Despesas do RN com saúde caem 68% em 2025 e Justiça aponta colapso

Postado em 28 de agosto de 2025

Dados de uma ação que cobra o abastecimento da rede hospitalar estadual mostram que as despesas pagas em saúde no Rio Grande do Norte despencaram 68% no primeiro semestre de 2025, o que representa R$ 673,3 milhões a menos que no ano passado. Em 2024, o RN pagou R$ 988,1 milhões em despesas de saúde. No mesmo período de 2025, esse valor caiu para R$ 314,7 milhões.

Em decisão desta quarta-feira (27), a juíza Maria Cristina Menezes de Paiva Viana, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal, apontou um “cenário de colapso progressivo” na saúde, agravado por déficit de R$ 141 milhões nos repasses da Fazenda para o Fundo Estadual de Saúde, que coloca o estado na penúltima posição nacional em gastos próprios com saúde.


Por conta do cenário caótico, a Justiça determinou que o governo estadual terá 15 dias para apresentar um relatório detalhado sobre a situação dos hospitais, incluindo a lista de medicamentos e insumos em falta, o percentual de abastecimento de cada unidade, o valor necessário para regularizar os estoques e o cronograma de medidas a serem adotadas nos próximos 90 dias. A decisão foi proferida após manifestação do Ministério Público, através da Promotoria da Saúde, que apurou os dados da crise financeira pela qual passa o setor. A Promotoria da Saúde pediu à Justiça estadual a designação de uma audiência de conciliação.


Na decisão, a juíza rejeitou a designação imediata de audiência de conciliação, entendendo que seria “improdutiva qualquer tentativa de composição sem elementos concretos”. A magistrada advertiu que, em caso de descumprimento, poderá determinar a suspensão de pagamentos de despesas não essenciais até que a regularização seja feita, além de aplicar multa pessoal a gestores responsáveis. “Apresentadas as informações de forma integral e demonstrado interesse efetivo na solução do problema, será designada audiência de conciliação”, escreveu.


Essas determinações decorrem de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do RN (MPRN) em 2012, que resultou em sentença definitiva em 2023 obrigando o Estado a garantir o fornecimento contínuo de insumos e medicamentos. Passados três anos do trânsito em julgado, a Justiça aponta que o problema não só persiste como se agravou. “O Estado permanece sistematicamente omisso, não apresentando sequer informações básicas sobre as providências adotadas para cumprimento das ordens judiciais”, destacou a juíza.


O MPRN apresentou na manifestação dados que apontam uma queda de 26,63% nos empenhos da saúde em 2025 em relação a 2024, com um déficit de R$ 395 milhões, além de uma redução de 68% nos pagamentos efetivos. A rede estadual de saúde do Rio Grande do Norte conta atualmente com 21 unidades, muitas delas enfrentando desabastecimento crônico de insumos e medicamentos essenciais, segundo a manifestação do Ministério Público Estadual (MPRN), que detalha o impacto direto nos hospitais.


O Walfredo Gurgel, maior pronto-socorro do estado, acumula dívidas de R$ 11 milhões com fornecedores e enfrenta falta de itens básicos, como luvas, álcool, lençóis e medicamentos — materiais que, em alguns casos, vêm sendo adquiridos pelos próprios familiares de pacientes. O Hospital José Pedro Bezerra (Santa Catarina) registrou em janeiro um índice de ruptura de estoque de 41,33%, enquanto o Hospital João Machado chegou a ter recomendações de bloqueio de leitos por falta de condições mínimas de segurança, conforme reportagem da TRIBUNA DO NORTE da edição do último dia 19, mencionada pelo MPRN no processo.


No Hospital Maria Alice Fernandes, a falta de suprimentos, associada a problemas na escala médica, levou ao bloqueio de sete leitos de UTI neonatal e pediátrica, medida adotada em conjunto com o Conselho Regional de Medicina (CREMERN), a Defensoria Pública e o próprio MPE para garantir a estrutura mínima de atendimento.


Já o Hemonorte, unidade central de hemoterapia, solicitou 41 itens à Unicat, mas recebeu apenas 9, precisando recorrer a empréstimos de outros hospitais e hemocentros de estados vizinhos para suprir faltas críticas. Entre os medicamentos e insumos em falta estão antibióticos de alto risco, anestésicos, analgésicos, luvas, lençóis e ventiladores, cuja ausência eleva o risco de infecções hospitalares, aumenta a mortalidade e prolonga internações, conforme aponta a manifestação do MPRN.

Sesao afirma estar recompondo estoques

Em nota, a Secretaria de Saúde reconheceu a queda nos repasses financeiros apontada pelo MP, mas afirmou que o processo de recomposição de estoques já está em andamento. “O abastecimento nas principais unidades hospitalares do estado vem sendo recomposto recentemente, com o pagamento que vem sendo feito junto a fornecedores contratados”, informou a pasta. A Secretaria da Fazenda foi procurada para comentar o assunto, mas não deu retorno até o fechamento desta edição. O espaço continua aberto.


A Sesap disse ainda que realiza “monitoramento diário dos estoques dos hospitais, bem como das entregas realizadas pelos fornecedores, com o objetivo de otimizar o abastecimento de toda a rede” e citou o pagamento de compras prioritárias, negociação de entregas mais rápidas e até o uso de requisições administrativas em casos extraordinários.


Segundo o MP, a crise tem afetado não apenas as rotinas assistenciais, mas também contribuído para o aumento de infecções hospitalares. Entre as causas, aponta dívidas herdadas de anos anteriores, dificuldades de negociação com fornecedores pela perda de credibilidade financeira da Sesap e “excessiva burocracia nos processos de compras”. O órgão ainda registrou que, segundo dados do SIOPS, o Rio Grande do Norte ocupa hoje a penúltima posição no ranking nacional de gastos próprios com saúde, sendo o último colocado entre os estados do Nordeste.


O documento também registra que o próprio Secretário de Saúde confirmou que a escassez se deve à falta de pagamento a fornecedores, reforçando a urgência de medidas emergenciais para regularizar o abastecimento em toda a rede.

Tribuna do Norte