Governo Lula reduziu em 58% gasto com campanhas contra dengue em 2023, mesmo com alerta de epidemia
O governo Lula reduziu em 58,5% o valor gasto com campanhas de comunicação para prevenção e conscientização sobre a dengue no ano passado, mesmo com diversos alertas de que a epidemia de 2024 poderia alcançar um número recorde de casos e que a prevenção deveria ser intensificada antes da chegada do verão.
Em 2023, o Ministério da Saúde gastou R$ 13,1 milhões com campanhas de combate a dengue e outras arboviroses. Em 2022, último ano da gestão de Jair Bolsonaro, os mesmos gastos haviam somado R$ 31,6 milhões, já em valores corrigidos pelo IPCA, índice oficial de inflação do País. Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que ampliou em 33% os gastos com campanhas de comunicação contra a dengue em 2024 e que, além das campanhas publicitárias, realizou diversas ações de prevenção em 2023
O valor gasto com campanhas publicitárias contra a dengue no ano passado foi menor também que os investimentos feitos em 2021, quando o governo federal aplicou R$ 23,2 milhões nessas ações, e em 2020, quando foram gastos R$ 28,5 milhões (todos os valores foram corrigidos pela inflação).
A redução desses gastos pelo governo federal foi revelada pelo site Poder360 e confirmada pelo Estadão, que também fez o levantamento e tabulação dos dados com base em informações do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom).
A análise mostra ainda que a Saúde gastou em 2023 mais com publicidade do programa Farmácia Popular (R$ 15,9 milhões) do que com campanhas de prevenção da dengue. A campanha de Carnaval contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) teve investimento semelhante (R$ 12,9 milhões) ao valor gasto pela pasta no ano todo com campanhas contra a dengue.
Ainda de acordo com os dados do Sicom, o tema que recebeu maior investimento do Ministério da Saúde em verbas de comunicação em 2023 foi a campanha de multivacinação, ação priorizada pela gestão no ano passado para tentar reverter a queda das coberturas vacinais observadas no País nos últimos anos. Foram R$ 53,9 milhões aplicados nessa ação. Em seguida, com mais recursos, aparecem as campanhas de vacinação contra a covid-19 (R$ 33 milhões) e contra a gripe (R$ 20 milhões).
Nota do próprio ministério em 2023 já alertava sobre epidemia recorde
Desde 2023, autoridades sanitárias, inclusive o próprio Ministério da Saúde, já alertavam sobre o cenário preocupante que se desenhava para 2024 em relação à dengue.
A Organização Panamericana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, emitiu um alerta epidemiológico em setembro de 2023 sobre o aumento de casos de arboviroses na América Central e Caribe e recomentou aos países da América do Sul revisarem seus “planos de preparação e resposta” diante da ameaça de explosão de infecções com a chegada do calor. No mês seguinte, a OMS publicou documento alertando sobre os impactos do El Niño à saúde, inclusive o risco de aumento de casos de doenças como a dengue.
Ainda em outubro de 2023, os pesquisadores do Infodengue, iniciativa da Fiocruz, publicaram um relatório estimando a ocorrência de 2,2 milhões de casos da doença para 2024, o que seria um recorde para o País, uma que a até então pior epidemia da história, em 2015, havia alcançado 1,6 milhão de casos prováveis.
A epidemia deste ano está ainda pior do que as estimativas. Segundo as informações mais recentes do portal de arboviroses do ministério, o País já soma, em 2024, cerca de 2,9 milhões de casos prováveis da doença e 1.116 mortes.
Todos os alertas foram citados em uma nota informativa publicada pelo Ministério da Saúde em 14 de novembro. No documento, a pasta pontua ainda a reemergência do sorotipo 3 da dengue como fator de preocupação e diz que essa condição “torna o cenário epidemiológico ainda mais propício ao aumento da transmissão de dengue em 2024 e a possibilidade de uma epidemia de maiores proporções que as já documentadas na série histórica do País”.
