ICMS: Sem equilíbrio fiscal, RN não atrairá investimentos privados, afirma André Horta

“O desequilíbrio fiscal do estado não afeta só a cidadania, que fica desassistida de saúde, educação, segurança, recuperação de estradas e tantos serviços estaduais. Além disso, prejudica os negócios: um estado sem recursos, com esse desequilíbrio fiscal sanável, não fica atrativo para investimentos privados”. A opinião é do diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) e ex-secretário de Tributação do RN (2015-2018), o auditor fiscal André Horta.

Em entrevista exclusiva ao NOVO, ele explica porque o retorno da alíquota modal de 20% para o Imposto sobre Circulação e Serviços (ICMS) não é de maneira alguma elevação de tributos. E vai além: demonstra que a alíquota correta para o RN conseguir recuperar as perdas dos últimos anos poderia ser de 24%. Na avaliação do ex-secretário, somente um percentual que financie as particulares e atuais necessidades do estado devolverá ao Rio Grande do Norte as condições financeiras que os outros estados brasileiros possuem.

André Horta era o secretário de Tributação quando o RN ajustou a alíquota de 17% para 18% e explica a seguir todo o contexto desse debate que agora está se dando dentro da Assembleia Legislativa. Ele aproveita para fazer um alerta: se o Estado não fizer seu ajuste fiscal de maneira adequada, com a Reforma Tributária, “vai pagar o IBS igual aos demais, mas uma parte do que for pago no RN será distribuída para outros estados que reequilibraram sua alíquota de ICMS”.

Confira os principais trechos da entrevista:
O contexto da alíquota no RN

“As últimas alterações do ICMS e do ITCMD no Rio Grande do Norte em 2016, elas vieram como consequência da grande recessão brasileira de 2015 e 2016. As receitas dos estados experimentaram um lento período de recuperação a partir de 2017 e só retornariam ao mesmo nível de 2014 em 2020. Mas já fora da trajetória crescimento das obrigações, do crescimento do custo da oferta de serviços estaduais. Nesse período as despesas foram refreadas, na medida do possível. Investimentos quase zeraram. E quando não há gasto do estado nas crises, a tendência é pró-cíclica, é de aprofundamento dos vieses recessivos. Ali era preciso gastar, investir para se recuperar. E só a União poderia auxiliar naquela hora, o único ente que pode se endividar e proporcionar aos demais entes a capacidade de investimentos no momento em que a economia precisa de estímulo. Mas não ocorreu, nosso federalismo de cooperação é muito defeituoso em relação aos estados.”

As particularidades do RN

“Em dezembro de 2014, o RN só tinha conseguido pagar a folha estadual porque houve a autorização da Assembleia para utilizar o Fundo Financeiro Unificado. Havia, portanto, uma questão estrutural e fiscal particular, preexistente ao colapso nacional da economia. O Fundo era uma solução provisória, que se esperava que fosse sucedida por um crescimento da economia e da arrecadação. O que aconteceu foi o contrário, o país mergulhou na crise e enredou-se uma dificuldade estrutural local recente com a grande recessão brasileira cujo tamanho superou a crise de 29. Naquela crise, a União não se movia e, no campo das forças próprias, em 2015 as fazendas estaduais propuseram um pacote de medidas costurado nacionalmente em 20 de agosto, na 2ª Reunião Extraordinária do Consefaz (ainda se escrevia com “n”). Produziu-se uma carta dessas diretivas aos governadores e vinte deles a aprovaram. Consistia em medidas para os estados recuperarem o equilíbrio fiscal num cenário parecido com o de hoje, de queda de receitas e necessidade de sua recomposição. A mais emblemática delas era a renivelação da alíquota modal do ICMS de 17% para 18%. A estimativa, sem estudos mais aprofundados que a endossasse, ficou abaixo da necessidade, como logo se viu em 2016. Procurando outras saídas, como a maioria dos estados tinha dívida com a União, começaram a conseguir decisões judiciais para suspender o seu pagamento e completar o caixa para tocar as contas. A União então, finalmente, saiu-se com um pacote de auxílio aos estados, mas que consistia basicamente no que ela já vinha suportando por decisão judicial, uma repactuação de dívidas com ela.”

Estado ficou desassistido

“O Rio Grande do Norte tinha quitado sua dívida com a União, não tinha o que suspender. Então, simplesmente ficou desassistido, num caso de abandono pela União sem precedentes na triste história de nosso federalismo recente. Ademais que o RN estava em situação diferenciada dos demais estados. Enquanto a crise chegou para a maioria num status de algum equilíbrio fiscal, ainda assim eles tocaram investimentos com a moratória da dívida. O RN tinha um desnível de contas locais sendo administrado, o qual se somou à grande crise nacional e depois não recebeu nada do chamado plano de auxílio do governo federal.”

O novo ICMS de 18%

“O ‘novo’ Comsefaz só foi organizado em dezembro de 2018 e institucionalizado em 15 de janeiro de 2019, já na presidência do então secretário de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles. Antes dessa institucionalização eu presidi (2015-2018) uma versão módica do Comsefaz, que era só uma espécie de protocolo de intenções que me tornava interlocutor das fazendas estaduais, mas sem estrutura, sede ou outro apoio. A partir de ali, não só a competência do então presidente, hoje governador do PI, Rafael, importou muito para o início da entidade, mas também a melhora das condições com que os estados enfrentaram as novas e profundas dificuldades, como a da pandemia, agora com um coordenador de pleitos embasados por estudos que o Comitê ia produzindo, quando já tinha em mãos cálculos conjunturais de nossa realidade de forma tempestiva às discussões políticas que se colocavam. Já se podia exigir do governo federal um auxílio do tamanho da crise que instalava. Tínhamos uma iniciativa perene do Comsefaz em Brasília, uma liderança alimentando com dados diuturnamente o presidente da Câmara para contrapor os dados desencontrados com os quais o governo federal media a crise dos estados. A atuação política e técnica conheceu outro patamar.”

