Debate sobre casamento LGBT expõe preconceito de Congresso conservador
A tentativa de votação tumultuada de um projeto de lei (PL) contrário ao casamento homoafetivo na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados expõe a ofensiva da oposição conservadora no Congresso Nacional em emplacar pautas de costume e acender a militância.
O PL nº 580/2007, de autoria do ex-deputado Clodovil Hernandes, estava engavetado havia 16 anos na Câmara e previa, originalmente, que “duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais”.
Oito projetos foram vinculados (apensados) ao original, e é por meio de um deles que parlamentares conservadores tentam barrar o casamento homoafetivo. O parecer do relator, Pastor Eurico (PL-PE), é contrário aos sete apensados favoráveis, e recomenda a aprovação apenas do PL nº 5.167/2009, assinado pelo ex-deputado Capitão Assumção (PSB-ES). Este afirma que a união homoafetiva não deve ser equiparada ao casamento civil.
A sessão foi marcada pela presença de representantes da sociedade civil, mas a apreciação do projeto foi adiada a partir da aprovação de um acordo que marcou, para a próxima terça-feira (26/9), uma audiência pública sobre o tema. A votação do parecer do relator, por sua vez, acabou transferida para quarta-feira (27/9).
Ao Metrópoles o deputado Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ) afirmou que a audiência pública da próxima semana será essencial para marcar posição e demonstrar que diversas entidades se opõem ao texto.
“O que aconteceu hoje, a mobilização, é uma derrota para eles (conservadores). Não estamos surfando em uma pauta, eles estão enfrentando resistência. Por mais que o cenário seja ruim, uma coisa é você perder de lavada, outra coisa é perder com alto posicionamento da sociedade civil contra. A gente não pode desvalorizar a audiência de terça”, ressaltou.
Na base do governo, a avaliação é que, mesmo se o projeto for aprovado nesta comissão, não chegará a se tornar lei. “Temos ainda a Comissão de Direitos Humanos [CDH] e a Comissão de Constituição e Justiça [CCJ], ou o recurso de efeito suspensivo, e até mesmo a sanção presidencial”, explica ao Metrópoles a deputada Erika Kokay (PT-DF). A parlamentar destaca, ainda, que pautar este projeto é uma tentativa fundamentalista de se opor aos avanços da sociedade nos últimos anos.
Discursos LGBTfóbicos
Nas últimas duas sessões da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, o clima foi de embate entre os parlamentares, com intensa presença da sociedade civil. Deputados de oposição aproveitam o tempo de fala para discursos inflamados e discriminatórios contra a comunidade LGBT, sob forte reação dos presentes.
O deputado federal Pastor Isidório (Avante-BA) afirmou, por exemplo, que a relação homoafetiva “vem de Grécia, vem de Roma, não é coisa daqui do Brasil”.
Além disso, o deputado Pastor Isidório proferiu fala transfóbica ao dizer que “homem, mesmo cortando a binga, não vai ser mulher; e mulher, cortando a cocota se for possível, não será homem”. Ele também chamou a deputada trans Erika Hilton (PSol-SP) de “amigo”.
Bancada conservadora
O cenário de LGBTfobia na comissão que analisa o PL reflete a composição do Congresso nesta legislatura. Na Câmara, o Partido Liberal, de Jair Bolsonaro (PL), tem a maior bancada, com 99 deputados.
A Federação Brasil da Esperança, integrada por siglas mais progressistas, como PT, PV e PCdoB, tem a segunda maior bancada, com 81 parlamentares. Outras legendas mais conservadoras, no entanto, também têm um número expressivo na Câmara. É o caso do Republicanos, com 40 deputados.
Ao Metrópoles o presidente da Associação Nacional LGBTI+, Toni Reis, destacou que deputados, senadores e entidades que defendem o direito da comunidade devem tentar manter diálogo com todos os partidos. Ele participou do lançamento da Frente Parlamentar Mista por Cidadania e Direitos LGBTI+ do Congresso, na noite de terça (19/9).
“É uma frente pluripartidária. Vai demonstrar muita força. Isso é importante para nós, precisamos conversar com os partidos políticos, dialogar com todos os setores, com pessoas evangélicas da direita, esquerda do centro. Com o pessoal da extrema direita, vamos ter uma estratégia para isolá-los. Eles conseguiram elaborar essa estratégia de colocar em uma comissão específica na qual eles têm maioria. Mas isso não vai se refletir em outras comissões”, opinou.
Metrópoles