Denúncias de pornografia infantil disparam no RN; psicóloga faz alerta

O número de denúncias de pornografia infantil recebidas pela SaferNet Brasil cresceu 114% após o influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, publicar o vídeo “Adultização”, em 6 de agosto. Até as 18h de sexta-feira 15, o conteúdo – que mostra como criadores de conteúdo lucram com vídeos sexualizados de crianças e adolescentes nas redes sociais – já havia alcançado mais de 41,2 milhões de visualizações. Entre 6 e 12 de agosto, a SaferNet registrou 1.651 denúncias únicas, ante 770 no mesmo período do ano anterior.
Segundo o presidente da SaferNet, Thiago Tavares, “há anos, o tema do abuso sexual infantil online não gerava um debate tão grande na sociedade brasileira, e a repercussão do vídeo, obviamente, estimulou as pessoas a denunciar”. O conteúdo de Felca denuncia a distribuição de vídeos de abuso pelo Telegram, além do uso de siglas como “cp” (child porn) e emojis para ocultar o material.
No Rio Grande do Norte, os números também preocupam. Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), mostram que, de janeiro até 11 de agosto, foram registradas 91 violações contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes. Em todo o ano de 2024, foram 66 casos. A Ouvidoria mantém canais 24h para registro de denúncias, identificadas ou anônimas, pelo Disque 100 ou pelo site oficial.
A psicóloga Geruza dos Anjos alertou que os efeitos psicológicos da sexualização e do abuso sexual são profundos. “A curto prazo, as crianças e adolescentes podem apresentar medo e elevação da ansiedade; vergonha e culpa, achando-se responsáveis pelo abuso; dificuldade de compreender a gravidade do que ocorre; afastamento de amigos, familiares e atividades diárias; alterações de humor, irritabilidade e choro frequente; queda no rendimento escolar e sintomas físicos como insônia, dores de cabeça ou de estômago”.
A longo prazo, os efeitos podem evoluir para transtornos de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, baixa autoestima e comportamentos autodestrutivos. “É como se a pessoa revivesse o trauma através de pesadelos e hipervigilância. Aparecem tristeza persistente, desvalorização, baixa autoestima e autoimagem distorcida, comportamentos destrutivos e dificuldades na autoconfiança”, explicou.
Geruza frisou a importância de observar sinais comportamentais. “Observar o uso por muito tempo do celular ou do computador de forma secreta, ou seja, que não quer que os adultos ou responsáveis vejam, apagando o histórico de navegação e tentando se manter mais tempo isolado. As oscilações de humor e o desempenho escolar também devem chamar atenção, assim como a dificuldade de concentração”.
Diálogo protege crianças
Segundo a psicóloga, prevenir e minimizar os efeitos do abuso exige um ambiente de diálogo seguro, baseado na confiança e sem julgamento, para que a criança ou adolescente se sinta à vontade para falar.
“Também é importante fornecer educação de segurança digital desde cedo, explicando como preservar a privacidade, os riscos e reduzir o uso da internet de forma equilibrada, ajustada à idade, com supervisão que não seja invasiva. Se necessário, é recomendável recorrer à ajuda profissional”, alertou.
Geruza dos Anjos reforçou que a atenção e o apoio dos responsáveis são essenciais. “A criança ou adolescente pode sentir muito medo e vergonha. E, a longo prazo, podem surgir efeitos emocionais e psicológicos graves que precisam de tratamento. O apoio próximo oferece segurança e ajuda a buscar ajuda especializada”.
Adultização em foco
No vídeo de 50 minutos, Felca explica como influenciadores usam perfis de menores para atrair visualizações e engajamento em contextos inadequados para a idade, prática conhecida como “adultização”. Ele cita casos como o do influenciador Hytalo Santos, investigado pelo Ministério Público da Paraíba desde 2024 por exposição de adolescentes. Após a repercussão do vídeo, Hytalo teve sua conta no Instagram desativada e foi preso preventivamente em Carapicuíba (SP) nesta sexta-feira 15.
Felca também apresenta o conceito de “Algoritmo P”, mostrando como os algoritmos das redes sociais recomendam conteúdos sexualizados de crianças, criando um ciclo perigoso de exposição. “Ao interagir com vídeos de crianças em situações sugestivas, o algoritmo passa a recomendar mais desse tipo de conteúdo, facilitando o acesso de predadores”.
Reação política e medidas legislativas
No RN, a discussão sobre a sexualização de crianças e adolescentes nas redes sociais reuniu posições de diferentes partidos. A deputada federal Carla Dickson (União) propôs uma CPI para investigar o tema. “Não podemos aceitar que crianças e adolescentes sejam tratados como mercadoria para monetização e exploração sexual nas redes sociais e plataformas digitais”, afirmou.
Já o deputado Fernando Mineiro (PT) defendeu a criação de uma lei para regulamentar o uso das redes sociais. “Estamos prontos para avançar na regulamentação e responsabilização das big techs por conteúdos criminosos que não só são publicados, mas também têm gerado lucro para quem publica. Em defesa das nossas crianças e adolescentes”.
O deputado Robinson Faria (PP) protocolou um projeto para alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta estabelece que crimes de exploração e divulgação de imagens sexuais envolvendo menores terão agravante quando houver objetivo de lucro, monetização ou qualquer vantagem econômica, incluindo plataformas digitais. Em casos de ampla divulgação com esse intuito, a pena pode ser aumentada de um terço a dois terços.
No âmbito federal, o Governo Federal enviou ao Congresso um projeto de lei que define regras para plataformas digitais, prevendo sanções para conteúdos ilícitos, desde casos de pedofilia até crimes contra o Estado democrático de direito. O texto prevê a criação de um órgão federal capaz de suspender provisoriamente plataformas por até dois meses, sem necessidade de decisão judicial, justificando a medida como proteção à soberania nacional e combate à “adultização” de crianças.
A repercussão do vídeo “Adultização” também levou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a anunciar prioridade para projetos que combatam a sexualização de menores nas redes sociais. Até o momento, 32 projetos foram apresentados, com o objetivo de prevenir e combater a exploração sexual de crianças e adolescentes, responsabilizando plataformas digitais e influenciadores.
AGORA RN