Deputado gasta R$ 200 mil de dinheiro público para abastecer em posto de sócio

O deputado federal Chico Brazão (União-RJ) utiliza um posto de gasolina que fica a 8 quilômetros do seu escritório político no Rio de Janeiro. No caminho até lá, o parlamentar passa por outros sete postos, um deles a um minuto de distância. Porém, desde 2019, o deputado vai sempre no mesmo local onde já desembolsou R$ 200 mil de verba da Câmara. O posto escolhido pertence a um sócio de Brazão.

Notas fiscais apresentadas na prestação de contas mostram que o posto fica a 20 quilômetros de distância de onde ele mora na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e a oito quilômetros de seu escritório político, segundo registro na Justiça eleitoral.

O Posto Leiroz, usado por Brazão, está localizado no Jardim Sulacap, no Rio de Janeiro. O estabelecimento é de propriedade de Albano Gonçalves Marinho e Albano Lemos da Silva. Os dois são sócios do deputado em um outro posto de combustíveis, o Auto Posto 500, em Tingui, em Campo Grande, também na capital fluminense.

O deputado declarou na eleição do ano passado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ser dono de apenas um carro, um Toyota Land Crusier 2004. Ele costuma alugar pelo menos outros dois veículos, conforme notas que o próprio parlamentar entregou este ano à Câmara: um Toyota 2022 e um T-Cross 2022.

Com os R$ 200 mil, o parlamentar comprou entre 2019 e 2023 no mínimo 20 mil litros de gasolina, 14 mil metros cúbicos de gás natural, 5,7 mil litros de etanol, 1,5 mil litros de diesel e 273 litros de biodiesel. No primeiro ano, Brazão ainda apresentava à Câmara notas de outros postos. A partir de dezembro de 2019, só apresentou comprovantes do estabelecimento do sócio.

O valor pago por litro de combustível pelo deputado não justificaria o longo percurso para abastecer. Com bandeira branca – denominação dos estabelecimentos que não têm parceria com grandes distribuidoras de combustível – cada litro de gasolina comum é vendido a R$5,19 no posto Leiroz. O etanol sai a R$4,29. O valor é mais alto do que o encontrado em um posto sem bandeira a menos de 250 metros.

O fato de o deputado usar o estabelecimento do sócio, cujas notas são entregues à Câmara para ressarcimento, é criticado por especialista em transparência. “É a violação do princípio da impessoalidade na administração pública”, comenta Marina Atoji, diretora de programas do Transparência Brasil. “Esse gasto, na prática, é ilegal. Ele está beneficiando alguém próprio com dinheiro público, não tem justificativa. Será que esse é o único posto em que o preço é bom? Não faz muito sentido isso.”

Para ela, o caso tem o indício de mau uso do recurso público e precisa ser investigado pela Câmara e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Verba

Os deputados têm direito de usar a verba parlamentar para custear despesas. Entre elas está incluído o gasto com combustíveis. Funciona assim: o parlamentar entrega a nota fiscal e o Parlamento reembolsa o valor depositando na conta do político sem necessidade de outras comprovações. Um ato da mesa da Câmara de 2009 veda, no entanto, o ressarcimento de valores gastos caso o dono de uma empresa ou entidade seja o próprio deputado ou um parente até o terceiro grau ou servidor da Casa, em exercício ou até seis meses após sua exoneração ou desligamento.

O único veículo declarado por Brazão ao TSE é movido a diesel. O deputado ainda aluga dois outros carros desde o final do ano passado. Em 2021, porém, ele não usou a cota para contratos temporários de veículos enquanto mantinha pagamentos constantes ao posto. Naquele ano, ele desembolsou R$ 60,4 mil para o posto do sócio. O deputado não esclareceu quantos veículos utiliza mensalmente.

Verba maior

Neste ano, Brazão terá ainda mais dinheiro para usar. O repasse da cota parlamentar para combustível segue um teto que foi reajustado no começo da atividade legislativa. O limite, que antes era de R$ 6 mil por mês, agora passou para R$ 9,3 mil. A mudança faz parte de um pacote de benesses concedido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para garantir a reeleição recorde na história da Casa. O total de desembolso para os cofres públicos em demais despesas que garantiram a Lira os 464 votos para si chega a R$ 70 milhões.

Somente com o reajuste na gasolina, o gasto da cota pelos 513 deputados em cinco meses ultrapassou todo o valor gasto no ano passado. Entre janeiro e maio, os parlamentares gastaram R$ 21,5 milhões para abastecer seus veículos ou jatinhos particulares, como em alguns casos. O somatório de janeiro a dezembro do ano passado não passa de R$18,1 milhões.

O GLOBO

Postado em 13 de junho de 2023