Brasil propõe fundo ambiental de 12 bi de euros para fechar acordo com UE

A proposta feita pelo Brasil para fechar um acordo comercial com a União Europeia prevê a criação de um fundo de 12 bilhões de euros para ajudar os países do Mercosul a implementar políticas ambientais e de redução de desmatamento. O texto do projeto, que veio sendo mantido em sigilo, foi obtido com exclusividade pelo UOL.

O documento ainda retira ameaças e suspeitas feitas pela Europa em termos ambientais e propõe que os dois blocos se comprometam a não usar as questões de desmatamento como justificativa para tarifas comerciais.

A proposta brasileira foi recebida com preocupação por parte de grupos ambientalistas europeus, que alertam que o novo acordo não garante qualquer capacidade de uma pressão da UE no Mercosul a condicionar a queda do desmatamento de um acesso ao seu mercado. Nos bastidores da UE, os ambientalistas continuam instruídos para que um acordo não seja previsto nas bases propostas pelo Mercosul.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem criticado a forma como a Europa vem ameaçando parceiros comerciais com tarifas sobre seus produtos, caso não cumpram suas regras ambientais.

O acordo Mercosul-UE vem sendo negociado há mais de 20 anos e a esperança do governo Lula era de fechar finalmente os termos. Mas os europeus aceitaram, no início do ano, uma oferta considerada como “inaceitável”. Nela, a UE previa a suspensão de acesso ao mercado europeu caso o Brasil não cumprisse suas exigências sobre o desmatamento e o Acordo Climático de Paris.

‘Abordagem Cooperativa’
Na nova versão enviada pelo Brasil aos europeus — e que está sendo negociada —, o Mercosul apresenta um caminho radicalmente diferente. A ideia é a de sugerir “uma abordagem cooperativa”.

Em lugar de avaliações, o Itamaraty inverte a lógica da desconfiança e pede a ajuda da Europa para cumprir as metas ambientais. No texto proposto, portanto, os governos “reconhecem a necessidade de apoiar e auxiliar os países do Mercosul para garantir que os requisitos de importação lançados pela UE não prejudiquem suas oportunidades em termos de acesso ao mercado”.

Segundo a proposta, as ações deverão incluir os recursos financeiros e programas de capacitação para apoiar os países do Mercosul. O projeto ainda sugere que os governos europeus ajudem a pagar pela conservação das florestas na América do Sul.

Pelo texto, fica previsto que as autoridades:

Reconhecemos que os países do Mercosul referem o apoio da UE e dos meios apropriados para avançar em suas políticas nacionais e compromissos internacionais relativos à mitigação e adaptação às mudanças climáticas e seus cobenefícios, objetivos de perdas e danos e para lidar com a perda de biodiversidade, conservação e restauração de florestas, de acordo com a legislação interna de cada país sobre o assunto, bem como com os compromissos internacionais aplicáveis.

Pelo acordo, a União Europeia “se compromete a apoiar mecanismos de concessão de compensação direta aos Estados partes do Mercosul pela conservação – tais como o pagamento a indivíduos, produtores, entidades nacionais ou subnacionais ou Estados pela preservação desses ecossistemas, quando essa conservação envolve a abstenção de desmatamento de florestas em áreas nas quais essa prática seria permitida pela legislação doméstica dos países exportadores”.

Fundo para financiamento de ações, projetos e programas
O projeto apresentado pelo bloco sul-americano prevê ainda a criação do Mecanismo Mercosul-UE, que será utilizado para financiar ações, projetos e programas de cooperação sob a forma de subvenções e empréstimos, num patamar mínimo de 12,5 bilhões de euros.

A fim de garantir o cumprimento dos objetivos deste acordo, a UE alocará recursos financeiros para integrar o mecanismo referido em um montante não inferior a 12,5 bilhões de euros em subsídios, empréstimos e outros instrumentos financeiros.

Os fundos disponíveis serão disponibilizados desde a entrada em vigor dos cronogramas de eliminação de tarifas entre os produtos.

“O mecanismo será coberto por um programa financeiro especial no âmbito do orçamento da União Europeia, sem prejuízo do financiamento de outros recursos financeiros”, afirma. O plano prevê ainda recursos do Banco Europeu de Investimento e outros Bancos Regionais de Desenvolvimento.

