Como Joaquim Barbosa se prepara para estrear na política mirando a Presidência
Em janeiro de 2022, Sergio Moro se reuniu a sós com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. A conversa, cujos detalhes ficaram mantidos em segredo, foi sobre política. Os dois tinham alguns pontos em comum. O ex-juiz da Lava-Jato havia conquistado notoriedade nacional ao conduzir os processos que desnudaram o maior esquema de corrupção já descoberto no país — status que Barbosa também experimentou em 2012, quando relatou o escândalo do mensalão e condenou à prisão ex-deputados, dirigentes partidários, militantes petistas e aliados do presidente Lula durante o seu primeiro governo. Assim como Moro, o ex-ministro também deixou a magistratura e, diante da fama alcançada, era sondado a todo instante sobre a hipótese de disputar eleições. Barbosa chegou a se filiar a um partido, mas o projeto, por circunstâncias diversas, não avançou. No encontro realizado no apartamento do ex-ministro, no Rio de Janeiro, Moro convidou Barbosa para participar de um plano ambicioso: enfrentar nas urnas, ao mesmo tempo, Jair Bolsonaro e Lula. O ex-juiz seria o candidato a presidente da República e o ex-ministro, o seu vice — uma chapa imbatível, segundo Moro.
O que parecia uma sacada política brilhante, no entanto, recebeu de pronto uma ducha de água fria. O ex-ministro do STF não apenas rechaçou a hipótese de assumir uma candidatura a vice como ainda deu um conselho a Moro: recomendou que ele desse uma pausa na incursão política, saindo dos holofotes por um tempo e aproveitando a juventude para investir na carreira de advogado. Depois, longe das amarras e de qualquer vinculação com os tempos da Lava-Jato, retomaria a vida pública. Era tudo o que o ex-juiz não queria ouvir naquele momento. Para complicar, dois meses depois da reunião, a dirigente do Podemos, o partido de Moro na ocasião, procurou Barbosa e ofereceu a legenda para que ele disputasse as eleições — concorrendo a qualquer cargo, inclusive à Presidência da República. Ao relatar essa história a um amigo, o ex-ministro conta que recusou o convite de imediato e submergiu — mas não para sempre.
Recentemente, Joaquim Barbosa deu aval a um movimento pela retomada de seu projeto eleitoral, agora mirando a Presidência da República em 2026. Ele tem conversado abertamente com pessoas de sua confiança sobre seus planos. O primeiro passo é encontrar um partido e não repetir erros. Em 2018, quando se filiou ao PSB, o ex-ministro esbanjava impressionantes 10% de intenções de voto, mesmo sem sequer ter oficializado a candidatura. Impulsionado pelos efeitos da Lava-Jato e pelas memórias do mensalão, ele era a personificação do outsider que rivalizava com o sistema, na época um clamor popular que acabou dando a vitória ao ex-deputado Jair Bolsonaro, que assumiu o personagem. Dirigentes do PSB dizem ter a convicção de que o desfecho da eleição seria diferente com Barbosa no páreo. “Se tivesse o Joaquim, não teria tido o Bolsonaro”, afirma hoje Carlos Siqueira, presidente da sigla. Neófito, o ex-ministro foi alvo de fogo amigo e desistiu da disputa quando percebeu que a cúpula do partido já estava inclinada a apoiar Fernando Haddad. Em 2022, chegou a iniciar as articulações, mas levou uma nova rasteira. O PSB estava decidido a aderir ao PT.
