Defesa de Bolsonaro espera confissão de Cid e busca desvincular ex-presidente de fraude
A defesa de Jair Bolsonaro (PL) no caso da fraude no cartão de vacina conta com a admissão de culpa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço-direito do ex-presidente.
Aliados do ex-mandatário avaliam que Cid não terá alternativa a não ser reconhecer ter adulterado certificados de imunização. Ao mesmo tempo, advogados de Bolsonaro buscam desvinculá-lo do episódio.
A avaliação de interlocutores do próprio ex-presidente ouvidos pela Folha é que a investigação da Polícia Federal trouxe elementos robustos e difíceis de serem refutados por Cid. Eles citam, por exemplo, as trocas de mensagens e os acessos do próprio celular do militar à conta do então mandatário no aplicativo do ConecteSUS.
Cid permaneceu em silêncio no seu primeiro depoimento aos policiais. Ele foi detido na manhã de quarta-feira (3), em sua residência no Setor Militar Urbano em Brasília. Por ser militar, ele ficará preso no batalhão do Exército.
Além dele, outros dois auxiliares de Bolsonaro foram detidos: Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro. Ambos continuam empregados na assessoria direta de Bolsonaro, como prerrogativa de ex-mandatário.
Em representação ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a PF aponta Mauro Cid como principal articulador do esquema para fraudar cartões de vacinação da Covid-19, mas considera que Bolsonaro tinha ciência.
O advogado Rodrigo Roca, que faz a defesa de Cid, afirmou que estuda entrar, ainda nesta semana, com pedido de revogação da prisão. A defesa pretende argumentar que não há risco de reiteração dos crimes supostamente cometidos, já que ele não ocupa mais o cargo de ajudante de ordens da Presidência.
Também deve alegar conduta ilibada de Cid e carreira irretocável. Segundo Roca, não haverá confissão de crimes porque ele não cometeu as acusações feitas pela PF.
“A trama aventada pela Polícia Federal não se sustenta diante dos fatos e há de ruir com o desenvolvimento das investigações”, disse.
Aliados de Bolsonaro dizem que Cid tem uma relação de proximidade e lealdade com Bolsonaro. Por isso, dizem descartar qualquer possibilidade de delação por parte do militar.
O entorno de Bolsonaro deve tentar desvincular o ex-presidente de qualquer relação com o caso, apesar de ele ter sido alvo de uma operação de busca e apreensão em sua casa.
O primeiro argumento usado por seus defensores é que o então presidente não esteve no Palácio do Planalto nos dias em que o seu cartão de vacina foi acessado no sistema do SUS por meio de um endereço IP da Presidência da República.
As doses da Pfizer registradas como aplicadas em Duque de Caxias (RJ) entraram no sistema do Ministério da Saúde em 21 de dezembro de 2022. No dia seguinte, ocorreu a primeira emissão do cartão digital do então chefe do Executivo.
Nos dois dias, Bolsonaro esteve no Palácio da Alvorada, de acordo com a sua agenda oficial. Em 22 de dezembro, ele teve uma reunião com o então subchefe para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência, Renato de França Lima.
Já a segunda emissão do seu cartão de vacina ocorreu na tarde de 27 de dezembro, no mesmo IP do Planalto. Bolsonaro, naquela data, não teve agenda, e pessoas próximas dizem que ele permaneceu no Alvorada.
Na noite daquele mesmo dia, foram excluídas do sistema as duas doses no usuário de Bolsonaro.
Aliados do ex-presidente dizem que ele não teve conhecimento da fraude, do acesso e da impressão do cartão de vacina, apesar dos indícios apontados pela PF. O próprio Bolsonaro afirmou, no dia da operação, que não se vacinou.
“Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer”, disse o ex-chefe do Executivo.
As vacinas contra a Covid, como a da Pfizer, são seguras e tiveram sua eficácia comprovada em estudos científicos. Foram aplicadas mais de 6 bilhões de doses em todo o mundo.
Bolsonaro foi crítico da vacinação contra o coronavírus, espalhou mentiras sobre o tema e sempre disse não ter se imunizado. Na esteira da operação de quarta, ele afirmou ter reiterado aos próprios policiais que nunca se vacinou.
O argumento político de que o próprio Bolsonaro seria eleitoralmente prejudicado caso tivesse se imunizado, devido a sua postura antivacina, também faz parte da defesa do ex-presidente. Não faria sentido, segundo seus aliados, ele fraudar o cartão.
Defensores de Bolsonaro também dizem que sua posição contra vacina é amplamente conhecida e que qualquer tentativa de entrar num país estrangeiro com um certificado de imunização geraria no mínimo estranhamento entre as autoridades alfandegárias.
Outro ponto que seus aliados levantam é que ele não precisou apresentar comprovante de vacinação quando entrou nos Estados Unidos, por causa do cargo que ocupava.
Esse conjunto de argumentos leva aliados de Bolsonaro a considerar ser possível derrubar a tese de que ele teria fraudado os certificados e que tivesse feito uso dos documentos. Uma das hipóteses levantadas pela defesa é que as adulterações tenham ocorrido como uma forma de agradar Bolsonaro, sem o seu conhecimento.
A defesa de Bolsonaro ainda não trabalha com uma data para o depoimento do ex-presidente.
O ex-mandatário havia sido intimado para depor na própria quarta, quando ocorreu a operação de busca e apreensão em sua residência. No entanto, foi solicitado oficialmente o adiamento, considerando a falta de acesso a documentos do inquérito.
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