Para especialistas, a redução dos gastos com campanhas de comunicação reduz a mobilização contra a doença antes do verão, facilitando a proliferação do mosquito transmissor Aedes aegypti e, consequentemente, o aumento do número de casos da doença.
“Quando se reduz os gastos com publicidade em relação ao tema dengue, consequentemente você vai ter efeitos negativos sobre o comportamento da epidemia, uma delas é o relaxamento por parte da população no controle do vetor. Diminui também o compromisso do gestor no controle da doença, então as Prefeituras terminam relaxando porque esse tema parece que não é importante”, diz o infectologista Kleber Luz, coordenador do comitê de arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Para os especialistas, com os vários alertas emitidos no ano passado, as campanhas deveriam ter sido realizadas de forma mais precoce. “A gente tinha uma previsão de ter uma grande epidemia principalmente associada ao aumento da temperatura que veio junto com o El Niño e o próprio ministério já previa esse aumento. O interessante é que o investimento em comunicação seja feito no período interepidêmico, que vai de junho até o início de dezembro”, diz Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Mesma opinião tem Wanderson Oliveira, doutor em epidemiologia, professor universitário e ex-secretário de vigilância do ministério. “As campanhas de prevenção têm que ser feitas antes de os casos aumentarem, para as pessoas se atentarem e se co-responsabilizarem das ações. Isso deve ser feito com antecedência, antes da sazonalidade”, destaca.
Ministério diz que reforçou prevenção em 2023 e aumentou gastos com campanhas em 2024
Questionado, o Ministério da Saúde afirmou que “houve um reforço significativo nas campanhas de combate ao mosquito da dengue” em 2024, “com um investimento superior a R$ 40 milhões nos primeiros quatro meses do ano, representando um aumento de 33% em relação ao total investido em 2022″. A previsão, diz a pasta, é que o gasto com campanhas contra a dengue neste ano chegue a R$ 58 milhões, com “veiculações programadas até janeiro de 2025″.
A pasta não comentou especificamente os motivos da queda de gastos em 2023, mas disse que realizou outras ações de prevenção da doença no ano passado. “Ao longo do ano passado, foram realizados encontros com gestores municipais e estaduais para alertas sobre o possível aumento de casos, ocorreu a instalação da Sala Nacional de Situação, regularização dos estoques de insumos para o enfrentamento da doença, a primeira etapa da campanha nacional de combate ao mosquito e o repasse de R$ 256 milhões para reforço das ações de vigilância aos Estados e municípios”, destacou o órgão, em nota.
A pasta diz que, já 2024, ampliou os repasses em até R$ 1,5 bilhão para apoiar Estados e municípios em situação de emergência e coordenou, em parceria com o Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde (Conasems), o treinamento e formação dos profissionais de saúde e dos agentes de combate às endemias.
“O Ministério da Saúde também instalou o Centro de Operações de Emergência contra a dengue (COE Dengue) para coordenar, em conjunto com Estados e municípios, as estratégias de vigilância frente ao aumento de casos no Brasil, permitindo mais agilidade no monitoramento e análise do cenário para definição de ações oportunas para o enfrentamento da dengue”, disse.
O ministério disse ainda que a comunicação federal passa por um processo de modernização, com um trabalho de comunicação digital e exclusivamente orgânico, “o que possibilita atingir capilaridade para alcance do público geral”.
“O site do Ministério da Saúde é um dos mais acessados do governo federal, onde há informes, atualizações e campanhas relacionadas ao combate ao mosquito. Nas redes sociais, o Ministério da Saúde sistematicamente conta com ações de orientação e enfrentamento dentro da sua programação, incluindo personalidades de grande alcance atuando voluntariamente, não acrescido ao orçamento da campanha”, disse a pasta.
Sobre a priorização, em 2023, de investimentos em campanhas de comunicação voltadas para a vacinação, a pasta justificou que “as coberturas vacinais estavam em queda desde 2016″ e que o lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação “já mostra resultados positivos”, com a reversão da tendência de queda e aumento das coberturas vacinais de 13 das 16 principais vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
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