Protecionismo
Um dos pontos centrais do texto do Mercosul é evitar que questões ambientais ou trabalhistas se transformem em justificativas para barreiras comerciais. Assim, o texto afirma que os dois blocos “são da opinião de que as medidas protecionistas que são inconsistentes com as regras da OMC não oferecem soluções para enfrentar esses desafios, dado seu impacto prejudicial sobre as economias nacionais e, em última análise, para a obtenção do desenvolvimento sustentável”.

O texto ainda defende um “sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório” e que isso será que “levará ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável, permitindo particularmente que os países do Mercosul enfrentem melhores os efeitos adversos da mudança climática”.

Os governos se comprometem a “melhorar suas leis e políticas relevantes de modo a garantir níveis altos e eficazes de proteção ambiental e trabalhista”. O texto ainda sugere que os governos se comprometem “a não enfraquecer os níveis de proteção fornecidos pela legislação ambiental ou trabalhista nacional com a intenção de incentivo ao comércio ou ao investimento”.

Num dos trechos mais importantes, o projeto de acordo diz que os governos:

Não aplicarão as leis ambientais e trabalhistas de maneira que constitua uma restrição disfarçada ao comércio ou uma discriminação injustificável ou arbitrária. Essas leis devem ser menos restritivas ao comércio entre as opções disponíveis e devem contribuir substancialmente para a concretização do objetivo legítimo de política pública sob o que foram justificadas.

O acordo ainda prevê que os governos devem considerar as diferenças nas situações, capacidades e necessidades nacionais, e pedem períodos mais longos para a implementação dos requisitos no Mercosul.

As medidas tomadas para proteger as mudanças climáticas, especialmente as ofertas unilaterais, não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição escondida ao comércio internacional.

Consultas
Em lugar de disputas e tarifas, o projeto propõe uma “plataforma privilegiada para consulta e cooperação sobre aspectos relacionados ao comércio de normas e objetivos multilaterais trabalhistas e ambientais, de acordo com uma abordagem cooperativa”. Isso deve levar em consideração “as diferentes realidades nacionais, restrições geográficas, capacidades, necessidades e níveis de desenvolvimento das partes e que respeitem suas políticas e prioridades nacionais”.

O acordo proposto ainda insiste que não há como exigir as mesmas coisas, em termos ambientais, do Mercosul e da UE.

“As partes observam a necessidade de levar plenamente em conta os princípios de equidade e responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades”, diz.

O tratado cria, assim, o Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável que terá a tarefa de discutir e implementar todos esses trechos do acordo, sempre com base em “consulta e cooperação”.

Essa consulta envolverá mais de uma dezena de tratados internacionais ambientais, entre eles:

a Convenção sobre Diversidade Biológica,
o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio,
a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e
o Acordo de Paris.
Pelo projeto do Mercosul, uma revisão do acordo ocorreria após o primeiro ano de sua entrada em vigor. Nesse momento, seria avaliado se as tarifas deveriam ser mantidas ou não.

O texto ainda fala na importância da integração do desenvolvimento sustentável nas relações de comércio. Isso inclui “incentivar o comércio de produtos naturais obtidos de forma sustentável”.

O acordo também prevê “maiores oportunidades de acesso ao mercado para produtos obtidos de forma sustentável, de acordo com as leis nacionais, de pequenos proprietários, cooperativas, comunidades locais e tradicionais, e para desenvolver mecanismos de apoio a essas atividades na manutenção de fontes sustentáveis de renda”.

Em lugar de proteção ou imposição de taxas, os governos se comprometem a “intensificar os esforços para acabar com as ameaças ilícitas à natureza e ao meio ambiente, incluindo a extração ilegal de madeira e fogo e o comércio ilegal de animais silvestres, além de outras atividades especial, como a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU) e o tráfego ilegal de resíduos, que trazem prejuízos para a manipulação ambiental, a poluição, a perda de biodiversidade, a manipulação da terra e a desertificação, a manipulação florestal, o desmatamento ilegal a mudança climática”.

Reconhecimento mútuo
Outra proposta do Brasil é a de que os europeus reconheçam os “sistemas nacionais de monitoramento para preservação de florestas e desmatamento, inclusive para a avaliação da conformidade com a legislação da parte importadora”.

Ou seja, o governo brasileiro quer a garantia de que Bruxelas aceitará a avaliação feita pelo Brasil, sem a necessidade de que os europeus tenham de desembarcar para fazer uma avaliação.

“Nesse contexto, cada parte registra a equivalência do sistema oficial de rastreabilidade e certificação da outra parte que fornece garantias de sustentabilidade do produto certificado de acordo com sua legislação”, propõe.

UOL

Postado em 21 de outubro de 2023