Isolado em meio aos dois grandes blocos da Câmara, PL vê bancada dividida
Abrigo de Jair Bolsonaro e de seu clã após naufragar a tentativa da família de criar um partido próprio, o Aliança Pelo Brasil, o PL colheu os frutos da união com o então presidente nas eleições de 2022. Saiu fortalecido com 99 deputados federais e oito senadores eleitos, além de dois governadores. A derrota de Bolsonaro no embate com Luiz Inácio Lula da Silva , no entanto, levou a sigla a um ambiente desconhecido: a oposição. O PL, afinal, foi aliado de todos os presidentes da República desde o primeiro mandato de Lula, iniciado em 2003, quando ocupava a vice-presidência, com José Alencar (1931-2011). O que parecia um horizonte perfeito para voos ainda maiores a partir do sucesso das urnas transformadas-se em grandes nuvens de cinza.
Surpreendentemente, em pouco tempo, o PL anabolizado, que parecia vocacionado a dar as cartas no jogo político, está isolado. Por uma decisão de seu cacique principal, Valdemar Costa Neto, a sigla ficou de fora dos dois grandes blocos que se formaram na Câmara. Em comum, ambos são de centro, flertam com o governo e reúnem muito mais parlamentares que o PL. O partido poderia compensar essa momentânea com a união interna, mas o que se vê é um PL dividido, com uma bancada que inclui expoentes do bolsonarismo e deputados simpáticos a Lula. Até o seu grande carro-chefe, a presença de Bolsonaro, tornou-se uma incógnita, diante da possibilidade de o TSE torná-lo inelegível.
Um dos principais desafios do momento para o PL é como agir em meio aos superblocos da Câmara, que alteraram a mecânica de forças dentro da Casa. A primeira aliança, anunciada há duas semanas, alinhada MDB e PSD, à frente de três ministérios cada na esplanada de Lula, com Republicanos, Podemos e PSC, em um bloco de 142 deputados. Em resposta, Arthur Lira (PP-AL) colocou seu próprio bloco na rua, em proporções ainda maiores. Fora seu partido, o PP, o grupo inclui União Brasil, PDT e PSB, que ocupam sete ministérios do governo, Avante, Solidariedade, Patriota e federação formada por PSDB e Cidadania. No total, 173 deputados. Além de pôr fim à formação do Centrão como o grupo era conhecido sob Jair Bolsonaro, com Lira à frente da coalizão de PL, PP e Republicanos, a nova articulação dos blocos antecipa movimentos relacionados à sucessão do comando da Câmara: de um lado, Marcos Pereira (SP), presidente dos Republicanos; do outro, Lira e sua intenção de ver como seu sucessor o deputado Elmar Nascimento (União-BA).
Nesse contexto, o PL aposta todas as suas fichas em virar o grande fiel da balança. Valdemar Costa Neto tem dito a interlocutores que a formação dos blocos foi um erro, atribuído por ele à influência da articulação política do governo. Para o cacique, ao tentar fragmentar o Centrão, acabou-se levando à sua “multiplicação”. Valdemar também considera que, por ter cerca de um quinto dos votos na Câmara, o PL é estratégico para acordos em quaisquer projetos legislativos, além, é claro, de ter um peso decisivo na aceitação precoce da sucessão de Lira. Entrar para algumas das composições que incluem legendas claramente governistas, pensam o presidente do partido e outras lideranças, seria desfigurar o PL enquanto herdeiro dos votos da direita no Brasil e descaracterizaria seu viés conservador e liberal. Os blocos, segundo essa avaliação, “valorizaram o passe” da legenda. “Nosso partido hoje é fundamental. O lado em que estivermos será o vencedor”, diz o líder do PL, deputado Altineu Côrtes (RJ).
