Bolsa Família: beneficiários que têm pequenos negócios terão crédito para se tornarem MEI

O governo Lula incluirá no novo programa de crédito para microempresários a possibilidade de beneficiários do Bolsa Família captarem financiamentos e se formalizarem como Microempreendedores Individuais (MEIs). O pacote de medidas que criará a modalidade de empréstimo facilitado deverá ser publicado nas próximas semanas e passar por ajustes entre a Casa Civil e o Ministério da Fazenda.

Além das duas pastas, o programa está sendo desenhado pelo Ministério do Empreendedorismo e Microempresa, comandado por Márcio França, ex-ministro dos Portos e Aeroportos, e pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Segundo auxiliares de Lula, o presidente concorda que o empreendedorismo pode ser uma chance para beneficiários do Bolsa Família conseguirem sair do programa. Além de aumentar a arrecadação da Previdência Social que teve déficit de R$ 306 bilhões em 2023.

No modelo desenhado, o beneficiário receberá o empréstimo e se formalizará como MEI sem deixar o Bolsa Família. A saída ocorrerá de forma gradual, mas em um modelo diferente do aplicado hoje para quem consegue emprego, por exemplo. O governo vai identificar quem já consegue se sustentar com o próprio negócio. Prazo e formato da transição, porém, ainda não foram divulgados.

Potencial de R$ 30 bilhões
Integrantes do governo afirmam que quase 44% dos beneficiários da Bolsa que recebem acima de R$ 800 empreendem em algum negócio, como fabricação e venda de comida caseira ou peças de vestuário feitas à mão. O governo entende que a concessão de crédito para ampliação ou melhoria de pequenos negócios poderá promover trabalhadores informais a optarem pelo MEI.

O programa será feito em parceria com o Sebrae, que irá orientar pequenos empresários durante a formalização do negócio, até que consigam liberação do benefício ou a situação de vulnerabilidade. Segundo dados da instituição, dos 20 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, metade empreende informalmente.

— Muitos empreendedores estão na informalidade hoje para não perder o Bolsa Família. Quem for empreendedor e se formalizar não vai sair do Bolsa Família a princípio, terá uma transição. Será uma transição diferente da que temos para quem arruma um emprego. Será crédito assistido. Não tem perigo, vamos dar o crédito para ele empreender, não para qualquer consumo — afirma o presidente do Sebrae, Décio Lima.

Ele explica ainda que a estimativa é que, com a formalização, os microempreendedores aumentem em 25% a renda.

O programa terá um fundo garantido com a colaboração do próprio Sebrae e do BNDES. A partir dessa garantia, os bancos privados e cooperativas aceitaram fornecer empréstimos para quem quiser se formalizar. Segundo o Sebrae, o fundo terá um potencial de até R$ 30 bilhões em empréstimos. A ideia é que o programa seja perene, sem prazo de término. Para dar uma dimensão desse valor, o orçamento do Bolsa Família este ano é de R$ 169,5 bilhões.

Hoje, o programa é voltado para famílias que ganham até R$ 218 per capita, por pessoa. Caso alguém da família consiga emprego e a renda aumente para até R$ 706 por pessoa, ela continua no programa, mas em uma fase de transição chamada de Regra de Proteção. Nessa etapa, a família passa a receber metade do benefício inicial, por até dois anos.

Evitar uso para consumo
Em 2005, o governo Lula, ainda em seu primeiro mandato, criou o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, modalidade que concede valores baixos de empréstimos a potenciais investidores, mas que permaneceram sob tutela e orientação de uso do recurso captado. Para o economista e ex-secretário de Políticas Econômicas do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, a inclusão de beneficiários da Bolsa pode dar certo, desde que o governo garanta que o dinheiro não seja direcionado ao consumo.

— Se o programa de apresentações para comprometer parte da renda do Bolsa Família sem o desenho de um microcrédito produtivo orientado, penso ser péssima ideia. Não pode ser para aquisição de bens de consumo, mas voltado para micronegócios e com orientação de agentes de crédito. Existe um modelo muito bem-sucedido que é o microcrédito orientado, na linha do Crediamigo do Banco do Nordeste, e que já ocorreu no âmbito federal com o nome de Crescer — disse Holland.

O economista explicou que o agente de crédito poderia ser alguém selecionado e treinado na própria comunidade onde o beneficiário do Bolsa Família mora ou tenha aberto seu pequeno negócio. Dessa forma, quem tomasse o empréstimo, teria acompanhamento direto, na ponto.

O pacote de concessão de crédito para microempreendedores e pequenos empresários deverá ser formalizado nas próximas semanas. As minutas com as propostas estão na Casa Civil, que ainda definem se todas as medidas constarão em uma mesma medida provisória, ou em textos diferentes.

Isso porque, faz parte do pacote, uma linha de crédito para microempresários já formalizada. O programa deve conceder novo limite de empréstimo de até 30% do faturamento do ano anterior, em caso de negócios comandados por homens, e de até 50% para empreendedoras mulheres.

A taxa de juros aplicada dependerá da definição de cada banco que oferecerá a linha, mas a expectativa do governo é que sejam bem abaixo das praticadas pelo mercado financeiro. Hoje, fazer parte do MEI empresários que faturam até R$ 81 milhões por ano. Quem fatura entre esse valor e R$ 360 mil, passa a ser classificado como pequeno empresário no Simples Nacional.

Renegociação de dívidas
Além do crédito especial, o pacote de medidas permitirá a renegociação de dívidas em formato especial para pequenos empresários, ou Desenrola para pessoas jurídicas. O programa utilizará verbas disponíveis do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para baratear empréstimos e renegociações de microempreendedores com o setor bancário. O programa também prevê uma renegociação de dívidas do Pronampe, criada na pandemia para socorrer microempresas.

Integrantes do governo pontuaram que a medida de empréstimos para investimentos no próprio negócio é diferente do crédito consignado aos beneficiários do Bolsa Família criado no governo Jair Bolsonaro, que autorizou descontos em parcelas de benefício para amortização de empréstimos e financiamentos no âmbito do Auxílio Brasil.

O GLOBO

Postado em 9 de abril de 2024