Crimes virtuais seguem em alta mesmo com nova lei em vigor no Brasil

Um ano após a criminalização do bullying e cyberbullying , o Brasil segue registrando aumento de crimes virtuais. De acordo com um levantamento realizado pelo CNB (Colégio Notarial do Brasil), em 2024 foram solicitados 145,3 mil atas notoriais para comprovar cyberbullying.

O número representa um aumento de 14% em comparação com 2023. Em 2015, dados iniciais da série histórica, foram solicitadas 48 mil atas —naquele ano foi instituída uma lei que previa o programa de combate ao bullying, mas que não estabelecia. Os crimes passam a constar no Código Penal, com pena de multa. Versão digital do bullying tradicional, o cyberbullying tem punições mais severas, com pena de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.

Ao longo dos anos os registros só cresceram. Em 2020 o número saltou para 90.619, e em 2022 chegou a 113.911.

Segundo a presidente da CNB, Giselle Oliveira de Barros, o cyberbullying tem o potencial de deixar marcas profundas nas vítimas, mas os acessórios começam com uma prova contundente. “Ata notarial, feito em cartórios, é o caminho mais seguro para registrar conteúdos digitais antes que sejam perdidos.”

A lei que criminaliza o bullying e o cyberbullying, sancionada no ano passado, já começa a ser usada em processos. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 283 processos que fazem referência a esses crimes ingressaram na Justiça em 2024.

Segundo o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), 27 ações que tratam de bullying e cyberbullying foram movidas no território paulista. O número pode parecer baixo, mas os magistrados relatam a percepção do aumento de casos de bullying.

Especialistas afirmam que, apesar dos avanços na legislação, a prevenção precisa ser aprimorada. Eles também avaliaram que escolas e pais ainda têm dificuldade de entender e combater o problema junto aos jovens.

A advogada Ana Paula Siqueira, especializada em direito digital e que já implementou programas antibullying nas escolas, diz que as instituições de ensino ainda têm dificuldade de compreender o problema. Ela também observou que a maioria dos colégios, apesar das obrigações da lei, ainda não desenvolveu um protocolo para combater o bullying na sala de aula.

“A maior parte das escolas está esperando o próximo óbito. Infelizmente, essa atitude é fruto de uma cultura, de ‘quando o problema vier, a gente vê'”, diz ela.

“Muitas vezes ignoram o cyberbullying e alegam que [o crime] ocorre fora do ambiente escolar. Mas o vínculo comum entre as crianças é a escola e o bullying afeta esse ambiente”, afirma Siqueira. “Se eles estão se xingando à noite, acham que vão se abraçar de manhã? Para essa geração não existe diferença entre mundo presencial e virtual.”

A advogada diz ainda que a concessão do celular dentro das escolas, renovada no início do ano, não trouxe efeitos contra o bullying e o cyberbullying. Segundo ela, isso deve ao fato de que a maioria das agressões acontece fora do horário escolar, principalmente durante a noite. Em grupos de adolescentes no WhatsApp, ela diz, alguns são alvos de discriminação racial e misoginia.

Para ela, os ataques registrados nas escolas são sintomas do problema. “Embaixo, temos um iceberg gigante de violência, agressão, discriminação e cultura de ódio.”

Apesar dos problemas ainda existentes, ela concorda com a afirmação de que a legislação melhorou a discussão dos crimes que envolvem principalmente crianças e adolescentes.

“Bullying não é mimimi”, diz ela, citando alguns avanços no legislativo. “O Tribunal de Justiça já entendeu que os adesivos podem ser usados ​​para cyberbullying sem sentido pejorativo.”

Uma pesquisa divulgada em setembro do ano passado revelou que 13,2% dos jovens afirmaram já ter sofrido cyberbullying. O estudo, realizado por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), reuniu 159.245 estudantes de 13 a 17 anos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e privadas.

A prevalência entre jovens que afirmam terem sofrido bullying são nos adolescentes mais jovens, de 13 a 15 anos, meninas, jovens de escolas públicas e filhos de mãe sem escolaridade. Outro destaque da pesquisa é que as vítimas, em geral, relatam sofrer agressão dos pais e não têm supervisão para o que fazem no tempo livre.

O advogado Felipe Martarelli, autor do livro “Bullying – A Responsabilidade do Estabelecimento de Ensino”, afirma que, no Brasil, o bullying é pautado na tortura habitual, no intuito de humilhar e prejudicar as vítimas. Apesar de não ser uma violência física, é uma violência presente.

Ele observa que as vítimas desses crimes se assemelham à violência doméstica, em que a vítima tem medo de denunciar e sofrer retaliação, prolongando o sofrimento. Apesar de ser favorável às leis que visam a proteção dos agressores, ele afirma que o mais importante da nova legislação é o efeito educativo.

“O problema nunca foi e nunca será a aplicação da pena. Ela tem, claro, o objetivo de ajudar a reprimir, mas a função primordial é a educação. Geralmente, quem pratica o bullying traz uma violência vívida de casa e isso demonstra um problema estrutural”, afirma o advogado.

Como solicitar uma nota notarial?
Disponibilizado em cartórios, o documento também pode ser obtido de forma digital por meio da plataforma e-Notariado ( www.e-notariado.org.br) .

A CNB explica que, no caso de ataques em redes sociais, por aplicativos de mensagens ou publicação de notícias falsas, uma pessoa pode solicitar que o tabelião registre ou veja em uma página específica.

O documento emitido pelo cartório apresenta informações básicas de criação do arquivo, como dados, hora e local, o nome e a qualificação do solicitante, a narrativa dos fatos —pode incluir declarações de testemunhas, fotos, vídeos e transcrições de áudios—, além da assinatura do tabelião junto ao visto do cartório.

Folha de São Paulo

Postado em 7 de abril de 2025