Políticos de outros partidos não descartaram diálogo com o PL, em razão do peso inegável de sua bancada, mas relativizam essa avaliação otimista feita por Valdemar Costa Neto e companhia. Um dos principais motivos para ponderações é o fato de a bancada de deputados do partido ser formada por uma maioria de bolsonaristas, parte deles inexperiente politicamente e radical, e uma ala com pouco mais de vinte deputados que se poderia classificar como “centrão raiz”, ou seja, pragmáticos e dispostos a dialogar com o governo, seja ele qual for, como sempre foi do feitio da legenda. Nessa avaliação sobre o saco de gatos do partido, políticos mais céticos da unidade do PL relembram o cisma provocado por Jair Bolsonaro dentro do PSL, que acabou por implodir a legenda, depois fundida com o DEM para originar o União Brasil. “O PL dificilmente se manterá unido até o final da legislatura”, prevê o analista Antonio Augusto de Queiroz, ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Fato é que, na falta de provas expressivas em votações no Congresso, a divisão da bancada e como ela vai se comportar ainda é um cenário nebuloso. “Por enquanto não houve problemas, também porque não teve teste ainda”, admite um deputado do PL que frequenta o círculo mais próximo de Valdemar Costa Neto.
As lideranças do PL minimizam a divisão em sua bancada na Câmara e afirmam que o governismo da ala simpática a Lula já está precificado e não impacta no ímpeto oposicionista do partido. Uma reunião entre os deputados recentemente buscou pacificar a situação e parar arestas internamente. No encontro, representantes da ala bolsonarista, que é liderada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, ouviram as razões para o posicionamento dos colegas, cujos mandatos representam, sobretudo, estados do Nordeste. Esses deputados justificaram a posição por não terem visibilidade e serem pautados por uma atuação “municipalista”, dependentes, portanto, de relações com o governo para levar emendas, obras e recursos às suas bases. Ao final, ficou determinada a convivência entre os dois grupos. “Nas questões caras ao nosso partido, como família, pautas que o presidente Bolsonaro defende, nossa bancada estará sempre 100% unida”, diz o líder, Altineu Côrtes. Uma versão
Além dos dilemas do PL no âmbito do Congresso, o partido também se vê diante das dores e amores de estar unido com o clã Bolsonaro. Ao mesmo tempo que isso representa um grande ativo político, o casamento implica carregar os problemas da família e atrelar boa parte da agenda futura do partido aos interesses do ex-presidente e de seu entorno. Para 2024, cogita-se uma candidatura do senador Flávio Bolsonaro à prefeitura do Rio de Janeiro, berço político do clã, onde, aliás, as coisas não andaram calmas ultimamente. O governador Cláudio Castro ameaçou sair do PL por desentendimentos com a cúpula do partido a respeito do comando da sigla no Rio, mas acabou se acertando, pelo menos por ora.
Enquanto atua para colocar panos quentes em situações como essa, Valdemar vem consultando advogados como o ex-ministro do TSE Tarcisio Vieira de Carvalho e Marcelo Bessa, preocupado com a questão da inelegibilidade de Bolsonaro, alvo de uma ação no TSE em razão de ataques ao sistema eleitoral quando ocupava o Palácio do Planalto. Ouviu deles que não há materialidade para inelegibilidade. Entenda-se no partido, contudo, que o risco é político. Na cúpula do PL, informações sobre uma eventual candidatura do ex-presidente ao Senado em estados onde o bolsonarismo é forte, garantindo-lhe uma eleição tranquila, foram interpretadas como “balão de ensaio” para atenuar a pressão do TSE e do PT sobre ele .
Diante da possibilidade de não ter o capitão em condições legais de disputar em 2026, a alternativa da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tem sido aventada. Fala-se também na hipótese de atrair ao partido nomes de fora, como o do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), cuja eventual filiação tem muita simpatia de Valdemar. “O PL tem Bolsonaro como grande cereja do bolo. Se ele ficar inelegível, vai transferir seus votos para outra pessoa, que talvez não tenha a rejeitar que ele tem. Se acontecer, vão dar um tiro no pé e dar mais força à direita”, avalia o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ). Em Brasília, os políticos experientes apostam que Valdemar Costa Neto, como bom pragmático, seguirá de braços dados com Jair Bolsonaro e com todo o “pacote” que o acompanha apenas até o momento em que a relação passe a lhe dar mais dores de cabeça do que frutos. A eleição de 2024, dizem esses observadores, é estratégica para o cacique como ponto de partida para uma eventual “independência” em relação ao ex-presidente. Uma base forte de prefeitos, afinal, pode esperar a eleição de uma robusta bancada de deputados em 2026, ocorrendo o que acontece na relação entre o imprevisível clã e o dono do PL.
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