‘Distribuidoras’ de energia solar atraem 2 milhões de clientes com redução de 20% na conta de luz. Entenda o novo modelo

Nos bairros do Rio, uma empresa de energia anuncia conta de luz até 20% mais barata que a da entrega local, a Light , que até agora era a única opção de consumidores residenciais e pequenos estabelecimentos.

Essa estratégia de marketing também é visível em outras cidades e estados, como Minas e São Paulo, onde cresce o número de empresas que se apresentam como alternativa a quem quer escapar do alto custo da energia por meio da geração solar distribuída.

A modalidade, em alta, é chamada popularmente de aluguel de energia solar e envolve empresas de geração distribuída, donas das chamadas fazendas solares, que geram eletricidade a partir de placas fotovoltaicas em terrenos.

Segundo a associação de empresas do setor, há mais de cem companhias com esse serviço, que foi impulsionada pelas mudanças regulatórias da Lei 14.300, de 2022, e já atraiu 2,3 ​​milhões de consumidores residenciais e comerciais.

A legislação permitiu que as empresas de geração distribuídas que entraram com pedido de acesso às redes das redes até janeiro de 2023 isentassem totais de encargos setoriais e de custos como os relacionados ao transporte de energia até o fim de 2045.

Além disso, uma nova lei passou a permitir que essas companhias de geração distribuídas pudessem receber a titularidade das contas de energia de qualquer consumidor na área controlada pelas concessionárias, o chamado mercado cativo.

Na prática, essas empresas constroem uma fazenda solar, transferem a energia gerada com o sol para a rede da compra e recebem de volta ou equivalente em créditos.

A partir disso, transferem o valor desses créditos para os clientes residenciais, que passam a fazer parte de uma espécie de “condomínio” em torno da fazenda solar, num sistema de compensação.

E, como não há a incidência de tarifas de rede e encargos setoriais para essa energia, a “distribuidora” solar acaba sendo, em média, 20% mais barata que a concessionária, que repassa aos consumidores as taxas do setor elétrico.

Dois boletos
Quem tem as vantagens da geração solar sem instalar placa no telhado. Mas, mesmo integrando o “condomínio” de uma fazenda solar, segue cliente da entrega. Passe a ter duas contas: uma da distribuidora local, como Light ou Enel no Rio, pagando o valor mínimo, e outra da empresa de geração distribuída.

— Com a lei, vamos além das placas solares nos telhados das casas, que têm alto investimento. A legislação fez aparecer novos modelos de negócio como o de assinatura de energia solar. As companhias de geração repassaram a ter segurança jurídica com a lei, que permitiram a manutenção dos subsídios até 2045. E, alguns estados, para investimentos solares, passaram a dar incentivos de ICMS — diz Carlos Evangelista, presidente-executivo da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD).

O crescimento da modalidade entrou na mira do Tribunal de Contas da União (TCU), que em 18 de março determinou a abertura de investigação depois de uma Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear (AudElétrica) protocolar representação na Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel) solicitando aprimoramento na regulação, sob a alegação de que as empresas de geração solar apresentam “característica análoga a uma comercialização dentro do mercado cativo”.

Mas, para especialistas e agentes do setor, esse tipo de serviço deve crescer. Isso porque desde 2021, quando a nova legislação era debatida no Congresso, as empresas corriam para finalizar projetos solares a tempo de garantir os subsídios até 2045.

No ano passado, foram R$ 116 bilhões em investimentos em geração distribuídos no país. Neste ano, serão R$ 163 bilhões, prevê a ABGD. Executivos do setor ouvidos pela GLOBO estimam que 90% dos projetos solares previstos para os próximos anos tenham benefícios tarifários.

Expansão acelerada
A ForGreen, com fazendas solares no Sul e no Sudeste, investirá de R$ 700 milhões a R$ 800 milhões na expansão para Centro-Oeste e Nordeste, conta Antônio Terra, fundador da empresa. A ampliação é necessária porque cada fazenda solar só pode oferecer o aluguel dentro da área de concessão onde está instalada.

— Temos mais de 1.500 clientes em Minas, onde há mais de 30 empresas de aluguel solar — diz o empresário.

Também em Minas Gerais, a CMU Energia arrenda fazendas solares para oferecer energia elétrica a 135 mil consumidores, entre pessoas físicas e pequeno varejo. Vai se expandir para Espírito Santo e Bahia.

— Vamos investir R$ 800 milhões e dobrar a capacidade até 2025 — diz Walter Fróes, presidente da companhia.

