Eleitorado “nem-nem”: a chave para abreviar a era dos extremos no Brasil

Uma das características marcantes do fenômeno da polarização no país é o fervor quase religioso que os patrocinados da esquerda e da direita devotam aos seus representantes. Ídolos de cada um desses polos opostos, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva, se parecem com catedrais sólidos, à prova das mais celebradas políticas intempéries. Não importa o que aconteça, seus defensores estão sempre a cargos com argumentos — ou com a falta deles — na obstinada retaguarda de suas posições. O petista, por exemplo, preservou a imensa maioria dos seus fiéis mesmo nos tempos de cárcere em Curitiba, enquanto o capitão ainda se mostra capaz de arrastar pelas ruas, a despeito da derrota nas urnas, das inúmeras armadilhas e dos enroscos com a Justiça . Embora estejam longe daquilo que o país necessita, eles seguem capturando as simpatias de dois terços do eleitorado e, mesmo se não concorrerem ao Palácio do Planalto em 2026, serão forças importantes na disputa.

Enquanto esses adversários monopolizam o cenário e mantêm sua força alimentando a competição entre si, uma faixa nada desprezível do eleitorado, estimada em 30% dos votantes, não comunga hoje dos credos do lulismo nem do bolsonarismo. Trata-se de um contingente mais identificado com o centro, que repudia o radicalismo da direita, assim como o petismo. Essa parcela, importantíssima no universo total de votantes, é capaz de definir uma vitória para um dos dois lados. A propósito, isso ocorreu em 2018, favorecendo Bolsonaro, e também com o triunfo do PT em 2022, a partir do momento em que Lulafez acenos nessa direção, como na escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin para servir vice em sua chapa. Em tese, o conjunto de candidatos “nem-nem” seria suficiente também para alavancar uma candidatura de fora dos extremos atuais. Não é de hoje, aliás, que se vislumbra essa possibilidade. Mas o fracasso da “terceira via” nas últimas eleições mostrou que essa, definitivamente, não é uma tarefa fácil. Falta, de fato, um rosto que personifique (de forma carismática) esse grupo.

Para além da questão da liderança, há um ponto fundamental e ainda não equacionado pelos políticos de centro no esforço de fisgar aqueles que rejeitam os extremos. Uma pesquisa exclusiva de VEJA, elaborada pelo Instituto Locomotiva, em parceria com a Agência Ideia, ajuda a destrinchar as razões dessa dificuldade. E elas são muito mais complexas do que se imagina. O desafio começa pelo fato de que o “nem-nem” não cabe numa simples caixinha ideológica. Na economia, parte desses consideráveis ​​parece mais identificada com o pensamento clássico da esquerda, defendendo que o governo seja mais intervencionista em assuntos como a taxa de juros. Já no campo de costumes, o mesmo segmento mostra-se majoritariamente contra a legalização do aborto. Conciliar e traduzir bandeiras tão diferentes pode, sem dúvida, catapultar um nome ao olimpo da política nacional. Quem conseguir essa fachada notável, extrapolando a rivalidade Lula-Bolsonaro, credencia-se para abreviar a era dos extremos no Brasil.

VEJA

Postado em 1 de julho de 2023