Entrevista: ‘Não estou levando dinheiro do Neymar’, diz Flávio Bolsonaro ao chamar ‘privatização de praias’ de fake news
Relator da PEC das Praias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) vai alterar o texto do projeto de lei — que mobilizou nos últimos dias políticos, ambientalistas e até celebridades como Neymar e Luana Piovani —, para deixar claro que a proposta não privatiza a orla brasileira. O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro afirma que seu principal objetivo com a PEC é acabar com os impostos da época do Império, como o foro e o laudêmio, e estimular o setor de turismo no país a fazer novos investimentos.
O Ministério da Gestão e Inovação tem hoje 564 mil imóveis cadastrados nos chamados “terrenos de marinha”, que geraram arrecadação de R$ 1,1 bilhão, em 2023, com as taxas. As propriedades localizadas ficam a partir de uma faixa de 33 metros para dentro do continente, começando na chamada linha de preamar média, que considera as marés máximas de 1831. A PEC prevê o fim do laudêmio e do foro para quem comprarem 17% da participação que a União detém nos imóveis.
A quais interesses o senhor está atendendo ao tratar de um tema como esse?
Não tenho interesse pessoal nisso, não sou proprietário de área beneficiada, não estou ganhando dinheiro de Neymar nem do empreendimento que ele fará (o jogador é sócio em um projeto para construir imóveis de alto padrão à beira-mar em Pernambuco e Alagoas). Isso é narrativo. Quero desconstruir as fake news de privatização das praias.
O que pretende, então, com a PEC das praias?
Acabar com o foro, o laudêmio e a taxa de ocupação, a fim de dar segurança jurídica para que as pessoas possam ser de fato as proprietárias. O governo está desesperado porque acha que vai perder dinheiro, mas não vai. Hoje, arrecada R$ 1,1 bilhão por ano com as taxas. Com a cessão onerosa (possibilidade do proprietário comprar parte da União nos terrenos), o impacto será de bolsas de bilhões de reais. Eles acham que o Estado tem que levar conta de tudo. Tenho certeza de que estou fazendo o certo.
O fato de os terrenos poderem virar totalmente privados com a compra de 17% da parte da União não dá brecha para que proprietários bloqueiem acessos a orla no futuro?
De jeito nenhum. Inclusive, estou botando na PEC um texto para repetir o que está na legislação sobre praias: que ela é um bem comum, de uso público e de acesso irrestrito a todos os brasileiros. Vou fazer isso para ficar bem claro, mesmo sendo redundante.
Em tese, você pode chegar a qualquer praia pelo mar. O texto vai deixar claro que o condomínio ou resort precisa permitir acesso via terra?
Não haverá bloqueios. Já existe o direito de passagem hoje em dia, que torna obrigatório a um proprietário privado garantir o acesso a uma coisa pública como a praia. A PEC também diz que permanecem de domínio da União os espaços que não estão ocupados.
O senhor também anunciou que colocará mais claramente no projeto que será facultativo, portanto não obrigatório, a opção por preferir continuar pagando foro e elogiando em vez de comprar os 17% da União e deixar de gastar com as taxas. Porque?
Não posso obrigar ninguém a fazer isso. Tem gente que não vai querer comprar por falta de dinheiro ou interesse. Quero garantir que isso seja facultativo. Agora, quem parar de pagar essa taxa todo ano, vai render muito mais fácil o imóvel depois. Quem comprar saberá que não vai ter mais esse custo anual.
Diante das mudanças que o senhor está fazendo agora após a repercussão do caso na internet, admite que o texto do projeto está mal redigido?
Não é que estive mal redigido, acho que talvez não tenha tido o debate adequado na Câmara. A PEC teve quase 400 votos dos deputados em 2022, mas não houve muita discussão. Por isso é bom, sim, que tenha audiência pública.
Admite, pelo menos, que está perdendo a batalha de comunicação para a esquerda nas redes?
Eles inventaram um nome bonitinho: PEC da privatização das praias. Mas estou sendo bem sucedido nas explicações, já passou a chamar só de PEC das praias.
Fica difícil não relacionar o projeto com aquela ideia do ex-presidente Jair Bolsonaro de transformar Angra em uma “Cancún brasileira”. O senhor não está seguro com essa lógica também?
Sim, há uma lógica de estímulo ao turismo e investimentos. Por que o cara não bota dinheiro aqui hoje? Por causa da insegurança jurídica, legislação ambiental, um monte de coisa. A PEC vai mudar uma coisa específica, que é o direito de propriedade, tirando a mediação da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Quem quiser comprar um imóvel nessas áreas, tratará diretamente com o proprietário, sem precisar da União.
Com o governo deixando de ter 17% das propriedades, o projeto não facilita possíveis atropelos ambientais?
Não muda nada. Qualquer intervenção precisa passar pela mesma burocracia municipal, estadual e de órgãos ambientais. Vai ter que pedir autorização ao Ibama, ICMBio, ou que for. Repito: o que estou tirando é uma necessidade de negociação com a SPU, que é quem cobra o “aluguel” dos imóveis. A PEC não tem nada de agressiva às praias. Todo o mundo gosta de ir a um resort em Cancún, em Miami, na Espanha, na Grécia. Queremos fazer um troço pequeno no Brasil para tentar estimular empreendimentos, aí vem uma chiadeira danificada com argumentos mentirosos. Infelizmente, para fazer empreendimentos em Angra, Salvador, qualquer lugar de Alagoas, existirá toda uma burocracia ambiental.
Por que “infelizmente”?
Falo “infelizmente” porque minha posição é de que isso deveria ser muito mais desburocratizado. Acho que tudo tinha que ficar a designados do município, que é o responsável pelo zoneamento urbano e plano diretor. Temos um grande potencial de viver de turismo, mas não conseguimos por causa dessas amarras. Quem tenta fazer um deque para encostar uma lancha de 20 pés em um condomínio em Angra, passa por um parto para conseguir uma autorização.
Depois da tragédia no Rio Grande do Sul e o crescimento do debate sobre o impacto da manipulação no meio ambiente nessas catástrofes, não acha equivocado o timing político para defender esse tipo de posição?
Excelente exemplo. Sabe por que aconteceu aquilo lá? Parte daquelas casas destruídas certamente estava em áreas de marinha. Talvez, se estivessem sob competência do município, as prefeituras já puderam ter promovido uma série de transferências de locais para essas casas, apenas permitindo construções em áreas onde a maré não chegasse. O controle é muito melhor se for feito pelo ente municipal, que conhece a realidade local. Certamente o impacto no Rio Grande do Sul teria sido menor.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que vai tratar com cautela o tema, dando a entender que a PEC vai atrasar um andar na casa. Acha que avanço ainda este ano?
Pacheco não tem posição firmada, mas vou convencê-lo. Estou adorando a discussão. Quero vencer o ministro Alexandre Padilha (que se posicionou contrário a aprovação da PEC). Tenho feito isso com frequência, aliás.
O GLOBO