Governo vai ao STF pedir para rever forma de pagar precatórios
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva recorreu ao Supremo Tribunal Federal para rever o pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), alterado pela chamada “PEC do Calote”, aprovada em 2021 e que fixou um teto anual para essas despesas. Com isso, o governo espera quitar cerca de R$ 95 bilhões de fatura acumulada e planeja alterar definitivamente como esses pagamentos são computados na contabilidade federal.
Essa PEC foi patrocinada pelo governo Bolsonaro e estabeleceu um limite anual com precatórios para abrir espaço para outros tipos de despesas, “rolando” o valor que extrapola esse teto. Como essa regra vale até 2026, a previsão é de que, em 2027, o governo seja obrigado a pagar todo o valor que ultrapassou os limites anuais e ficou acumulado desde 2022. Essa quantia chegaria a R$ 250 bilhões, segundo projeção do Ministério da Fazenda.
O governo alega que a limitação imposta pela PEC é inconstitucional e deixou a União em moratória por não pagar uma dívida líquida e certa. A Advocacia-Geral da União (AGU) vai defender no STF a inconstitucionalidade desse dispositivo, que “pedalou” o pagamento de precatórios, gerando uma bola de neve para as contas do governo.
Para contornar o impacto fiscal, o Ministério da Fazenda traçou uma estratégia. Em caso de decisão favorável do STF, o plano é apresentar um pedido de abertura de crédito extraordinário ao Congresso para pagar todo o valor atrasado, avaliado em R$ 95 bilhões — sendo R$ 65 bilhões de precatórios acumulados e não pagos, mais a previsão para os pagamentos de 2024.
A alegação preparada pelo Ministério da Fazenda é que a quitação do estoque não era esperada e, como se trata de uma despesa extraordinária, deve ser liberada do limite do teto de despesas do novo arcabouço fiscal.
Solução não é simples
A solução apresentada pelo governo Lula ainda depende de um série de fatores. Em primeiro, o STF precisa decidir pela inconstitucionalidade da PEC. E, depois, o Congresso precisa aprovar o crédito extraordinário com valor elevado – valor esse que ficará fora do limite de gastos da nova regra fiscal.
Além disso, caso o Supremo dê o sinal verde, a forma de contabilizar os precatórios na contabilidade federal também muda. Essas despesas serão desagregadas permanentemente, o que significa que valor principal da dívida será tratado como uma despesa primária – ou seja, será contabilizada no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e, consequentemente, na meta fiscal do governo; e entrará na lista de gastos submetidos ao teto.
Já o que for referente ao pagamento de juros será separado e tratado como despesa financeira – ou seja, não será contabilizado no resultado primário e, consequentemente, na meta fiscal. A alteração é uma saída ao que o governo atual considera uma “moratória” no pagamento de precatórios. Isso porque, com o limite anual, o que extrapolava o teto era acumulado. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou ao Estadão que essas obrigações são uma dívida do governo, que estava sendo subestimada nas estatísticas oficiais, pois não era contabilizada com essa classificação. Essa alteração contábil, portanto, deverá elevar a dívida pública, segundo ele, “no dia seguinte”, em um ponto porcentual do PIB.
“Para nós, para além do fiscal, os efeitos econômicos e reputacionais são o que importa para sair dessa”, afirma Ceron. “Essa é uma solução que conseguimos emplacar com razoabilidade técnica. O País está em moratória perante investidores. Se eu não pago uma parte dos meus credores (os donos de precatórios), que segurança eu dou para outra parte dos meus credores que eu não vou estender isso?”, questiona.
Segundo o secretário, em um ano após a aprovação da PEC, o governo ampliou em R$ 130 bilhões os gastos do governo para rolar sua dívida, em razão do impacto que a medida provocou na confiança de investidores internos e externos.
A mudança de classificação de parte da dívida com precatórios para despesa financeira é objeto de debate entre economistas fiscalistas, que alegam que o manual do Fundo Monetário Internacional (FMI) trata as despesas judiciais como primárias. Isso significa que, para o fundo, deveriam ser contabilizadas no resultado primário.
Ceron nega, contudo, que a medida seja uma manobra de contabilidade criativa, como sugeriram os críticos quando os estudos da equipe econômica começaram. O temor desse grupo de economistas é justamente que o governo promova a mudança para melhorar o resultado das contas públicas.
Segundo o secretário, a mudança não vai abrir espaço para novos gastos no Orçamento, ainda que o governo deixe de pagar integralmente o valor dos precatórios com recursos primários (orçamentários) no futuro. Ele acrescentou que o pedido para a abertura do crédito extraordinário para o pagamento do estoque também terá como pano de fundo este compromisso do governo. “(No pedido) A frase é exatamente assim: autorizar a abertura de crédito extraordinário para a quitação do estoque de precatórios, expedidos e não pagos, deduzidas as dotações orçamentárias previstas para pagamento de sentenças na proposta orçamentária de 2024″, garantiu.
O argumento do secretário do Tesouro é que, do ponto de vista do arcabouço jurídico brasileiro, não há dúvidas de que os juros têm natureza financeira na contabilidade pública. “(A medida) Não gera economia de recursos e não gera espaço fiscal. O montante reservado para sentenças judiciais continua do mesmo jeito. Não vai tirar nenhum real de despesa primária do orçamento”, disse Ceron. “Vou bater nessa tecla que o País está em moratória perante os investidores externos.” Para ele, a proposta dá um caminho técnico para o STF no caso de a emenda ser declarada inconstitucional, uma vez que há duas ações em discussão na Corte questionando a constitucionalidade da PEC.
Correio do Povo