Brasil tem mais jovens médicos; maioria é mulher e generalista
Cresceu 26% o número total de médicos jovens no Brasil nos últimos três anos, de cerca de 75 mil em 2020 para mais de 95 mil em janeiro de 2024. Essa nova geração está mudando o perfil e a distribuição de profissionais pelo país.
Um exemplo é a Paraíba, que alcançou a maior proporção de profissionais com até 29 anos por mil habitantes (0,95), segundo o levantamento Demografia Médica 2024, do CFM (Conselho Federal de Medicina). A média nacional é de 0,53.
“Na minha sala, são 186 alunos. Eu nem conheço todo mundo”, afirma Victoria Apolori, 22, estudante do terceiro ano de medicina na Afya, faculdade privada de ciências médicas em João Pessoa (PB). A capital tem três escolas médicas privadas e uma pública.
Ela vê vantagens em ficar no estado. Para ela, qualidade de vida é um dos fatores que influenciam a fixação de jovens. Por outro lado, há colegas que são do interior e querem voltar ou ir para o Sudeste.
O CRM-PB (Conselho Regional de Medicina da Paraíba) justifica os números pela oferta de vagas em cursos. O estado tem uma das maiores proporções de vagas por mil habitantes (0,26) do país. Em São Paulo, a taxa é 0,21.
O Ministério da Saúde também afirma que a Paraíba tem “um mercado com capacidade de absorção dessa força de trabalho”. A estimativa é que, em cinco anos, o estado tenha dois terços de seus médicos com menos de 40 anos.
“Além disso, aumentou a oferta de residência médica. Isso faz com que muitos jovens que saíam para se especializar hoje possam fazer a residência aqui”, diz Bruno Souza, presidente do CRM-PB.
“Tem gente que prefere ficar aqui, mesmo recebendo menos, pelo equilíbrio, por estar perto da família e pela questão cultural”, diz Victoria Apolori, estudante de medicina na Paraíba
No Nordeste, outros dois estado estão acima da média, Piauí (0,74) e Sergipe (0,59), enquanto cinco estão abaixo.
No Norte, 5 dos 7 estados estão abaixo da média nacional. Amapá e Acre têm as piores proporções, respectivamente, 0,22 e 0,29. O número é atribuído à concentração de médicos nas capitais e à migração de recém-formados para grandes centros urbanos do país. “Muitos dos jovens que estudam no Acre já são de outros estados e retornam após a formação”, diz o CRM-AC em nota.
A baixa nota de corte no vestibular atrai jovens, como Vitor Leocadio, 29, cearense que foi estudar na única instituição pública do Acre. Diferentemente de quem busca apenas se formar no estado, a intenção do estudante é ficar.
“O retorno monetário no Sudeste é melhor, mas o mercado é restrito. Se você já tiver contatos, as coisas ficam mais simples. Chegar sem nada é difícil. No meu caso, como estudei aqui, é mais fácil ficar.”
No Amapá, há apenas uma escola médica. “Nossa faculdade de medicina só começou em 2010. Faz apenas nove anos que estamos formando médicos aqui. Também não temos residência de todas as especialidades”, diz o presidente do CRM-AP, Eduardo de Jesus.
Sem o recorte de idade, a densidade de médicos por mil habitantes no Brasil é de 2,81, maior que a dos Estados Unidos (2,7), segundo dados mais recentes (2021) da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Residência perde apelo e preocupa entidades
No Brasil, há mais especialistas e médicos homens. Entre os jovens, a relação se inverte: há menos especialistas e mais mulheres. Na geração Z, nascida entre 1995 e 2010, também aumenta a quantidade de profissionais formados em instituições privadas.
Entidades médicas explicam que os gastos com a faculdade particular e a baixa remuneração oferecida pela residência afastam os profissionais da especialização. A carga horária dessa modalidade de pós-graduação específica para médicos vai até 60 horas semanais, e o salário fica, em média, abaixo de R$ 4.000 por mês.
Em três anos, houve queda de 10% no número de especialistas com até 29 anos. “Com a maioria dos cursos privados, os alunos se formam com dívidas e precisam melhorar a renda”, diz Júlio Braga, coordenador das comissões de Ensino Médico e de Integração do Médico Jovem do CFM.
A geração Z está trocando a residência por plantões em hospitais, que oferecem melhor remuneração. Zeus dos Santos, membro da Comissão Nacional de Médicos Jovens da AMB (Associação Médica Brasileira), afirma que salários para plantonistas variam entre R$ 12 mil e R$ 30 mil.
“Imagine que você pagou a graduação e ficou um período sem trabalhar. A renda e o custo de vida aumentam, e você precisa continuar em longos plantões. Com que tempo vai estudar para residência?”
Entre quem opta pela especialização, as áreas mais buscadas são dermatologia, anestesiologia e psiquiatria. Para medicina da família e comunidade, faltam interessados.
As entidades se preocupam com o menor interesse pela residência. “A residência é a melhor forma do médico completar a atuação. Hoje é ainda mais necessário porque o Brasil tem pouco campo de estágio, e os alunos saem da faculdade ainda mais inexperientes que há dez anos”, diz Braga.
A falta de aprendizado prático na graduação também preocupa. “O aluno se forma sem competência técnica para exercer a medicina de forma plena. É um profissional inseguro que se sente desvalorizado”, diz Santos, da AMB.”
Mais médicos cria incentivos para atrair profissionais novatos
Em março do ano passado, o Mais Médicos mudou diretrizes com o intuito de atrair jovens profissionais. O programa passou a oferecer cursos de especialização em instituições públicas de educação superior.
O novo projeto também viabiliza reembolso para quem estudou por meio do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). O valor pode variar de R$ 238 mil a R$ 475 mil por profissional. Em junho deste ano, a bolsa oferecida para os profissionais teve o primeiro aumento desde 2019.
De acordo com Felipe de Oliveira, secretário de atenção primária à saúde do Ministério da Saúde, a média salarial dos participantes é de cerca de R$ 12,3 mil. Os benefícios financeiros variam de acordo com a localidade em que o médico vai atender.
“São incentivos importantes para jovens médicos. É uma faixa etária que, provavelmente, está constituindo família e criando raízes no local. Temos mais de dez anos de existência. Sabemos onde há as melhores taxas de fixação e onde há maior permanência. Usamos isso para decidir quais vagas terão mais benefícios”, afirma.
Dos mais de 24 mil profissionais ativos no programa, cerca de 21% têm até 29 anos. A maior proporção está na região Nordeste, onde há 1.973 jovens. Em seguida, estão Sudeste (1.544), Sul (827), Norte (670) e Centro-Oeste (314).
O programa visa suprir a carência desses profissionais nas áreas de atenção primária à saúde e medicina familiar.
A iniciativa também busca aperfeiçoar profissionais dessas áreas em regiões consideradas prioritárias para o SUS (Sistema Único de Saúde).
“Temos a expectativa de suprir duas demandas: a má distribuição e a falta de especialistas, uma vez que o programa oferta uma especialização em saúde da família, uma das menos buscadas entre os profissionais”, diz Oliveira.
Fonte: Folha de S. Paulo