Apreensão de brasileiros na fronteira dos EUA cai em meio a recorde geral.
Enquanto os Estados Unidos enfrentam uma crise humanitária incessante nas fronteiras, ante números recordes de migrantes tentando entrar no país sem visto, a quantidades de cidadãos brasileiros apreendidos por fazer a travessia de forma irregular despencou entre 2021 e 2022.
Dados da agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) apontam que, de janeiro a dezembro do ano passado, mais de 3 milhões de migrantes foram interceptados tentando ingressar em território americano sem permissão legal, um aumento de 33% em relação aos 2,7 milhões registrados no ano anterior.
No recorte por origem das pessoas, porém, as de nacionalidade brasileira apresentam tendência inversa. Enquanto em 2021 foram flagrados nessa situação 80,6 mil brasileiros, ao longo de 2022 o número caiu para 37,4 mil –menos da metade.
Uma das hipóteses para isso, de acordo com analistas, é do que seria uma volta à normalidade no fluxo migratório depois de um ano fora da curva; 2021 teria assistido a um boom devido à reabertura das fronteiras, totalmente fechadas no ano anterior como medida de contenção da pandemia de Covid-19.
O movimento de queda foi observado também para cidadãos de países como Guatemala, Honduras, El Salvador e Equador. O recorde de flagrantes pelos agentes de fronteira americanos, por sua vez, se deu pelo aumento expressivo no fluxo de migrantes de nações como México, Cuba, Nicarágua e Venezuela –além da Ucrânia, onde a guerra iniciada pela invasão da Rússia está prestes a completar um ano.
Os dados do CBP incluem apreensões que envolvem, além de casos de expulsão, o encaminhamento para centros de custódia, nos quais os estrangeiros aguardam uma avaliação ou julgamento para a obtenção de asilo para permanecer no país.
Para entrar nos EUA de forma irregular, migrantes em geral enfrentam situações de alto risco ao longo de meses –seja por terra, na fronteira com o México, ou pelo mar. Júnior, 27, que pede para não ter o nome completo publicado por receios quanto à situação nos EUA, ainda irregular, optou por este último caminho, navegando até a costa da Flórida.
Ele deixou Matutina (MG), a cerca de 320 km de Belo Horizonte, em maio de 2021 e só conseguiu entrar em território americano em 31 de dezembro daquele ano. Júnior conta que contratou uma mulher que atuava como “coiote” em Minas, a quem pagou US$ 6.000 (R$ 30,8 mil em valores atuais) antes de sair do Brasil e se comprometeu a repassar US$ 15 mil (R$ 77 mil) ao se instalar nos EUA e conseguir trabalho.
A rota começou com um voo para a República Dominicana, onde o brasileiro esperou quatro meses pelo que agentes definiram como uma boa oportunidade para tentar a entrada clandestina. Na travessia, em um veleiro com capacidade para dez pessoas, mas no qual foram embarcadas 22, o motor da embarcação pifou. “Ali eu vi a morte”, diz Júnior, em referência ao período pelo qual ficou cinco dias à deriva, sem água nem comida.
Um cruzeiro que passava pela região avistou e ajudou o grupo, que mais tarde acabou apreendido pela polícia ao se aproximar das Ilhas Virgens Britânicas. “Foi sorte, porque salvou nossas vidas, mas também o começou do pesadelo.”
Ele diz que foi levado com os demais migrantes a um centro de detenção, onde passaram 45 dias em um quarto sem janelas, sem conseguir avisar a família. “Ficava 24 horas por dia olhando para a cama. No final, nem passava mais nada pela minha cabeça”, conta. “Aí um dias eles nos soltaram e mandaram a gente sair do país [na verdade um território britânico].”
Júnior então deu um jeito de voltar à República Dominicana, mas, por ter perdido a confiança na “coiote” que contratara, decidiu viajar a Nassau, nas Bahamas –onde “é fácil achar quem faça a travessia”, por US$ 8.000 (R$ 41 mil). Lá, depois de algumas tentativas frustradas, conseguiu cruzar de Freeport a Fort Lauderdale, na Flórida, em um trajeto de quatro horas de barco que terminou em um píer de mansões.
Já nos EUA, o destino final foi a Filadélfia, na casa de um tio. “Estava sem tomar banho havia um mês, com as roupas sujas e molhadas, mas consegui pegar um avião –a sorte é que os outros passageiros estavam de máscara”, diz, lembrando que a condição não melhorou quando encontrou os familiares. “Estava nevando na Filadélfia, mas eu só tinha um chinelo de dedo.”
O brasileiro conta que pensou em desistir e se entregar para a polícia algumas vezes, mas hoje acha que o processo valeu a pena. “Foi triste, sofri muito, mas foi um aprendizado. Hoje ganho meu dinheiro e não penso em voltar [ao Brasil]”, diz ele, que trabalha no setor da construção civil.
Naquele 2021, outro fator que intensificou o fluxo de apreensões nas fronteiras foi a mudança de governo, com Joe Biden assumindo a Presidência em janeiro, em substituição a Donald Trump. Mas, como destaca o advogado Felipe Alexandre, especialista nessa área no escritório AG Immigration, a política de fronteiras abertas que se esperava na gestão do democrata acabou não ocorrendo.
Sob a justificativa de conter a circulação do coronavírus, Trump, que já tinha um forte discurso anti-imigração, implementou uma política que ficou conhecida como Título 42, para expulsar migrantes que tentavam entrar na fronteira com o México, sem que eles pudessem pedir asilo no país. Biden tentou derrubar a medida, mas a Suprema Corte a manteve em vigor até a análise final de recursos –o que deve ocorrer até meados deste ano.
Pressionada pela crise humanitária, a gestão democrata anunciou no mês passado uma política de cotas, que aceitará mensalmente 30 mil migrantes de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela, e o endurecimento da Título 42, ao permitir a expulsão de cidadãos desses países que tentarem entrar de forma irregular e não comprovarem que têm condições de viver nos EUA.
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