Ao menos 8% das armas apreendidas após crimes em São Paulo receberam os CACs
Ao menos 8% das armas apreendidas por serem usadas em atividades criminosas no estado de São Paulo adquiriram os CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), segundo relatório produzido pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
De acordo com o documento, das 47.748 armas recolhidas em São Paulo no período de 2015 a 2020, 3.873 foram de CACs. Ao menos 1.312 armas foram adquiridas e registradas no Exército a partir de 2019, início do governo de Jair Bolsonaro (PL).
O TCU chegou a essa análise após ter acesso integral ao Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), base de dados do Exército , e cruzar as informações com o banco de dados de armas aprendido em São Paulo de 2015 a 2020.
Os dados de apreensões fornecidos pelo Instituto Sou da Paz ao TCU são provenientes do Governo de São Paulo e foram obtidos por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).
A lista de armas inclui dados de todas as apreensões policiais, predominantemente realizadas pela Polícia Militar em casos de flagrantes de crimes como roubo, porte ilegal e ameaça. No entanto, é possível que exista um percentual menor de apreensões cautelares por decisão judicial.
Especialistas afirmam que o percentual é elevado, podendo ser ainda maior, considerando que 50% das armas apreendidas apresentaram numeração suprimida, o que impossibilita os índices de dados.
Já para o líder da bancada da bala e novo presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Alberto Fraga (PL-DF), 8% é um percentual baixo, podendo ainda estar superestimado.
“O CAC que se envolve em ocorrência tem que ver o rigor da lei, ele não tem que andar armado na rua. Essas eventualidades não podem ser generalizadas porque é uma categoria importadora, ordeira e trabalhadora”, disse.
Os dados fornecidos pelo TCU indicam ainda que apenas 86 armas apreendidas foram registradas no sistema do Exército como roubadas, furtadas ou extraviadas . De acordo com as normas, quando ocorrer qualquer incidente desse tipo com uma arma, é obrigado que o proprietário informe o Exército em até 72 horas, podendo receber até uma sanção administrativa.
O Exército disse, por meio de nota, que apresentou suas considerações ao TCU e vem adotando todas as medidas cabíveis para aperfeiçoar os processos de autorização e fiscalização dos CACs.
“Cabe ressaltar que ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade, como perda de idoneidade ou falecimento, do CAC são tomadas, imediatamente, as providências possíveis, inclusive com a possível suspensão de Certificado de Registro”, disse.
Atualmente, há 1,3 milhão de armas nas mãos desse grupo registradas na Sigma.
Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz, diz que auditorias do TCU comprovam que as armas registradas legalmente no Exército em mãos de CACs foram posteriormente desviadas e usadas em crimes.
“O trunfo usado pela indústria de armas brasileira e bancada da bala era dizer que as armas legais não migravam para o crime. Para dar longevidade a esse mito contavam com a benevolência do Sigma ser uma caixa-preta, ainda inacessível às polícias para rastreamento de armas . Como não se podia rastrear, não se podia atestar o tamanho da participação de armas registradas no Exército no mercado criminoso”, afirma.
Roberto Uchôa, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a mudança na política de controle do setor fortaleceu essa ligação de armas saindo do mercado legal para o mercado ilegal.
O percentual de armas de CACs apreendidas tornou-se mais significativo nos anos de 2019 e 2020, coincidindo com o início das flexibilizações, que resultaram em um aumento no número de CACs e, por conseguinte, de armas em circulação.
A Folha já havia mostrado que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro do CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles responderam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.
Os técnicos do TCU concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar “sérias fragilidades” na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou renovou o registro do CAC.
Langeani diz que os dados ressaltam a relevância de investigar e aprimorar os procedimentos de controle e monitoramento das armas destinadas aos CACs, particularmente durante esse período específico do governo Bolsonaro, a fim de mitigar riscos ligados ao desvio de armamentos para atividades criminosas.
“É fundamental identificar e punir os responsáveis pelo afrouxamento de crimes do controle, montar uma força-tarefa para cancelar licenças emitidas de forma irregular e apreender cautelarmente as armas que ainda não foram desviadas para o crime”, afirma.
De acordo com o cronograma do governo federal, a responsabilidade dos CACs, clubes de tiro e lojas de armas será integralmente da Polícia Federal a partir de 1º de janeiro de 2025. Atualmente, a atribuição é do Exército.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski , herdou de seu antecessor, Flávio Dino , uma pasta com a política de controle de armas ainda em formatação e com a Polícia Federal sem estrutura para receber os CACs. A instituição quer uma reestruturação nessa área.
Adicionalmente, a nova administração chega com uma promessa não concretizada da anterior: a Recompra. O programa está previsto no novo decreto de armas e tem o intuito de estimular a população a entregar voluntariamente suas armas em troca de compensações financeiras.
ARMAS DE CACS APREENDIDAS PELA POLÍCIA EM SÃO PAULO
47.748
é o total de armas apreendidas pela polícia em São Paulo de 2015 a 2020
3.873
é a quantidade de armas pertencentes aos CACs apreendidas pela polícia, compreendendo assim 8% do montante
1.312
é o número de armas apreendidas registradas no Exército de 2019 a 2020, durante o governo Bolsonaro
86
é o número de armas apreendidas pela polícia que constavam no sistema do Exército como roubadas, apreendidas, recolhidas do total de 3.873 armas
Folha de SP