Arcabouço fiscal: relator inclui gatilhos e enxuga lista de exceções, mas permite gastos maiores em 2024.

O relator do projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023), deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou aos líderes partidários, na noite de segunda-feira (16), seu parecer para o texto, que deverá ser votado diretamente em plenário na próxima semana.

Para que o projeto possa efetivamente concluir sua tramitação na Câmara dos Deputados ainda em maio, os parlamentares ainda precisam aprovar requerimento de urgência (o que deve ocorrer na quarta-feira), de modo que ele não precise ser submetido a análise das comissões temáticas – o que aumentaria os requisitos formais de tramitação do texto, ampliando os prazos até a votação em plenário.

O texto manteve boa parte da estrutura do projeto original entregue pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, com a regra baseada em meta de resultado primário e limitações para a evolução das despesas, mas incluiu mecanismos mais claros de ajuste fiscal em situações específicas e reduziu o número de exceções à regra estabelecida para substituir o teto de gastos.

Uma das mudanças diz respeito à introdução de mecanismo constitucional que já pode ser aplicado por Estados e municípios em situações em que a relação entre despesas correntes e receitas correntes supera 95%. Nestes casos, a Carta Magna prevê 10 possíveis vedações que podem ser acionadas pelo gestor público. Elas são as mesmas que o governo seria obrigado a aplicar em caso de descumprimento da meta de resultado primário por um ou dois anos (veja os pontos ao final da matéria).

A Constituição Federal já autoriza que os entes subnacionais acionem tais “gatilhos” caso a despesa corrente supere o patamar de 85% da receita corrente. Vale ressaltar que gastos relacionados ao salário mínimo estariam preservados do ajuste fiscal do governo.

O substitutivo do novo arcabouço fiscal mantém dispositivo que determina que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabeleça as diretrizes da política fiscal e as respectivas metas anuais para o resultado primário do governo central para o ano que se referir e os três exercícios subsequentes, “compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública”.

E define a sustentabilidade da dívida pública a partir do “estabelecimento de metas de resultados primários (…) até a estabilização da relação entre a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e Produto Interno Bruto (PIB)”.

Linhas gerais mantidas
O relator Cláudio Cajado manteve a “espinha dorsal” do cálculo do limite de despesas proposto pelo governo, com correção anual da inflação mais 70% da variação da receita, dentro da banda de 0,6% a 2,5% reais. No texto original, todos esses parâmetros poderiam ser modificados a cada novo governo, mas agora eles foram fixados pelo parlamentar no substitutivo.

Caso o resultado primário de um exercício esteja abaixo do limite mínimo estabelecido como meta, o fator de correção do limite de despesas em relação à variação da receita cai para 50%, desde que respeitando a banda de 0,6% a 2,5% de crescimento real. Outro parâmetro fixado pelo relator.

O governo Lula estabeleceu como compromisso um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% e 1% em 2025 e 2026, respectivamente. Durante o período, o intervalo de tolerância estabelecido foi de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.

Para o ano que vem, no entanto, Cajado estabeleceu a correção do “teto” de despesas para o máximo permitido pela regra (2,5%), independentemente da receita aferida pelo governo.

Na prática, a mudança deve permitir maior fôlego orçamentário para o Poder Executivo em 2024, ano que tinha mais chances de ter um crescimento menor de despesas em razão da base já alta gerada em comparação com 2022 (por conta da PEC da Transição) e da desaceleração da economia, além de uma projeção de comportamento de receitas mais tímido.

Exceções
O substitutivo também reduziu as exceções à regra, incluindo no limite de despesas os gastos com capitalizações de empresas estatais, transferências relacionadas ao piso de enfermagem e repasses a título do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundeb). Mas os dois últimos poderão aumentar a base de cálculo.

Também entram na conta despesas da União relacionadas à organização e manutenção das polícias e do corpo de bombeiros do Distrito Federal, além de qualquer assistência financeira ao ente subnacional para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio.

Outra exceção que sai do texto refere-se às despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Para o cálculo dos limites do ano que vem, porém, devem ser consideradas as despesas anualizadas das transferências aos fundos de saúde dos entes subnacionais, na forma de assistência financeira complementar para cumprimento dos pisos nacionais salariais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira.

Mas o texto introduziu a possibilidade de que os limites de pagamento e movimentação financeira estejam acima do limite de despesas, desde que as estimativas de receita e despesa durante o exercício mostrarem que não há comprometimento da obtenção da meta de resultado primário.

Isso significa que, se houver “excesso de arrecadação”, o governo poderá gastar mais, até o limite de 0,25 ponto percentual do PIB acima da meta.

Cajado, por outro lado, manteve fora da base de cálculo dos limites de despesas os projetos socioambientais e de universidades custeados com recursos próprios, as despesas sazonais da Justiça Eleitoral, os precatórios pagos com desconto e do Fundef, créditos extraordinários e transferências dos entes para a União executar obras e serviços de engenharia.

Metodologia de cálculo
O relatório também altera a metodologia de cálculo para o limite de despesas em um exercício. Em vez de considerar a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – ou outro índice que vier a substituí-lo – acumulada de janeiro a junho e o estimado de julho a dezembro pelo Poder Executivo, será considerado o acumulado de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior.

A variação real da receita, por sua vez, considerará os valores acumulados no período de doze meses encerrados em junho do exercício anterior a que se refere a Lei Orçamentária Anual (LOA), descontados da variação acumulada do IPCA.

Não obstante, o texto permite que a diferença entre IPCA realizado no fim do ano e o utilizado no PLOA, caso positiva, seja utilizada para suplementação de despesas nos anos seguintes, podendo ser incorporada à base de cálculo para 2025.

