preocupação de todos os governos em controlar a inflação.

“Entra governo, sai governo, não importa o matiz, a coloração política de quem está no poder, essa é a questão [controlar a inflação]. Perdendo o controle da inflação, você perde o controle sobre a gestão. Se você quer se reeleger ou eleger alguém do teu grupo político, uma inflação corroendo o poder de compra da população coloca isso em risco. Não adianta ter outros resultados positivos, políticas públicas eficientes se não tem controle sobre os preços”, completou.

César cita ainda que, em um cenário de inflação alta, é necessário que o governante adote medidas “radicais drásticas para cortar o mal pela raiz”. Do contrário, segundo ele, não há como conseguir avançar nessa questão.

O especialista lembrou do pico da hiperinflação no Brasil, alcançada em março de 1990, durante o governo José Sarney, dias antes do ex-presidente Fernando Collor assumir. Naquele mês, a inflação atingiu 82,39% em apenas um mês, segundo o índice IPC-Fipe.

“O Sarney começou o mandato com apoio popular e terminou de uma maneira muito baixa, saiu quase escorraçado. Então, se você não tomar medidas drásticas e eficazes, efetivas de verdade, só piora o quadro. Se perde o controle, é difícil retomar as as rédeas”, afirmou.

Impactos da polarização política
O cientista político afirmou que o cenário de polarização política enfrentado pelo Brasil nos últimos anos impacta diretamente na falta de tolerância da população em relação ao aumento dos preços. Segundo ele, hoje, uma parcela significativa da população entrou em um modo de “tolerância zero”, o que faz o debate deixar de existir.

“A inflação em alta, inflação dos alimentos em especial, acaba se tornando ainda mais politicamente sensível. As pessoas falam: ‘Está vendo? Não dá, esse governo não dá‘. É algo muito ruim”, reitera.

Equilíbrio, transparência e diálogo
Garbe explica que o desafio é equilibrar. Alguns governos, ele diz, tentam compensar os efeitos negativos com políticas sociais — como programas de transferência de renda — ou com cortes de impostos em setores estratégicos, como combustíveis e energia. Mas mesmo essas medidas têm limite: gastar demais para agradar hoje pode piorar o cenário amanhã.

“O ideal é transparência e diálogo: explicar por que as medidas são necessárias, mostrar que são temporárias e que existe um plano claro de recuperação. A confiança é um ativo valioso na economia — e na política também”, completou.

r7

Postado em 7 de abril de 2025