Governo de SC manda recolher livros de escolas públicas
O governo de Santa Catarina, de Jorginho Mello (PL), determinou a retirada de circulação de nove obras literárias, com a orientação de que sejam armazenadas em um local não acessível à comunidade escolar.
Entre os títulos afetados estão obras de ficção como “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, e “It: A Coisa”, de Stephen King.
O comunicado foi enviado às bibliotecas da rede pública do estado por meio de um ofício assinado pelo supervisor de Educação, Waldemar Ronssem Júnior, e pela integradora Regional de Educação, Anelise dos Santos de Medeiros.
Em nota, a Secretaria de Estado da Educação afirma que a medida tem como objetivo redistribuir alguns dos títulos das bibliotecas das unidades escolares da região, buscando uma melhor adequação das obras literárias às faixas etárias das diferentes modalidades oferecidas na rede estadual de educação.
Entretanto, o ofício enviado às escolas não fornece justificativa para a retirada desses títulos, informando apenas que novas orientações serão enviadas em breve. Questionada pela reportagem, a pasta também não explicou como definiu as obras que foram retiradas.
A lista dos livros censurados nas escolas abrange títulos que vão desde o gênero de terror, como “Coração Satânico”, de William Hjortsberg, até dramas como “Donnie Darko”, de Richard Kelly.
Também foram listados títulos que abordam questões comportamentais, como as relacionadas a gênero e sexualidade em “A Química Entre Nós”, de Larry Young e Brian Alexander, e a questões de bullying, tratadas em “Os 13 Porquês”, de Jay Asher.
“O Diário do Diabo: Os Segredos de Alfred Rosenberg, o Maior Intelectual do Nazismo”, de Roger Moorhouse, também consta na lista e examina criticamente a vida e as atividades de um dos principais ideólogos do nazismo.
A divulgação da lista gerou repercussão nas redes sociais e críticas ao governo estadual, que, desde o início do ano, é comandado por Mello —que foi eleito com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Evandro Accadrolli, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do estado, disse que a entidade denunciará o caso ao Ministério Público e classificou a decisão como “ideológica” e resultado de “agravos políticos e religiosos.”
“A medida do governo de Santa Catarina é voltar à Idade Média. Censura literária é uma questão muito grave. Vamos fazer uma denúncia”, afirmou.
Na opinião de Elenira Oliveira Vilela, coordenadora-geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica, o governo catarinense está promovendo censura. E argumenta que a orientação não é apenas retirar os livros do alcance dos estudantes, mas mantê-los escondidos, comparando a situação à ideia de queimá-los. “Bem próximo disso”, disse.
Elenira destaca a importância de regular as redes sociais, que atualmente promovem discursos de ódio, em vez de censurar livros. “Isso eles não fazem, e chamam de censura [a regulação]. É sempre a lógica da liberdade de eu dizer o que penso e de incutir nas pessoas a ideologia que eu defendo e proibir os demais de ter acesso a qualquer outra ideia.”
Segundo a professora Juliana Andozio, que leciona em Santa Catarina, há casos de perseguição a professores da rede pública. Ela conta que sofreu perseguição de pais e parlamentares após levar o tema da defesa dos direitos da criança e do adolescente para escola. “O que é feito hoje em dia são recortes políticos de discursos de ódio nas redes que têm levado as pessoas a produzirem violência dentro do ambiente escolar”, afirmou.
Ela diz que, no dia 30 de outubro, citou a ameaça de retirar livros das escolas durante uma audiência pública das comissões de Educação e de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O ofício confirmando a recolha das obras foi publicado na segunda (6).
“Retirar livros das escolas e não fazer a discussão correta cria certa alienação. Outros estados, outros currículos, contêm esses livros nas suas discussões. Se cair um livro desses no vestibular, os alunos de Santa Catarina vão estar perdendo.”
Também em outubro, o deputado estadual Jessé Lopes (PL) usou a tribuna da Assembleia Legislativa para denunciar títulos que considera ter conotação sexual. Em suas redes sociais, o parlamentar critica o que chama de influência da esquerda nas escolas e diz que há “desvirtuamento daquilo que realmente deve ser ensinado dentro da sala de aula”.
O escritor Marco Vasques, que vive em Santa Catarina, comparou a divulgação da lista de livros do governo estadual com práticas da ditadura, que procurava autores sem conhecê-los.
A reportagem questionou o governo catarinense sobre as críticas, mas não obteve resposta.
Em 2020, o governador de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil), censurou 43 obras, alegando que os livros eram “inadequados para crianças e adolescentes”, de autores como Rubem Alves, Mário de Andrade, Machado de Assis, Franz Kafka e Euclides da Cunha.
Folha de SP