Com R$ 200 mi em dívidas, Telebras acumula cobranças: ‘O que responder?’

No fim de fevereiro, funcionários da área comercial da Telebras receberam quatro emails em pouco mais de 24 horas. O assunto era o mesmo: cartas de cobrança da Eletronorte, que fornece energia elétrica e compartilha dutos, postes e fibra com a estatal.

O primeiro email, enviado em 20 de fevereiro, cobrava uma dívida de R$ 1,1 milhão. No mesmo dia, uma segunda mensagem solicitou outro pagamento. “Mais uma!”, registrou um servidor da Telebras, ao encaminhar o email a um colega.

A estatal recebeu a terceira mensagem no dia seguinte. “Mais uma carta de cobrança da Eletronorte. O que vamos responder?”, perguntou o mesmo funcionário. Menos de um minuto depois, o servidor registrou a quarta cobrança. “E mais uma…”.

As reivindicações da Eletronorte não pararam ali. Em abril, um servidor avisou ao setor comercial que havia chegado “mais uma cobrança”. “Recebemos 75 cartas iguais a essa.”

Por falta de pagamento, a Telebras foi incluída em órgão de proteção ao crédito.

Em nota, a estatal afirmou que “não enfrenta problemas financeiros, mas restrições orçamentárias”. “A empresa está em negociações com o governo federal para viabilizar a liberação orçamentária”, registrou.

Dívida em alta
Cartas de cobrança e emails obtidos pelo UOL indicam que a estatal também ficou inadimplente com outras empresas. Os documentos foram anexados, em outubro, em processo aberto pelo TCU (Tribunal de Contas da União) para investigar uma “pedalada fiscal” da estatal. O caso foi revelado pelo UOL.

Um fornecedor disse à estatal, em março, que a falta de pagamento poderia lhe causar “sérias dificuldades” para quitar salários de seus funcionários.

Em junho, a Telebras tinha R$ 28 milhões “pendentes” com outra fornecedora, que registrou que a inadimplência a afetava “seriamente”.

Outro prestador pediu, em agosto, o encerramento de um contrato com a Telebras: “Estamos enfrentando uma situação crítica de desequilíbrio financeiro neste contrato, acumulada nos últimos oito meses, decorrente do não recebimento dos valores previstos [R$ 2,5 milhões]”.

Balanço financeiro do terceiro trimestre, publicado em novembro, aponta que a dívida da estatal com fornecedores alcançou R$ 200,7 milhões — valor mais alto desde 2020. A dívida soma inadimplência a outros pagamentos dentro do prazo de vencimento.

A Telebras alegou que a dívida aumentou 63,6% entre dezembro do ano passado e setembro e, mais uma vez, atribuiu o problema a “restrições orçamentárias impostas pelo governo”.

Empresas ouvidas pelo UOL relataram que a falta de pagamento persiste. A estatal mantém contratos com prestadores, por exemplo, para levar internet a escolas públicas, postos de saúde e agências do INSS e do Ministério do Trabalho.

Limite orçamentário e força política
Como estatal dependente do governo, a Telebras é obrigada a manter as despesas dentro do limite orçamentário estipulado pelo Congresso. Embora o presidente Lula (PT) tenha retirado a estatal do rol de privatizações e o discurso seja de “recuperar” a Telebras, o governo tem direcionado orçamentos menores para a companhia.

A Telebras e o Ministério das Comunicações são áreas de influência do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que trocou toda a diretoria da estatal e emplacou o ministro Juscelino Filho (União-MA).

O orçamento público é definido de forma técnica e política — leva em consideração os programas das áreas e a prioridade que o governo e o Congresso querem dar a cada setor. Na prática, quem tem força política aumenta as chances de conseguir mais receitas.

A Telebras enviou sete solicitações aos ministérios das Comunicações e do Planejamento e ao Senado para aumentar o orçamento em 2023 — três pedidos foram negados e quatro não foram respondidos.

Neste ano, a companhia conseguiu R$ 80 milhões após a “pedalada” se tornar pública.

A Telebras admitiu ao TCU ter feito uma manobra contábil que aumentou artificialmente o orçamento de 2023, após o governo negar recursos à estatal. A empresa estimou um rombo de R$ 184 milhões para o ano que vem, usando o mesmo procedimento.

Caixa e inadimplência
A Telebras recebe recursos de clientes e do governo (para bancar despesas com pessoal, custear atividades e fazer investimentos).

A estatal não revela o percentual de inadimplência em relação à dívida com fornecedores, mas diz possuir um caixa superior a R$ 300 milhões em aplicações financeiras, suficiente para cobrir suas obrigações.

A Telebras tem cerca de R$ 1 bilhão de Afac (Adiantamento para Futuro Aumento de Capital). Esse tipo de verba não pode ser usado para custeio e precisa cumprir uma série de requisitos para ser gasto.

Tanto as verbas de Afac quanto do caixa precisam respeitar o limite orçamentário, que hoje é de R$ 364 milhões.

Cortes derrubam receita
Ao TCU, a estatal estimou perda de R$ 170 milhões em arrecadação neste ano após corte do Ministério das Comunicações.

Em dezembro passado, a Telebras e a pasta renovaram um contrato que leva internet por satélite a escolas, unidades de saúde, aldeias e assentamentos. O acordo previa investimento de R$ 3,1 bilhões em cinco anos.

Semanas após a assinatura, a Telebras foi “surpreendida com uma redução significativa” do número de conexões.

O processo de renovação do contrato foi conturbado. Empresas que participaram da licitação apontaram critérios que só poderiam ser atendidos pela Starlink, do empresário Elon Musk.

Em novembro, diretores da Telebras foram denunciados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e à CGU (Controladoria-Geral da União) por supostos “atos lesivos ao patrimônio da empresa”.

Os dirigentes teriam encaminhado às Comunicações uma proposta bilionária para renovar o contrato sem estudos técnico, econômico e financeiro e sem aprovação da diretoria e do conselho de administração.

À CVM, a Telebras alegou que se tratava de uma “mera pesquisa de preços”, sem obrigação de contratação, e rechaçou irregularidades. A comissão encerrou o procedimento sob a justificativa de que examina a regularidade das decisões após a apuração interna das companhias.

Ao TCU, a Telebras informou que os “impactos” totais na arrecadação da empresa superaram R$ 240 milhões neste ano e a deixaram “em um patamar de receita muito aquém da expectativa”. Para o UOL, a estatal declarou que “a receita da empresa tem apresentado crescimento contínuo a cada trimestre”, enquanto as despesas tiveram redução.

A companhia apontou ter firmado “contratos superiores a R$ 3 bilhões com o Ministério das Comunicações, o Ministério do Trabalho e Emprego, INSS, entre outros, além da ampliação do portfólio de serviços e produtos com novas tecnologias”.

O Ministério das Comunicações afirmou que desativou 10 mil pontos “por diversos motivos, incluindo a substituição por alternativas mais rápidas que a satelital, como a fibra óptica”. “Estão em andamento negociações para atender escolas públicas e postos de saúde, com previsão de atingir 20 mil pontos”, afirmou.

uol

Postado em 2 de dezembro de 2024