Fábio Jr fala de saudades do pai, lance com Elis Regina e episódios da carreira: ‘atravessei turbulências’
Fábio Jr surge no vídeo solto, com o garbo e o ar meio libertário que sempre exalou. Nem parece, mas fez 70 anos esta semana. Para comemorar, iniciou uma nova turnê, “Bem mais que os meus 20 e poucos anos” — brincadeira com um de seus primeiros hits, composto ao fim do primeiro de sete casamentos.
O paulistano Fábio Corrêa Ayrosa Galvão começou cedo no showbiz, aos 12 anos. Aos 13, já atuava com Cacilda Becker na TV Bandeirantes. Depois, se lançou cantando em inglês com os pseudônimos Uncle Jack e Mark Davis. Mas em 1976 lançou o primeiro disco com o nome artístico definitivo: “Fábio Jr”, de 1976, que inclui várias letras de Paulo Coelho. O estouro viria em 1978, ao cantar “Pai” na série “Ciranda Cirandinha”, da Globo.
Ele nunca deixou de atuar (são 20 trabalhos entre cinema e TV), mas a música se sobrepôs. Segundo o Ecad, ele tem 133 composições e gravou, ao todo, 558 canções.
Durante a conversa, ele se mostra espiritualizado (vez ou outra, agradece a quem chama de “moçada da luz”) e relembra seu pai, que mudou sua carreira ao dizer “você é romântico”. Também comenta a imagem de símbolo sexual e se posiciona contra o sensacionalismo: “Antes de ser artista, sou um homem”.
Seu primeiro disco como Fábio Jr, de 1976, tem muita atitude, uma pegada rock’n’roll. Era seu interesse na época?
Eu amo soul music, por exemplo. Nesse disco, tem “Carona”, do Tony Bizarro, que era da turma do Tim Maia. Cassiano é um mestre. Hoje as pessoas brincam de fazer melismas… você precisava ouvir o Cassiano!
Tem a história de que a Elis Regina, com quem você teve um caso, te chamou para gravar um disco com ela. Isso aconteceu? Se arrepende de não ter feito?
Aconteceu. Não me arrependo. Você acha que seria maluco, eu, um moleque que estava começando, de gravar um disco com Elis Regina? Não sou louco. Iam falar: “Quem é esse babaca?”
E o que levou à guinada para o romantismo?
Me tornei romântico não porque quis, e sim porque sou. Lembro de uma conversa com o meu pai. Ele falou: “Nego, você é romântico. Não precisa ficar fazendo um monte de coisa, faz o que é da sua natureza”. Com isso, fiquei mais romântico ainda.
Você já disse outras vezes que não havia superado a morte do pai. Como é hoje, aos 70?
É uma ausência muito presente. Porra, lembro de cada história dele que… meu Deus do céu! Ele arranhava o violão, fazia seresta pra minha mãe. Xavequeiro pra caramba. Me deu o violão dele, eu tinha uns 10 anos. Eu canto “Pai” há 45 anos, e tem dia que o bicho pega. Até hoje. Ele morreu aos 53, novo pra caramba.
A TV fez de você um dos grandes símbolos sexuais da sua geração. Como lida com isso?
Eu pesava 53kg em “Ciranda cirandinha”. Símbolo sexual como? (risos) Mas sei do que você está falando. Me ajudou a ficar mais conhecido.
Costuma se irritar com a imprensa?
Não. O que não suporto é quando passam da linha do respeito. Porque antes de ser artista, sou um homem, eu trabalho, tenho filhos. Então, pra cima de mim, não. E me enchia o saco quando perguntavam assim: (tom de deboche) “Você é ator ou cantor?” Eu pensava: “Não acredito que vocês estão me perguntando isso. Eu tenho que cortar um braço pra usar o outro?
Elvis e Frank Sinatra também eram atores e cantores.
São dois bons exemplos. Na época deles não tinha essa encheção. Comigo foi assim, música e dramaturgia. É puxado pra caramba.
Como você exerce sua religião? É católico?
Eu ia muito na missa quando era moleque, mas era pra xavecar as meninas (risos). Vou no básico. Religião significa reunir, religar. Uma atitude em prol da reunião das pessoas. Com leveza, com nobreza, com prosperidade espiritual e material. A gente está encarnado no nosso planetinha azul aqui e cada um com muita coisa pra fazer. Se a religião fosse mais presente, nesse sentido, não haveria essas guerras religiosas. Isso do ser humano matar outro por território ou por crença… eu não entendo essa porra.
