Governo prevê usar R$ 486 bi em subsídios e desonerações de impostos em 2024
Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) busca elevar a arrecadação para zerar o déficit nas contas públicas em 2024, a perda do governo com subsídios e desonerações de impostos é calculada pela Receita Federal em R$ 486 bilhões no ano que vem.
O valor, consequência de medidas legais aprovadas ao longo do tempo para diferentes setores, representa um avanço nominal de 6,5% contra o ano anterior e é mais um complicador para o governo na tarefa de reequilibrar o resultado primário e estabilizar o endividamento público.
Chamados tecnicamente de gastos tributários, esses cortes reduzem a arrecadação pública a partir de exceções nos impostos criadas para diminuir custos ao consumidor ou ao produtor. São concedidos aos diferentes setores da economia – principalmente comércio, serviço, saúde e agricultura (que, juntos, respondem por mais da metade do total).
A previsão é que as maiores desonerações em 2024 sejam concedidas aos optantes do Simples Nacional (R$ 118,8 bilhões), à agricultura (R$ 57,1 bilhões), aos rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda da Pessoa Física (R$ 40,2 bilhões), às chamadas entidades sem fins lucrativos (R$ 40,2 bilhões) e à Zona Franca de Manaus (R$ 35,1 bilhões).
As projeções foram calculadas pela Receita Federal no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, enviado pelo governo ao Congresso na última sexta-feira (14). Os dados mostram uma grande discrepância em relação à proposta de um ano atrás, que retirou das contas o Simples por um entendimento legal e afetou a base de comparação.
Em relação o Produto Interno Bruto (PIB), o valor avançou de 3,23% para 4,23% entre a proposta de 2023 e a de 2024. Em relação à arrecadação calculada pela Receita, de 16,2% para 18,8%.
Na comparação entre o PLDO de 2024 e a proposta de Orçamento de 2023 (que considerou o Simples e atualizou a conta dos gastos tributários para R$ 456 bilhões), há mais estabilidade. O avanço nominal dos gastos em 2024 passou a ser de 6,5%, enquanto em relação ao PIB continua na casa de 4,2% – após uma queda marginal de 0,06 ponto percentual.
De qualquer forma, os números mostram o tamanho da perda que a União continua tendo com os gastos tributários mesmo após sucessivos discursos pela redução. O valor previsto para 2024 é mais de três vezes o que a equipe econômica busca de receita (R$ 150 bilhões) com um pacote de medidas que inclui o aperto das regras contra fraudes no comércio eletrônico e a taxação do mercado de apostas esportivas.
O governo cita o problema dos gastos tributários na proposta enviada ao Congresso, dizendo que o teto de despesas criado pelo governo de Michel Temer (e que entrou em vigor em 2017) promoveu um incentivo à expansão do instrumento. Desde aquela época, era considerado um risco por analistas o fato de as despesas ficarem travadas para novas medidas – mas iniciativas de redução das receitas, não (levando a classe política, interessada em popularidade, a promover medidas desse tipo).
Em 2019, o ministro Paulo Guedes (Economia) iniciou o mandato pregando a necessidade de um corte nos gastos tributários – mas deixou o cargo com uma elevação na fatura.
“Será que a classe política já é madura o suficiente para assumir o protagonismo, para assumir o comando do Orçamento da União […]? Corta onde? Diminui os subsídios. Não somos uma fábrica de desigualdades? Não demos R$ 300 bilhões de desonerações fiscais?”, disse Guedes no começo do mandato.
O então “posto Ipiranga” de Bolsonaro chegou a articular a aprovação, na emenda constitucional Emergencial (de março de 2021, que permitiu a retomada do auxílio à população vulnerável naquele ano), da obrigação do governo enviar em até seis meses um plano para reduzir gradualmente incentivos e benefícios tributários.
O governo cumpriu o exigido e enviou a proposta, mas deixou de fora uma série de medidas. Mesmo assim, ela continua parada no Congresso – refletindo a falta de empenho da classe política para mexer com privilégios setoriais e reduzir aquele que é um dos principais gastos da União.
Agora, o ministro Haddad planeja fazer uma discussão maior sobre as isenções de impostos e promover uma reoneração de forma paulatina.
“Não posso fazer tudo ao mesmo tempo, porque não se vai fazer nada, vai paralisar o Congresso. Ele tem de ir cortando esse salame em fatias, para ir organizando”, afirmou o ministro em entrevista recente à Folha.
“Até porque a calibragem das medidas [tamanho de cortes ou gastos] depende de como as decisões forem tomadas. Mas vamos fazer no primeiro ano de governo.”
Segundo Haddad, o plano é fazer a revisão depois da reforma tributária – que ele imagina ser aprovada na Câmara em junho ou julho e no Senado em setembro ou outubro.
O ministro da Fazenda de Lula enfrentará resistências. Entre os pontos mais delicados, está a Zona Franca de Manaus – alvo de lobby frequente da bancada do Amazonas e das empresas lá instaladas.
Em discurso durante a transição, Haddad fez uma referência ao debate ao dizer que há questões políticas sensíveis a serem consideradas sobre o tema.
“Por dentro da reforma tributária é mais fácil fazer uma política mais justa do ponto de vista tributário.
Lembrando que, sim, há especificidades a serem consideradas. Fala-se sempre da questão da Zona Franca de Manaus, que tem uma especificidade”, afirmou.
“Tem que ser considerado? Tem. Tem questões políticas sensíveis a serem consideradas, sim. Mas há uma série de questões que precisam ser revistas”, disse.
Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma ser fundamental reduzir os gastos tributários, pelo volume expressivo e pela contribuição que a medida daria às contas públicas.
Ele defende que seja dada prioridade aos benefícios que geram menor retorno econômico e social, considerando, por exemplo, os empregos gerados. Marconi lembra, por outro lado, que as revisões enfrentam interesses políticos e a resistência de lobbies no Congresso e, por isso, defende uma redução gradual.
“Isso tem que ser feito de forma programada, planejada e anunciada. É difícil reduzir porque, uma vez que esses setores têm esses benefícios, a resistência a tirar é muito grande. Porque gera uma redução de custo, um aumento da margem de lucro, um ganho para alguém”, afirma.
Um dos benefícios citados por ele é o existente para tempos religiosos. “Não tem nenhuma justificativa do ponto de vista econômico igreja ter isenção tributária. Sei que tem uma dificuldade política, mas acho que a gente deveria rever tanto para os setores produtivos que geram pouco resultado do ponto de vista de emprego como para esse setor de igrejas”, afirma.
Diario do Comercio