Com cursos e oficinas, presos de Alcaçuz ganham chance de recomeço fora do crime

No maior presídio do Rio Grande do Norte, a rotina de muitos detentos começou a mudar. Entre grades, ferramentas e máquinas de costura, homens que antes viviam à margem da lei agora aprendem novas profissões e sonham com uma vida diferente quando deixarem o cárcere.
A transformação na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no município de Nísia Floresta, vem de um conjunto de iniciativas de capacitação profissional e trabalho remunerado implantadas pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), em parceria com instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
As ações em Alcaçuz têm garantido aos internos cursos em áreas como eletricista predial, pedreiro, costura industrial, panificação e pintura, além da chance de trabalhar em oficinas internas.
Para o diretor da unidade, João Paulo Ribeiro, o impacto é direto na disciplina, na autoestima e nas perspectivas dos apenados. “Ele está aprendendo uma profissão, vai ter a possibilidade de montar o seu próprio negócio e poder se desvincular do crime, porque vai ter uma alternativa de trabalho”, afirmou, em entrevista ao programa Central Agora RN, da TV Agora RN, nesta quinta-feira 9.
Parcerias e cursos de qualificação
Entre as formações oferecidas, ele destacou: “Nós já tivemos recentemente dois cursos de pintor predial, tivemos três cursos de pedreiro de alvenaria, tivemos dois cursos de eletricista predial — inclusive um está acontecendo agora com 20 privados de liberdade que estão inseridos nesse curso — e tivemos também três cursos de costura industrial.”
Além deles, há capacitação na área de alimentação. “Está acontecendo agora um curso de panificação com 20 privados de liberdade”, relatou.
Os cursos contam como forma de redução da pena cumprida, conforme explicou João Paulo. “Quando é o trabalho, quando ele está trabalhando, é três dias de trabalho para um de pena. Para o estudo, que é o caso, se ele fizer um curso de 30 dias, ele vai ter 30 dias de remissão de pena.”
Os certificados são emitidos pelo Senai e encaminhados ao juiz de Execução Penal, que contabiliza os dias de redução no cumprimento da pena.
Seleção e comportamento dos internos
Para participar das turmas, os detentos precisam passar por um processo de classificação. O projeto piloto da comissão começou em Alcaçuz. “Eles passaram lá e fizeram a classificação de 910 privados de liberdade. E esse trabalho continua hoje na prática.”
O processo, segundo ele, envolve várias etapas. “O privado de liberdade passa por uma equipe multidisciplinar — psicólogos, enfermeiro, assistente social e educador. Eles fazem todo esse levantamento de informações e depois vem a parte processual e de comportamento. Então, se o privado de liberdade tem qualquer tipo de falta disciplinar, ele já vai receber uma nota que pode contribuir para ele não ter acesso. Tem que ter um comportamento exemplar para poder ter acesso a essas alternativas de trabalho.”
Essas medidas, acrescentou o diretor, impactam diretamente na rotina da unidade. “Muda tudo dentro da unidade prisional. A unidade prisional só consegue se manter com essas parcerias. Ninguém pensa que o sistema prisional hoje consegue se manter sozinho. É preciso que haja a colaboração das entidades públicas e dos agentes para que eles possam ter essa integração.”
Resultados e redução da reincidência
João Paulo afirmou que os efeitos positivos já podem ser percebidos. “Nós já conseguimos realizar, entre os que eu citei, 12 cursos de qualificação. Nesses cursos, cada um tem em média 20 privados de liberdade. Então, nós já passamos da barreira dos 240 privados de liberdade que foram qualificados.”
Os dados consolidados ainda serão divulgados pela Seap, mas os resultados parciais são animadores. “Nós temos notícias de privados e libertados que saíram e já estão aproveitando a qualificação que eles tiveram dentro da unidade prisional para poder desenvolver suas atividades lá fora e não reincidir no crime”, disse.
Segundo o diretor, as estatísticas reforçam a importância do programa. “Os privados e libertados que são inseridos em alternativas de trabalho, de qualificação e estudo, a reincidência deles é 70% menor do que daqueles que não participam.”
Integração com o Plano Pena Justa
O conjunto de ações, segundo João Paulo Ribeiro, também está alinhado com o Plano Pena Justa, elaborado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele lembrou que o plano foi resultado da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que reconheceu o “estado de coisa inconstitucional” do sistema prisional brasileiro.
Oficinas e trabalho remunerado
Além dos cursos de formação, Alcaçuz também mantém oficinas produtivas. “Atualmente, nós estamos com três oficinas que são remuneradas. Os privados de liberdade são contratados pelas empresas e desenvolvem o trabalho dentro da unidade prisional e, por isso, eles recebem um percentual desse valor”, relatou.
A remuneração é dividida em três partes. “Eles podem receber até um salário mínimo. E a partir daí esse salário mínimo é dividido em três partes: 25% vai para o Fundo Penitenciário Estadual, 25% vai para uma conta pecúlio, que o privado de liberdade só vai conseguir ter acesso após a sua liberdade, e 50% vai para a família”, explicou.
Dentro da unidade, são produzidos terços católicos, fardamentos e esquadrias de alumínio.
Trabalho externo e integração social
João Paulo também mencionou experiências de trabalho fora das unidades prisionais, realizadas em outras regiões do Estado. “Em Pau dos Ferros, existe uma cooperação, um termo de cooperação técnica com o município de Pau dos Ferros, em que os privados de liberdade saem para poder fazer recuperação de praças, fazer pinturas de escolas, de prédios públicos e também fazer limpezas de ruas. Assim como aconteceu aqui no Forte dos Reis Magos”, relatou.
Em Alcaçuz, o trabalho é apenas interno. “Nós não temos essa perspectiva ainda, porque a Seap tem adotado com os do semiaberto. Em Alcaçuz, no regime fechado, é apenas com as empresas, trabalho interno”, explicou.
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