Em entrevista à Marília Gabriela, em 1998, você disse que sua mãe o ajudou a “não despirocar”. Como foi esse momento?
Minha mãe era muito rigorosa. Se dos 12 aos 21 anos você não for indisciplinado, bagunceiro, algo está errado. Mas atravessei algumas turbulências no caminho. Só que sabia qual nave eu estava pegando, pra onde ela ia e ainda está indo.
Na mesma entrevista, você falou que tinha começado a fazer academia para “inverter um pouco o horário”, porque sempre foi “da noite”. Esse plano deu certo?
Advinha quanto tempo eu fiquei na academia? Tcharan! Quinze minutos (risos). Eu tentei. Mas mudei um pouco e, de um tempo pra cá, venho tentando me disciplinar. Faço exercícios, fisioterapia, caminhada. Não vou virar atleta nunca, nem pretendo. Mas é pra eu poder me sentir bem.
Você sofreu bullying na escola por já saber, desde cedo, que se tornaria o que se tornou, né?
Me zoavam pra caramba. (imita voz debochada) “Olha ele aí, vai ser artista. Canta aí pra gente, então….” Mas eu tinha certeza. Como vou explicar isso? Acho que é a moçada da luz. Aos 12, comecei profissionalmente. Sei lá, era uma intuição muito forte que eu acho que é uma conexão que a gente tem com a “moçada da luz”. Para mim, é isso.
Nunca pensou em trabalhar com outra coisa?
Cheguei a cursar Comunicação, Letras, Turismo, Filosofia. Mas não fiz nenhuma, né? Fiz um ano aqui, um ano ali (risos). Eram temas que me interessavam muito, mas estava sempre trabalhando na música ou fazendo algo como ator. Quando ninguém me conhecia ainda, fiz na TV Cultura um especial com o Paulo Autran, dirigido pelo Walter George Durst, “Um pássaro em meu ombro”. Sempre tive muita sorte (faz sinal de aspas quando fala “sorte”). Muita proteção, muita bênção.
Você ainda tem o costume de pescar no seu sítio?
Sim. Tem uma frase de um dos meus ídolos, Renato Teixeira, “o simples resolve tudo” (começa a cantarolar “Irmãos de Lua”, de Teixeira). Eu gosto de ir por aí. De porta a porta, da minha casa pro sítio dá uma hora.
Continua cantando por paixão ou porque precisa?
Não tenha dúvida disso (seguir trabalhando porque tem paixão). Mas todos precisamos.
Uns mais, outros menos, né…
Uns ganham bem e gastam mal. Outros ganham menos e gastam direito. Eu não tive muita educação financeira nem gestão. Hoje eu tenho (aponta para a esposa, Maria Fernanda Pascucci, próxima a ele na videochamada). Ela cuida da minha vida com formação de gestão de negócios, de pessoas, administração de empresa, marketing. Então, juntei o útero ao agradável.
Como foi aquele lance de tentar ser dono de uma emissora de TV, nos anos 1990?
Um amigo que eu tinha na época, maluco, um grande empresário, mas completamente maluco, falou pra gente entrar na licitação. Mas é uma coisa muito complicada. Graças a Deus não deu certo (ergue as mãos pro céu). Graças a toda a moçada aí.
Por falar no universo da comunicação, como você lida com redes sociais?
O que me incomoda nessa coisa de rede social e internet, de um modo geral, é que está acontecendo um paradoxo. O mundo está globalizado, e isso é muito bom, só que junto com isso, no bojo dessa globalização, vem a impunidade de pessoas irresponsáveis, de pessoas que falam e não se apresentam, são covardes. Você pode pegar esse aparelho (aponta para o celular) e fazer o que quiser da vida dos outros, julgar e condenar. É o preço? Não sei, mas é assim que está acontecendo. E você fala com um amigo seu do Japão, mas não fala com quem está do seu lado aqui. Tá todo mundo assim (imita alguém com a cara enfiada no celular). Estou errado? Me irrita muito. Meus filhos já nem ficam assim na minha frente.
Com todas as discussões atuais sobre feminismo e machismo estrutural, chegou a fazer algum movimento de desconstrução da sua masculinidade?
Eu acho que faço isso sem esforço nenhum. Conheço minha natureza como ser humano, como homem.
O GLOBO