No Rio, quem acabou de chegar às 31 cidades da concessão da Light foi à Luz, do Grupo Delta. Para abastecer clientes do Rio, uma empresa conta com uma fazenda solar no distrito de Getulândia, em Rio Claro (RJ), que se soma às outras 20 que mantém em vários estados, como São Paulo e Mato Grosso do Sul, para oferecer energia em 700 municípios.

Segundo Rafael Maia, CEO da Luz, 40% dos clientes vêm por indicação dos outros:

— Depois que o cliente faz a adesão, a gente faz a gestão do serviço. Ele continua com o contador da Light, mas instalamos um nosso também. Os planos podem variar, de três a cinco anos. Se faltar luz, nosso sistema já detecta e abre um chamado na Light, mas o cliente pode entrar em contato com as duas companhias.

Economia atrai
Há duas semanas, a Aneel aprovou reajuste anual de 4,05% na tarifa da Light para consumidores residenciais. Morador de Botafogo, na Zona Sul do Rio, na área de entrega, o economista Raul Zenha decidiu experimentar o serviço da Luz para amenizar o peso da energia no bolso:

— Acho a energia cara e tem peso significativo no meu orçamento doméstico. Espero economizar o equivalente a uma conta mensal por ano.

Por outro lado, Ricardo Brandão, diretor de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), vê com preocupação o crescimento desordenado dessa concorrência às concessionárias. Para ele, quem não está na geração distribuída é onerado sem acesso aos seus subsídios, que somaram R$ 7,1 bilhões em 2023. Os encargos só recuam sobre os consumidores da concessão.

Segundo a entidade, o peso da geração distribuída no custo das distribuidoras de energia passou de 0,18% em 2022 para o recorde de 3,19% no ano passado. Brandão acredita que esse impacto vai crescer com a expansão dos projetos solares e lembra que as concessionárias compram energia em leilões com base em projeção de demanda.

— São distorções que não são sustentáveis. A energia sustentável precisa ser justa. Se todo mundo entra em uma fazenda solar, quem paga pelos encargos sociais? — pergunta ao diretor da Abradee. — Há uma espécie de corrida do ouro pela geração distribuída. É preciso pensar na segurança do sistema. Quem vai arcar com os investimentos em hidrelétricas e térmicas, que garantem energia quando não há sol ou vento?

Distribuidoras contra-atacam
Para fazer frente à nova concorrência, algumas distribuidoras como Cemig e EDP também estão criando seus próprios braços de geração solar distribuída.

A Cemig, que criou a Cemig Sim e tem 20 mil clientes, quer aumentar seu parque solar em seis vezes, para 600 MW.

— Neste cenário a energia é gerada e distribuída próxima às unidades consumidoras, o que permite um custo mais baixo para geração e distribuição. Os grandes atores do setor elétrico estão promovendo a ampliação do acesso a uma energia renovável e mais econômica — diz Iuri Mendonça, CEO da Cemig Sim.

A EDP, entrega em 28 cidades de São Paulo e em 70 cidades do Espírito Santo, também aposta no modelo. A empresa tem 200 usinas solares já instaladas e mais 100 sem planejamento. O investimento oscila entre R$ 750 milhões e R$ 800 milhões por ano, diz Carlos Andrade, vice-presidente de Clientes e Inovação da EDP Brasil.

Segundo ele, a estratégia é conquistar clientes fora do mercado cativo e já iniciar uma espécie de preparação para a abertura total do mercado no fim da década, quando qualquer cliente poderá escolher um distribuidor de luz, assim como já ocorre com a telefonia no Brasil ou no próprio serviço de energia elétrica em países desenvolvidos.

— As empresas do setor elétrico vão ter que se preparar e se transformar para conseguir mais clientes. Por outro lado, a geração distribuída afeta os contratos de longo prazo. Nenhuma lei é perfeita, mas ao menos foi criada uma transição para afetar menos as distribuidoras a longo prazo.

A Energisa, que tem concessões de distribuição em Sergipe, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Rondônia, por exemplo, conta com 13,5 mil clientes de energia solar em cinco estados, como São Paulo e Rio, por meio de sua participação (re )energiza.

— Com a assinatura solar o cliente não precisa fazer investimento, pagar taxa de adesão ou fazer intervenção no sistema elétrico da sua casa — diz Roberta Godoi, vice-presidente de Soluções Energéticas da empresa.

O GLOBO

Postado em 25 de março de 2024