Depoimento de adolescente adotada emociona audiência pública sobre adoção na ALRN

“Quando você pensar em adotar, pense no que você pode ser por aquela criança. Elas não são parentes da Barbie, não vêm da Disney, são crianças feridas, machucadas, mas que precisam de alguém que as protejam do que mais têm medo.” O relato emocionado da jovem Luana Paiva, 18, deu o tom da audiência pública realizada nesta sexta-feira (23), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com o tema “Adoção do filho real: expectativas das crianças e adolescentes quanto aos pais por adoção”.
A audiência foi proposta pelo deputado estadual Hermano Morais (PV), presidente da Frente Parlamentar da Criança e do Adolescente, e fez parte da programação da 11ª Semana da Adoção. O evento reuniu autoridades do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB e instituições que atuam no acolhimento e apoio às famílias, crianças e adolescentes. A abertura contou com uma apresentação musical do projeto social “Viola Voz”, que atende mais de 250 crianças, sob a coordenação do professor Daniel Freire.
O depoimento de Luana, que passou parte da infância em uma instituição de acolhimento antes de ser adotada, comoveu os presentes ao relatar a dor da rejeição e os desafios enfrentados por quem espera por uma nova família. “As crianças que estão lá só precisam de afeto. Não de um carro de luxo ou da melhor comida. Só precisam de alguém que as defenda de pessoas e situações ruins”, afirmou.
Hermano Morais destacou a importância do debate para desmistificar o processo de adoção e ampliar o olhar sobre os reais desafios enfrentados pelas crianças e adolescentes acolhidos. “Temos cerca de 500 crianças esperando por uma adoção no RN e apenas 50 adoções realizadas por ano. É preciso ouvir quem vive essa realidade e trabalhar por uma política pública mais sensível e efetiva”, declarou.
A psicóloga Ana Andréa Maux fez uma provocação necessária ao afirmar que, muitas vezes, as expectativas da adoção são centradas apenas nos adultos. “Se fossem as crianças a escolherem os pais, será que essas mais famílias do cadastro seriam as escolhidas?”, questionou.
O juiz José Dantas, coordenador da CEIJ-TJRN, reforçou que a adoção precisa deixar de ser idealizada para se tornar possível. “Devemos preparar melhor tanto os pretendentes quanto as crianças. Toda criança tem uma história e os pais adotivos precisam aprender a conviver com ela”, defendeu.
O promotor e coordenador do Ministério Público do RN, Sasha Alves do Amaral, afirmou que é preciso atualizar a legislação para incluir realidades ainda negligenciadas. “A mulher que adota ou o pai adotivo não têm o mesmo respaldo legal que a mulher gestante. Isso precisa mudar”, disse. Ele também elogiou os grupos de apoio à adoção. “Eles nos trazem – como profissionais atuantes na área – a vivência que nenhum curso consegue oferecer. São um sopro de esperança.”
A defensora pública Rayssa Cunha Lima Câmara destacou o maior desafio do sistema de adoção: “Temos mais pessoas querendo adotar do que crianças disponíveis. O problema é o desencontro entre expectativas e realidades”, pontuou.
Representando a OAB/RN, Sâmia Martins trouxe reflexões sobre adoção afetiva e multiparentalidade. Já o vereador Pedro Henrique, presidente da Frente Parlamentar da Criança e do Adolescente em Natal, defendeu mudanças legislativas que contribuam para tornar o processo de adoção mais eficiente e humanizado. “É preciso que essas audiências resultem em ações concretas”, disse.
Mariana Vilanova, presidente da Acalanto Natal, organização que há quase 30 anos prepara famílias para a adoção, concluiu com uma importante reflexão: “Quem são os filhos reais? São os que estão em situação de acolhimento. E é com eles que devemos aprender sobre empatia e responsabilidade”, afirmou.
No Brasil, o dia 25 de maio é comemorado o Dia Nacional da Adoção
A Semana Estadual da Adoção é um período de celebração e conscientização, e a audiência pública na ALRN se insere nesse contexto como um espaço para desmistificar a adoção de crianças maiores e adolescentes. O objetivo é evidenciar que não existe uma idade ‘ideal’ para a formação de vínculos familiares e que o amor pode florescer independentemente de características como idade, aparência física ou personalidade pré-concebida.
Observa-se nos últimos anos um aumento na flexibilidade em relação ao perfil da adoção, que antes era majoritariamente focado em bebês. Ferramentas como a Busca Ativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que divulga crianças e adolescentes disponíveis para adoção em todo o país, têm sido cruciais para que pais e filhos se encontrem.
Dados do CNJ revelam que, no estado, há 226 crianças e adolescentes acolhidos, sendo 47 aptos à adoção (29 adolescentes e 18 crianças). Dentre estes, 12 preenchem o perfil para a Busca Ativa. As estatísticas também mostram que 76,6% são pardos, 6,4% pretos e 17% brancos; 53,2% são do gênero feminino; 12,8% possuem alguma deficiência e 17% outros problemas de saúde. Enquanto isso, o RN possui 500 pretendentes ativos buscando por filhos, que precisam conhecer o perfil real dos acolhidos.
A Frente Parlamentar Estadual em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembleia Legislativa do RN é composta pelos deputados Hermano Morais (presidente), Adjuto Dias (MDB), Cristiane Dantas (SDD), Divaneide Basílio (PT) e Terezinha Maia (PL).