Esqueletos e milhares de peças arqueológicas são encontrados no Maranhão
Uma obra do programa Minha Casa Minha Vida em São Luís (MA) se transformou no palco de uma descoberta arqueológica que pode ajudar na compreensão da história do Brasil. Durante a construção de um condomínio de prédios residenciais pela empresa MRV foram encontradas 45 ossadas humanas e mais de 100 mil peças arqueológicas.
Além dos esqueletos, entre os fragmentos estão cerâmicas, ferramentas de pedra (conhecidas como materiais líticos) e de ossos, conchas e carvão. Ainda estão em curso análises para saber a idade dos materiais encontrados, mas o volume de peças indica que esse pode ser um achado importante.
O Sítio Arqueológico Chácara Rosane fica no bairro Vicente Fialho. O local é estudado ao menos desde a década de 1980, quando foram descobertos os primeiros vestígios humanos na região, incluindo um fóssil de um homem adulto pertencente à cultura tupi-guarani.
Assim, a possível existência do sítio era conhecida antes mesmo do início das obras. O arqueólogo Welington Lage, coordenador-geral dos trabalhos de escavação, contratado pela construtora para fazer os estudos no local, explica que os primeiros vestígios em cerâmica foram encontrados em 2019, durante o processo de licenciamento ambiental.
Na sequência, começaram as ações de salvamento e monitoramento arqueológico. “Nessa etapa foi evidenciada a grande quantidade de peças, incluindo dois esqueletos humanos situados em níveis abaixo do sambaqui”, conta Lage, se referindo a um tipo de construção de conchas e sedimentos feitas pelos antigos habitantes do Brasil perto do mar ou de rios.
“Durante esse processo percebeu-se que os artefatos se dividiam por todo o nível estratigráfico [diferentes camadas de rocha], distribuídos acima, no meio e abaixo do sambaqui, o que demonstra diferentes épocas de ocupação humana do sítio”, explica.
Devido à pandemia da Covid-19, a equipe, composta por nove técnicos, precisou ficar confinada na chácara que dá nome ao sítio para a continuação das escavações. Os trabalhos continuam até hoje e, segundo Lage, estão longe do fim.
“Tem muita coisa a ser feita. Cada dia um susto, cada hora uma novidade. A arqueologia é fantástica”, diz o arqueólogo, animado.
Até o momento, o grupo coordenado por ele trabalha com a hipótese de que os vestígios indicam que a área foi ocupada por grupos humanos há pelo menos 7.000 anos. O local teria tido finalidades diversas, como formação de aldeia, espaço de habitação e cemitério.
Foram encontradas cerâmicas de grupos culturais diferentes, das mais rudimentares, do tipo mina, que aparecem desde 5.800 anos atrás em outras partes da ilha de São Luís; passando pelas de origem tupi; as amazônicas, possivelmente associadas ao período entre 2.000 e 1.000 anos atrás; chegando até as peças tupinambás, entre os séculos 14 e 17, já no momento do contato com os colonizadores europeus.
Evidências dessa diversidade temporal e cultural também aparecem nas datações preliminares feitas a partir de sedimentos próximos aos dois primeiros esqueletos descobertos. A medição foi feita pelo método chamado de luminescência oticamente estimulada, que determina quando o sedimento foi exposto à radiação solar pela última vez e indica uma faixa de tempo ampla, entre 9.000 e 1.000 anos atrás.
“Todo material arqueológico de origem orgânica se degrada mais intensamente, principalmente pela ação de microrganismos. No entanto, os esqueletos estão compostos pela quase totalidade das partes, permitindo assim obter informações sobre a idade de falecimento, o gênero e até algumas práticas funerárias”, relata Lage.
Há diferentes tipos de sepultamentos entre as 45 ossadas humanas encontradas. Algumas estão em posição especial e com enxoval funerário, o que sugere uma hierarquia social e dá pistas de ritos funerários ancestrais.
Pesquisas prévias, de outros sambaquis da capital maranhense, estimam que populações pescadoras, coletoras-caçadoras e ceramistas se estabeleceram na região há cerca de 6.600 anos e, no interior do estado, há mais de 9.000 anos.
Mesmo que a possível existência do sítio já fosse conhecida, desde que sejam cumpridas as exigências legais para obtenção de licença, é permitido que construções sejam realizadas em locais como esse, com potencial valor arqueológico.
“Dentro desse processo de legalização do terreno, descobriu-se a existência do sítio junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)), e, a partir daí, iniciaram-se as tratativas legais para operar o empreendimento dentro das normas e em paralelo ao trabalho do Iphan”, afirma Jordana Pearce, gestora de planejamento operacional da MRV na região Nordeste.
O empreendimento do Minha Casa Minha Vida não chegou a ser paralisado e a construção avançou em paralelo ao processo de escavação dos materiais. O local abrigará quatro condomínios que, somados, terão cerca de 1.600 unidades integrantes do programa federal.
De acordo com Pearce, como a existência de peças arqueológicas na região já era prevista, desde o início foram adotadas medidas para fazer o salvamento do sítio. Além da contratação da empresa especializada para fazer as escavações das peças, a empresa também forneceu equipamentos como salas climatizadas e caixotes sob medida para os achados mais sensíveis.
O Iphan foi procurado para esclarecimentos quanto aos achados e ao processo de licenciamento da obra, mas o órgão não respondeu até a publicação desta reportagem.
De acordo com a companhia, a MRV construirá, em parceria com o Iphan, um centro de curadoria na UFMA (Universidade Federal do Maranhão) para abrigar os materiais encontrados.
Segundo a empresa, o centro será coordenado pela equipe de arqueologia da universidade, responsável pela curadoria e acondicionamento dos achados do Sítio Chácara Rosane.
“Ao todo, a MRV estima investir por volta de R$ 1 milhão na preservação dos achados, incluindo os custos dos serviços de arqueologia e resgate, o endosso institucional [valor de contratação de instituição habilitada a receber itens de patrimônio arqueológico] e a construção do Centro de Curadoria e Guarda”, afirma a gestora regional da construtora.
(Jéssica Maes/Folhapress)