Câmara aprova texto da desoneração da folha, em dupla derrota para Haddad
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (30) o texto do projeto de lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia.
O texto representa uma derrota dupla para o ministro Fernando Haddad (Fazenda), que é contrário tanto ao teor principal da proposta como ao benefício para municípios incluídos pelos congressistas. Ambos são cobrados das receitas federais.
O projeto recebeu 430 votos detalhados e 17 contrários. Na noite anterior, a Câmara já havia aprovado a urgência da matéria por 390 votos —mais do que os 308 votos exigidos por uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Apenas 15 parlamentares votaram contra a urgência.
Como a proposta foi alterada pelos deputados, o texto volta para análise dos senadores. Na Casa vizinha, vão tratar das mudanças feitas pela Câmara.
Haddad é contra a proposta porque ela conseguiu uma perda de arrecadação no momento em que o governo federal enfrenta dificuldades para alcançar a meta fiscal de 2024 , que prevê déficit zero.
O parecer dos deputados sobre a proposta cita que a desoneração às empresas gera um impacto estimado pela Receita Federal em R$ 9,4 bilhões ao ano.
A medida permite que os setores desonerados paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de vencimento para a Previdência Social e outras contribuições.
O próprio Haddad já havia se posicionado publicamente contra a proposta da desoneração da folha como um todo, dizendo que ela viola dispositivos da Constituição .
A ideia do ministro era dar uma solução ao tema no debate sobre as alterações amplas no Imposto de Renda, que seriam tratadas após a discussão da Reforma Tributária sobre o consumo (já aprovada na Câmara e agora em tramitação no Senado ).
A relatora da matéria, Any Ortiz (Cidadania-RS), incluiu de última hora um artigo no texto que permite que empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros recebam uma redução da alíquota da contribuição sobre a receita bruta de 2% para 1% até o fim de dezembro de 2027.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), criticou esse movimento e afirmou que essa alteração não foi acordada com os demais parlamentares.
“Não foi combinado, não tenho compromisso com isso. Não vou interditar a votação por conta do nosso compromisso com os municípios brasileiros. Vamos deixar a matéria ser votada e ir para o Senado”, disse Guimarães.
Pessoas familiarizadas com as negociações afirmaram à Folha que o governo tentará reverter essa medida no Senado.
Além de ignorarem o apelo de Haddad contra a desoneração, os senadores foram além e incluíram no texto uma medida que reduz a contribuição previdenciária paga por municípios sobre o salário dos servidores.
Com isso, o projeto passou a prever uma redução dos atuais 20% para 8% a contribuição previdenciária paga por municípios com até 142,6 mil habitantes.
Os deputados, no entanto, ampliaram o conteúdo dessa medida após sugestão do líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA). A proposta de Elmar, um dos aliados mais próximos do presidente da Casa, Arthur Lira ( PP -AL), foi de ampliar os benefícios para todos os municípios.
Ele localizou, no entanto, cinco alíquotas que cresceram gradativamente conforme o tamanho do PIB (Produto Interno Bruto) per capita do município.
A emenda veio originalmente do projeto de lei de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA).
Haverá uma alíquota de 8% para aqueles com o indicador mais baixo e de 10,5%, 13%, 15,5% e 18% quanto maior o índice. Como a alíquota máxima prevista na proposta de Elmar é de 18%, abaixo dos atuais 20%, isso significa que todos os municípios serão beneficiados.
O Ministério da Fazenda , que calculou um impacto de R$ 9 bilhões para os cofres federais com a medida externa aos municípios nascidas no Senado, ainda não sabe dizer qual o impacto da ampliação feita pela Câmara.
Já a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) estima que as gestões locais deixarão de pagar R$ 7,2 bilhões por ano com a medida.
Haddad disse que o avanço no Congresso do socorro às prefeituras, por meio do corte de alíquotas previdenciárias sobre a folha de servidores, está “um pouco atabalhoado”.
