Indígena potiguar ganha prêmio nacional de melhor tese da área de Comunicação

De Natal-RN, “morena” na certidão de nascimento e, por algum tempo, autodeclarada parda, a pesquisadora doutora Andrielle Cristina Moura Mendes Guilherme, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), só começou a investigar suas verdadeiras origens em 2020, quando já estudava povos originários. E foi com esse tema que se tornou a primeira indígena a vencer o Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela (2023) na categoria “tese”.

A premiação concedida anualmente pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) reconhece pesquisas acadêmicas de destaque na área de Comunicação. A cerimônia para a entrega será realizada em 4 de julho, no Encontro Anual da Compós 2023, em São Paulo.

Denominada “Comunicadoras Indígenas e a Descolonização das Imagens”, a tese se Andrielle Mendes foi escolhida como a melhor defendida na área em 2022 em todo o Brasil. O trabalho que concedeu o título de doutora à premiada foi orientado pelo professor doutor Juciano de Sousa Lacerda, vice-coordenador do do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PpgEM/UFRN). “Isso é de uma magnitude para nosso programa. Um reconhecimento ao conhecimento produzido”, declarou ele em material de divulgação do prêmio feito pela PpgEM.

A pesquisa mapeou estratégias usadas por comunicadoras indígenas brasileiras para propagar suas ideias e como essas narrativas ajudam a enfrentar estereótipos e racismo.

“Ao reivindicar a liberdade de escolher como querem ser vistas, as comunicadoras indígenas buscam se autodefinir a partir de um ponto de vista diferente do que costuma circular nos meios de comunicação.”, explica a pesquisadora, detalhando que mídias diversas têm sido utilizadas para tentar “descontruir as imagens racistas e imperialistas propagadas a respeito dos povos originários e comunidades tradicionais, retratados pela mídia de massa como indivíduos e coletividades que devem ser mantidos sob tutela ou vigilância do Governo”.

Metodologia
Andrielle inova ao propor a metodologia Catografia, que consiste em coletar grafias: “Cato vem de catar e grafia é outra forma de dizer palavra ou escrita. A matéria-prima principal são as narrativas das comunicadoras. Na tese, imagem e texto são sinônimos, já que as imagens podem ser tanto mentais, linguísticas e visuais.”

Segundo ela, a abordagem metodológica é inspirada na prática social de catadoras e coletores oriundos de grupos sociais discriminados historicamente, como pessoas negras, em especial os quilombolas, e os povos indígenas.

“Embora tenha sido pensada para desinvisibilizar as narrativas de povos indígenas brasileiros, ela pode ser adaptada para visibilizar as narrativas de qualquer grupo historicamente discriminado que vise a sua autodeterminação através da apropriação da mídia com vistas a descolonizar as imagens. Essa foi a abordagem que eu criei para analisar o que as comunicadoras indígenas fazem para propagar as suas ideias (quais estratégias midiático-comunicacionais elas usam), que ideias elas ativam e colocam em circulação, e como essas narrativas ajudam a construir uma outra visão sobre o mundo.”, detalhou.

Andrielle foi “catar” informações para elaborar a abordagem de sua pesquisa nas aldeias Katu, Marajó, Amarelão no Rio Grande do Norte, e Tracoeira e Alto do Tambá e na Baía da Traição/Paraíba. As comunicadoras entrevistadas foram Graça Graúna (RN), Aline Rochedo Pachamama (RJ) e Márcia Kambeba (AM).

A pesquisa propõe olhar a Comunicação considerando a diversidade social do Brasil, saberes e práticas de povos originários, como o povo Potiguara. Para a pesquisadora, o prêmio traz um pouco mais de visibilidade para o movimento indígena do Nordeste e do Rio Grande do Norte, único estado brasileiro sem terra indígena demarcada, em um momento em que as comunidades se sentem ameaçadas pelo esvaziamento do Ministério dos Povos Indígenas e avanço do projeto de lei que limita a demarcação de terras indígenas.

Retomada
Andrielle Mendes conta que sempre viveu na cidade e só passou a se autodeclarar indígena em 2020 depois de ser reconhecida como “parente” por outros indígenas. Na tese, lembra: “um pajé falou que a minha ascendência indígena era muito forte”. Foi aí que iniciou o processo de retomada, investigando sua ascendência.

A mãe já se declarava indígena antes disso, mas Andrielle cresceu lendo e ouvindo que indígenas era quem vivia em aldeia e de caça e pesca. Pior: que eram preguiçosos e selvagens. Ela não era assim.

“Como muitos dos potiguares, eu cresci desconhecendo parte de minha história e sem vínculo com minha comunidade de origem. O que sei, até o momento, é que o meu avô materno nasceu em território ancestral do povo Potiguara (em Pirpirituba, na Paraíba) e meus avôs paternos nasceram em território ancestral do povo Janduí (Saco, hoje Itajá, e Sacramento, hoje Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte).”

Ela também ressalta que nunca lhe apresentaram autores indígenas, nem na escola nem na universidade. E mesmo na academia, seguiu por muito tempo sem saber que existiam, indgenas pesquisadores, como ela. Diante dessa lacuna na bibliografia das escolas e universidades e do apagamento dos pesquisadores e cientistas indígenas na produção da ciência, decidiu cursar Pedagogia. Está no primeiro semestre da graduação da UFRN.

“É para contribuir com uma educação que leve em conta as questões étnico-raciais e cumpra o que determina a Lei nº 11.645, de 10 março de 2008, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Embora a lei não preveja a obrigatoriedade nos estabelecimentos de ensino superior para os cursos de formação de professores (licenciaturas), quero trazer essa discussão para dentro das instituições de ensino superior também.”, revela.

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Postado em 27 de maio de 2023