O projeto político de Joaquim Barbosa tem data marcada para começar. O roteiro prevê que as conversas com as legendas sejam intensificadas desde já, para que ele esteja de casa nova até abril de 2025 e tenha tempo de estabelecer uma vida partidária, evitando novas querelas. Não será uma tarefa fácil. A maioria das legendas tem “donos” e o ex-ministro não pode se dar ao luxo de se filiar a qualquer agremiação. Vencida essa etapa, ele pretende colocar o pé na estrada para retomar a popularidade que já teve um dia e expor algumas posições políticas. Por enquanto, esse trabalho vem sendo feito nas redes sociais — e faz barulho. Na semana passada, pouco antes de o X ter as suas operações barradas no Brasil, o ex-ministro foi à plataforma para criticar a posição claudicante do presidente Lula em relação às eleições na Venezuela. “O governo brasileiro vai persistir na ambiguidade que permitiu à ditadura venezuelana ganhar tempo e consolidar o golpe?”, questionou. Em junho, enquanto deputados avançavam em um projeto que equipara o aborto ao crime de homicídio, criticou o Congresso e outra vez mirou em Lula, apontando o presidente como “omisso em muitas questões”, um “conservador à la carte”, “incapaz” e que coloca o Brasil “na vanguarda do obscurantismo” — manifestação diferente da de 2022, quando ele, ainda no primeiro turno, anunciou apoio ao petista. Em vídeo postado, explicou a decisão argumentando que o então presidente Bolsonaro não era um “homem sério”, além de ser visto nas grandes democracias “como um ser humano abjeto e desprezível, uma pessoa a ser evitada”.
Nesta nova empreitada, Barbosa quer se apresentar como uma alternativa a Lula e a Bolsonaro. Em conversas nas quais tratou sobre a sua candidatura, se definiu como um militante de centro-esquerda comprometido com a agenda progressista. Afirma que foi durante os onze anos em que esteve no Supremo que a Corte avançou em temas como união estável entre pessoas do mesmo sexo, aborto de anencéfalos e a validação de um sistema de cotas raciais — todos chancelados por ele. Pelo lado econômico, é favorável às privatizações, defensor do rigor fiscal e da independência do Banco Central. Na diplomacia, afirma que se uniria aos países que não reconheceram as eleições de Nicolás Maduro e, a um aliado, chegou a dizer que Lula, ao impedir que haja uma voz uníssona da comunidade internacional, será “cúmplice” se algo de pior acontecer aos opositores do ditador venezuelano. No terreno político, uma de suas principais bandeiras será o fim da reeleição, definida por ele como uma maneira nociva de perpetuar castas políticas.
Em tese, as propostas, o discurso e o próprio perfil do ex-ministro agradariam àquele eleitorado que costuma apostar em mudanças mais radicais. Observadores políticos, no entanto, destacam que, apesar da polarização, as circunstâncias atuais não favorecem candidaturas construídas fora do sistema político. “Em geral, pessoas antissistema costumam aparecer em momentos que a ciência política chama de eleições críticas, como foi a de 2018. Tinha uma crise econômica, tinha um movimento de repulsa às instituições e a deslegitimação de todo o sistema político, com o impeachment de uma presidente e uma reprovação recorde do presidente que a substituiu. Era a política num país de ponta-cabeça, praticamente um convite ao outsider”, afirma o cientista político Antonio Lavareda, especialista em marketing eleitoral. “Em 2026, dificilmente vamos ter um quadro tão crítico. Imagino que será uma eleição com as pedras que já estão no tabuleiro”, acrescenta.
Nomeado por Lula em 2003, Joaquim Barbosa foi o primeiro homem negro — e o único até aqui — a ocupar a presidência da mais alta Corte do país. Na função, não bateu continência ao presidente e se tornou o primeiro grande algoz dos governos petistas, ao expor ao país as entranhas de um esquema de corrupção que levou à condenação e prisão de figuras como o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado Valdemar Costa Neto, atual presidente do PL, partido de Jair Bolsonaro. O magistrado se aposentou em 2014 e chegou a ser eleito pela revista Time como um dos 100 mais influentes do mundo, após driblar uma infância humilde. Recentemente, ele se reuniu com um coletivo de mulheres negras. Após o encontro, afirmou que o Brasil “tem sede de representação racial”. Depois, contestou decisões recentes do Supremo, como o fim da condenação em segunda instância, lamentou o fato de a impunidade voltar a ser a tônica do país e criticou a retomada do aparelhamento do Estado. O ex-ministro emergiu.
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