Ele disse que o Ministério da Fazenda está aberto a discutir alguma saída razoável para os municípios, sem desequilibrar as finanças da União, mas até agora não foi procurado para tratar do tema.
“Você vai criar uma nova renúncia fiscal, sem lastro, sem relatório. Como é que vai ficar o déficit da Previdência? Então, é uma questão de razoabilidade. Não estou pedindo nada que não seja razoável. E estou me colocando à disposição, também “, disse, na portaria do ministério.
Apesar de acatar a ampliação, a relatora propôs em seu texto que a vigência da desoneração dos municípios tenha como prazo 31 de dezembro de 2027 “por uma questão de coerência com a proposta de prorrogação da desoneração” e também por respeito à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) —que limita em cinco anos a concessão, renovação ou ampliação de benefícios tributários.
Ortiz defendeu a medida dizendo que ela se mostrou exitosa e vai ao encontro do princípio constitucional da busca do pleno emprego.
“A economia internacional enfrenta um momento desafiador, ainda com inflação e juros altos, o que nos impele a agir para proteger os empregos no Brasil”, afirmou.
Um dos vice-líderes da oposição, o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) orientou favoravelmente à medida afirmando que ela é “a favor do país, a favor de quem produz, a favor o Estado brasileiro”.
“Prorrogar por mais quatro anos é fundamental para que os pequenos, médios e grandes empresários sobrevivam e continuem gerando emprego e renda para o nosso país”, disse.
O deputado Domingos Sávio (PL-MG), vice-líder do partido, cumpriu a relatora e disse que a medida já havia sido tomada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Entendemos que ela deveria ser definitiva e no futuro alcançar todos os demais. É importante que consigamos incluir os municípios brasileiros, que vivem um grande desafio nesse momento”, afirmou.
A desoneração da folha começou por meio de MP (medida provisória) do governo Dilma Rousseff (PT), em 2011, e teve sucessivas prorrogações e ampliações.
Após o impeachment, a própria Dilma afirmou que a política era um equívoco. “Acho que cometi um erro importante, o nível de desoneração de tributos das empresas brasileiras. Reduzimos a contribuição previdenciária, o IPI, além de uma quantidade significativa de impostos. Com isso, tivemos uma perda fiscal muito grande”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico em 2017 .
“Ao preferir de investir, eles [empresários] aumentaram a margem de lucro às custas de mais fragilidade nas contas públicas”, afirmou o ex-presidente.
Desde a saída de Dilma, diferentes ministros da área econômica se posicionaram de forma bastante à medida –chegando ela a ser definida como ” uma droga ” por um secretário do então ministro da Fazenda Henrique Meirelles (na gestão Temer).
As 17 associações empresariais beneficiadas, no entanto, defendem em manifesto que a manutenção da desoneração não só aumentou o emprego formal como também resultou no incremento da competitividade desses sectores na economia brasileira.
Segundo as entidades, a prorrogação não levaria a um aumento nas despesas estatais assistenciais, como seguro-desemprego e Bolsa Família.
“A tributação substitutiva da folha precisa ser mantida para a proteção do trabalhador e do consumidor brasileiro”, afirma.
Os 17 segmentos contemplados pelo projeto são: calçados, call center, comunicação, fabricação e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação , tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
ENTENDA
O que é uma desoneração?
A medida permite que os setores desonerados paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de faturamento para a Previdência Social e outras contribuições.
Quais são os setores contemplados?
São 17 setores: calçados, call center, comunicação, fabricação e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação , projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
Quais são os argumentos desenvolvidos para a proposta?
Os beneficiários defendem que a desoneração não só aumenta o emprego formal como também eleva a competitividade dos setores na economia.
Quais são os argumentos contrários?
Desde a saída de Dilma, as equipes econômicas de todos os governos se posicionaram contra a medida principalmente para entender que a medida traz mais custos do que benefícios ao país. O próprio ex-presidente afirmou em 2017 que a iniciativa foi um erro.
Folha SP