A perniciosa Lei Complementar n.º 194

“O mesmo se deu na aprovação da perniciosa Lei Complementar n.º 194/22, que retirou mais de cem bilhões da arrecadação dos estados no primeiro ano da lei, considerada inconstitucional por dez entre dez juristas e especialistas ouvidos pelo Supremo Tribunal Federal, em uma audiência histórica sobre o tema. Nesse novo desafio, nem esperávamos uma assistência do governo federal na nova crise, afinal ele era o propositor do projeto da lei. Quando a lei foi aprovada, imediatamente levantamos os dados da arrecadação de cada estado e foi proposto algo modesto: uma nova alíquota modal de reequilíbrio para não entrar em 2023 com menos recursos que 2022. No caso do Rio Grande do Norte, a alíquota de equilíbrio com base em 2022 foi de 22,3%. Esse reequilíbrio calculado para os estados, em nenhum caso é aumento de imposto: o cálculo foi para reparação do status de 2022, sem a subtração dos recursos pela Lei, o que não configura devolver a uma situação de nenhum paraíso de recursos públicos. Foi para mera manutenção da arrecadação. Os cálculos foram feitos utilizando como parâmetro as arrecadações dos anos de 2021 e 2022, mas por padrão, após discussão com os pesquisadores, eles orientaram trabalharmos com os números de 2022 nas cartas de recomendação às fazendas, por representarem a realidade mais próxima. O RN teve iniciativas administrativas e eventos econômicos em 2022 que sensibilizaram positivamente a arrecadação, pois o cálculo da alíquota de equilíbrio com números de 2021 daria um pouco maior, daria 23%. Lembrando que, para o RN, há as outras circunstâncias anteriores que não estão nessa conta”

Modal de 2016 poderia ter sido, pelo menos, 19%

“Se tivéssemos essa assistência técnica atual do Comsefaz lá em 2015, o colegiado nacional que deliberou as medidas de recuperação teria condições técnicas de propor alíquotas diferenciadas por estado, adequada às diferentes realidades deles. Poderia, por exemplo, ter sido proposto 19% e não 18% como nova modal para 2016. Mas eram outros tempos.”

Alíquota atual poderia ser de 24%

“Se formos pautar os cenários disponíveis com a maior prudência, existem dados na mesa que sugerem uma alíquota do Rio Grande do Norte de até 24%, para dar ao estado condições financeiras semelhantes às dos demais atualmente. Basta que se considere o comportamento da economia do estado em 2021, ano imediatamente anterior dos períodos considerados, que projeta 23% de alíquota, e mais 1% que poderia já estar compondo a alíquota desde 2016. Esse fato de se igualar às condições dos demais estados, repito, não é nenhum paraíso de retomada espetacular de investimentos. É apenas garantir condições fiscais isonômicas.”

O perigo da Reforma Tributária

“E pense no IBS, o novo imposto que sucederá o ICMS daqui a poucos anos. Um Comitê Gestor do IBS vai fazer a divisão do bolo tributário entre os estados, por 49 anos, a partir da posição da arrecadação do estado em relação aos outros, utilizando como referência o período de 2019 a 2026. O RN está com uma alíquota inferior a suas obrigações fiscais todo esse período até esse ano. Estou considerando mesmo antes de 2023, que já poderia ser de 19%. O que isso significa é que quando a situação fiscal do estado se estabilizar em outro momento futuro, o estado vai pagar o IBS igual aos demais, mas uma parte do que for paga no RN será distribuída, pela proporcionalidade prevista na reforma tributária, para outros estados que reequilibraram sua alíquota de ICMS nesse intervalo. Quem manteve desequilibrada a alíquota nesse período terá uma desvantagem de meio século. E não haverá o que reclamar no futuro, pois a regra é clara desde dezembro de 2022. Então os próximos dois anos são estratégicos para a geração vindoura. Acho que, até como acordo, se não houver uma compreensão mais benéfica, se poderia pensar em 24% pelo menos nos próximos dois anos, já que se teve 2024 a 18% contando pra baixo, e depois fixar nos 22,3% indicado pelos números da pesquisa para 2022. O ganho ou perda futura do estado serão medidos em bilhões nesse caso.”

População e investimentos prejudicados

“Eu fiquei surpreso com a redução da alíquota esse ano, acho que se poderia ter ido por outro caminho. O desequilíbrio fiscal do estado não afeta só a cidadania, que fica desassistida de saúde, educação, segurança, recuperação de estradas e tantos serviços estaduais. Além disso, prejudica os negócios: um estado sem recursos, com esse desequilíbrio fiscal sanável, não fica atrativo para investimentos privados. Enfraquecer a consistência das receitas governamentais é prescindir de investimentos públicos cuja aplicação tem efeito multiplicador para toda a economia. Que levam a um crescimento do PIB muito maior que o investido. Espero que o bom diálogo e o debate público levem as autoridades a se congregarem em favor da retomada desse equilíbrio fiscal do estado.”

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Postado em 19 de novembro de 2024