A ampliação, no entanto, não se incorpora à base de cálculo a partir dos exercícios seguintes – ou seja, a diferença aferida não geraria um “efeito cascata” para os anos subsequentes e imporia limite aos restos a pagar, antes mais “soltos” na versão original.

Mas, pelo desenho, os esforços de recomposição de receitas lançados pelo Ministério da Fazenda neste momento poderiam ser incorporados, favorecendo a execução orçamentária do governo.

O relatório manteve a lógica de retirar receitas extraordinárias do cálculo para o limite de despesas em um exercício. Além dos quatro critérios previstos no texto original, foram incluídos dois pontos:

1) Receitas primárias de concessões e permissões;

2) Receitas primárias de dividendos e participações;

3) Receitas primárias de exploração de recursos naturais;

4) Receitas oriundas de patrimônios acumulados do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, cujos recursos não tenham sido reclamados por prazo superior a 20 anos;

5) Receitas de programas especiais de recuperação fiscal, destinados a promover a regularização de créditos junto à União, criados a partir da publicação desta Lei Complementar;

6) Transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias descontadas as decorrentes das receitas de que tratam os incisos anteriores.

O substitutivo também retoma a obrigação de limitação de empenho e pagamento de despesas ao longo do exercício para cumprimento da meta de resultado primário (conforme já previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal), mas limita esse contingenciamento a 25% da despesa discricionária.

Mas mantém a descriminalização em caso de descumprimento da meta pelo gestor, se forem tomadas as medidas necessárias para seu atingimento – incluindo o contingenciamento –, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública, conforme limite percentual estabelecido na LDO e desde que não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas.

A descriminalização atende a pedido feito pela bancada do PT, que temia os riscos de qualquer implicação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com risco de tipificação de crime de responsabilidade, passível de impeachment, como ocorreu com Dilma Rousseff (PT).

“Gatilhos”
Caso o resultado primário atingido pelo governo em um exercício seja inferior ao limite mínimo do intervalo de tolerância da meta, além da limitação para o crescimento real das despesas em 50% das receitas, ou 0,6% reais (o que for maior), o substitutivo do arcabouço fiscal obriga a aplicação imediata de “gatilhos” para controlar a dinâmica dos gastos públicos.

No primeiro ano de descumprimento, aplicam-se as seguintes vedações já previstas na Constituição Federal:

1) Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

2) Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

3) Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas;

4) Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

Caso o resultado abaixo do limite inferior da meta de primário ocorra pelo segundo exercício consecutivo, inclui-se a aplicação imediata, enquanto perdurar o descumprimento, das demais vedações previstas no art. 167-A da Constituição Federal:

5) Concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas;

6) Admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas: a) as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa; b) as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; c) as contratações temporárias, exceto em casos de necessidade temporária de excepcional interesse público; d) as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;

7) Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias;

8) Criação de despesa obrigatória;

9) Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo; e

10) Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções.

Todos os gatilhos, exceto o 4º, também precisariam ser acionados quando verificado que a proporção da despesa primária obrigatória em relação à despesa primária total tiver alcançado nível superior a 95%.

Mas o relatório também abre a possibilidade de, nesses casos, o presidente da República enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei complementar que proponha suspensão parcial ou a gradação das vedações previstas, demonstrando que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para compensar a diferença havida entre o resultado primário apurado e o limite inferior do intervalo de tolerância da meta indicada.

Ficam de fora de quaisquer mecanismos de controle as despesas referentes ao reajuste do salário mínimo decorrentes das diretrizes instituídas em lei de valorização, cujo projeto ainda está em tramitação no Poder Legislativo. Tal flexibilização “amarra” quase 1/3 do Orçamento, dificultando a margem para ajustes por parte do governo federal. As vedações também não se aplicam em situações de calamidade pública em nível nacional.

O substitutivo determina, ainda, que o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública não poderá ser fixado em limite inferior a 75% do valor autorizado na respectiva lei orçamentária.

Investimentos públicos
O relator manteve no texto o valor mínimo para investimentos públicos, que considera o Orçamento de 2023 com correção inflacionária para cada exercício. Neste caso, são referidos os investimentos propriamente ditos e inversões financeiras, quando a despesa se destinar a programas habitacionais que incluam em seus objetivos a provisão subsidiada ou financiada de unidades habitacionais novas ou usadas em áreas urbanas ou rurais.

Também consta do substitutivo dispositivo que prevê que, caso o resultado primário exceda o limite superior do intervalo de tolerância da meta estabelecida, o governo federal poderá ampliar as despesas.

Neste caso, no entanto, o relator fixou um teto de 70% para este aumento, que pode ser direcionado a investimentos, prioritariamente para obras inacabadas ou em andamento, e para inversões financeiras. Desde que não haja apuração de déficit primário no referido exercício.

Na proposta original, havia apenas um limite para o “bônus” de investimentos fixado em R$ 25 bilhões anuais entre 2025 e 2028, correspondente a pouco mais de 1/3 do Orçamento reservado para essa rubrica em 2023 (R$ 71 bilhões).

E os aumentos de despesas em razão da superação da meta não entram na contabilização do valor mínimo de gastos para os anos subsequentes.

O substitutivo também determina que a ampliação das dotações orçamentárias não poderá ultrapassar, em qualquer hipótese, o montante de até 0,25 p.p. do PIB do exercício anterior ao da elaboração da LOA (o que hoje gira próximo de R$ 25 bilhões).

InfoMoney

Postado em 18 de maio de 2023