Deputado bispo da Universal direcionou verbas da Codevasf para asfaltar fazenda ligada à Igreja
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) usou dinheiro público para pavimentar um conjunto de ruas dentro de uma fazenda privada ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, na cidade de Irecê, no interior da Bahia. A obra, concluída em abril do ano passado, custou R$ 2,3 milhões e abrange uma área de 25 mil metros quadrados, o equivalente a três campos de futebol. Os recursos foram enviados a pedido do deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), que é bispo da igreja, por meio de uma emenda da bancada da Bahia destinada à estatal.
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Ao GLOBO, Marinho afirmou ter apresentado o pedido para realizar a obra diretamente à presidência da Codevasf, o que foi atendido. “Como de praxe, quando se trata do encaminhamento de recursos para realização de obras, foi enviado ofício à Codevasf diretamente”, disse o deputado, em nota. A emenda parlamentar é um instrumento por meio do qual deputados e senadores podem destinar verbas do Orçamento da União aos seus redutos eleitorais.
‘Não se repetirá’
Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) concluída no fim de março apontou irregularidades no uso de recursos do Orçamento para asfaltar a propriedade privada. Em resposta aos auditores, a Codevasf justificou o investimento ao afirmar que a instituição beneficiada pela obra presta serviços de caráter social e sem fins lucrativos, o que, na visão da estatal, “assemelha-se a caráter público”. Informou, contudo, que “tal tipo de situação não se repetirá” e alterou procedimentos internos para evitar que novos gastos sejam autorizados em áreas que não sejam públicas. A CGU informou que ainda analisa as respostas dadas pela estatal para o asfaltamento de ruas em propriedade privada para decidir quais medidas irá tomar.
O local tque teve as ruas asfaltadas com recursos da União é a Fazenda Canaã, que está em nome da Associação Beneficente Projeto Nordeste, instituição que tem bispos da Universal como presidente e como vice-presidente. Além de vias pavimentadas, a área tem piscina, campo de futebol, playground e quadra esportiva. O local abriga um projeto que oferece atividades educacionais e esportivas a crianças da região e é mantido pelo Instituto Ressoar, braço social da Record TV, emissora do bispo Edir Macedo, fundador da igreja.
Questionada, a Universal informou apoiar o projeto, mas não ser a responsável pela fazenda. O Instituto Ressoar e a Associação Beneficiente Projeto Nordeste, por sua vez, não responderam aos questionamentos feitos pela reportagem.
A história da Fazenda Canaã e as atividades desenvolvidas nela, contudo, estão diretamente ligadas aos líderes da Universal. A propriedade de 500 hectares foi adquirida ainda na década de 1990 pelo sobrinho de Edir, o ex-prefeito do Rio e atualmente deputado Marcello Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da igreja. A ideia dos religiosos era usar a área para ajudar a amenizar o problema da fome na região.
Em entrevistas dadas na época, Crivella afirmou ter se inspirado na experiência de kibutzes israelense para desenvolver um projeto de produção de alimentos na Fazenda Canaã. Em declaração publicada no site da própria Universal sobre a iniciativa, ele conta ter trazido ao Brasil especialistas do país do Oriente Médio para ensinar técnicas de plantio, além de ter importado os equipamentos de irrigação usados nas plantações. Crivella costuma explorar imagens do projeto em suas campanhas eleitorais.
Procurado, o deputado não respondeu sobre o uso de recursos públicos para asfaltar a propriedade. Em nota, afirmou apenas já ter doado “cerca de R$ 52 milhões para o Projeto Canaã” por meio de recursos próprios.
Segundo dados da Receita Federal, a associação que hoje consta como proprietária da Fazenda Canaã é presidida pelo bispo Sérgio Corrêa. Ele consta ainda como administrador de duas redes de rádio que transmitem cultos da Universal. Procurado desde a semana passada por e-mail e telefone, Corrêa não retornou.
A Universal também está vinculada ao Republicanos, partido de Marinho e de Crivella. A legenda foi criada em 2005 para funcionar como um braço político da igreja e deu sustentação ao governo de Jair Bolsonaro ao lado do PP e do PL.
O GLOBO