Cid e Braga Netto mantêm versões contraditórias sobre entrega de dinheiro, diz ata da acareação

O tenente-coronel Mauro Cid e o ex-ministro Walter Souza Braga Netto mantiveram suas versões contraditórias sobre uma reunião realizada na casa do general e sobre a suposta entrega de dinheiro ao delator, segundo a ata da acareação realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (24).
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso que investiga a tentativa de golpe de Estado em 2022, conduziu o procedimento, realizado a portas fechadas. Também estiveram presentes o ministro Luiz Fux e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Durante a audiência, Moraes confrontou as versões apresentadas por Mauro Cid em sua delação premiada e no interrogatório no STF, em 9 de junho, com os relatos de Braga Netto durante seu interrogatório, em 10 de junho.
O primeiro ponto de divergência está relacionado à reunião ocorrida na casa de Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, em Brasília. Cid e o general apresentaram relatos contraditórios sobre o agendamento prévio do encontro, seu objetivo e o tempo de permanência de Cid na residência.
Além disso, segundo a ata da acareação, Cid foi questionado pela defesa de Braga Netto sobre o motivo de ter alterado sua primeira versão do encontro.
“O réu colaborador [Mauro Cid] explicou que, em um primeiro momento, lhe pareceu que a reunião era mais uma no sentido de mostrar a insatisfação contra o resultado das eleições, porém que não passaria de mais uma bravata. Posteriormente, quando tomou conhecimento da operação ‘Punhal Verde e Amarelo’, percebeu que poderia ter sido algo mais sério. Chamado a depor novamente, retificou seu depoimento anterior”, disse o documento.
Leia as versões contraditórias sobre a reunião:
Agendamento prévio
Mauro Cid disse que a reunião foi agendada com antecedência, embora não se lembrasse se foi por telefone ou outro meio. O tenente-coronel afirmou acreditar que informações sobre o agendamento possam estar nos celulares apreendidos.
Braga Netto, por outro lado, declarou que a visita foi improvisada e que Cid apareceu de forma espontânea. Segundo o ex-ministro, Cid teria ligado ou interfonado dizendo que estava com dois apoiadores que desejavam conhecê-lo.
Propósito da reunião
Cid afirmou que a reunião foi realizada porque os coronéis Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, réus em outro núcleo da trama golpista, estavam indignados com o resultado das eleições de 2022 e queriam propor ações para gerar caos social.
Segundo o tenente-coronel, Braga Netto compartilhava da mesma ideia e participou da discussão sobre medidas que poderiam levar o então presidente Jair Bolsonaro (PL) a decretar estado de defesa ou estado de sítio, com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Braga Netto, por sua vez, negou que tenha havido uma reunião formal e afirmou que o encontro foi “tão somente para que os dois militares o cumprimentassem e o conhecessem” como apoiadores. O ex-ministro disse ainda que a conversa foi breve e tratou de assuntos genéricos, sem qualquer discussão sobre planos ou ações radicais.
Saída de Cid
Cid afirmou que chegou com os coronéis Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, permaneceu por cerca de 20 a 30 minutos e saiu sozinho, antes dos outros dois, por ter um compromisso no Palácio da Alvorada.
Ele também declarou que Braga Netto pediu sua saída, afirmando: “o Cid não pode participar, tira o Cid porque ele está muito próximo ao Bolsonaro”, pois, a partir dali, seriam tomadas medidas operacionais e seria preparada uma reunião com Bolsonaro.
Braga Netto, no entanto, alegou que os três “chegaram e saíram juntos de seu apartamento”. O general rejeitou a ideia de que discussões operacionais tenham ocorrido após a saída de Cid e afirmou que este “faltou com a verdade” ao relatar o contrário.
Relação entre Braga Netto e o coronel Rafael de Oliveira
Cid afirmou que o coronel já conhecia Braga Netto, possivelmente por ter servido com ele durante a intervenção no Rio de Janeiro. Inicialmente, disse que a ligação entre ambos era “muito próxima”, depois retificou para “funcionalmente próxima”.
Braga Netto, por sua vez, afirmou que jamais teve relação pessoal com o coronel e que, mesmo que Oliveira tenha servido sob seu comando, a relação seria indireta, já que, como interventor, se comunicava apenas com comandantes de batalhão.
Leia as versões contraditórias sobre entrega de dinheiro
Cid e Braga Netto também mantiveram seus relatos conflitantes sobre o suposto repasse de dinheiro feito pelo ex-ministro.
Segundo Cid, o pedido surgiu dias após a reunião de 12 de novembro. Oliveira teria feito contato perguntando se havia “alguma novidade” e, em seguida, relatado a falta de recursos. Cid, então, procurou Braga Netto para informar sobre a demanda. O general teria sugerido que os militares preparassem um documento com suas necessidades e tentassem apoio financeiro junto ao Partido Liberal (PL).
Braga Netto confirmou que foi procurado por Cid, mas afirmou que somente encaminhou o pedido ao tesoureiro do PL, coronel Azevedo. Após a negativa do partido, disse que não teve mais qualquer envolvimento com o assunto.
Mas, segundo Cid, uma ou duas semanas após a recusa do PL, Braga Netto o procurou no Palácio do Alvorada e entregou uma sacola de presente de vinho contendo dinheiro. O tenente-coronel afirma que não contou o valor, não abriu a sacola, mas identificou o conteúdo pelo peso. Diz ainda que entregou a quantia diretamente a Oliveira.
Braga Netto negou ter feito qualquer repasse. Alegou que não tinha contato com empresários, não solicitou recursos a terceiros e nunca entregou dinheiro a Cid ou a qualquer outro militar. Reforçou que seu único papel foi encaminhar o pedido ao partido.
Omissão à PF
Cid foi questionado pela defesa de Braga Netto sobre por que não relatou à Polícia Federal (PF), no depoimento de 19 de novembro, a entrega de dinheiro. O episódio só foi revelado em audiência no STF em novembro de 2024. O militar alegou que, no dia do depoimento à PF, estava em “choque” devido à prisão de colegas durante a Operação Contragolpe, que investigava um plano para matar autoridades.
“O réu colaborador [Mauro Cid] afirmou que o estado de ‘choque’ a que se referiu no depoimento do dia 19/11 na Polícia Federal se deveu ao fato de que os colegas tinham sido presos por fatos gravíssimos. Afirmou ainda que, nos demais depoimentos dados na Polícia Federal, não se encontrava nesse mesmo estado, uma vez que faziam parte da rotina da colaboração premiada”, registrou a ata da acareação.
sbt