Itamaraty vê como grave encontro de embaixador de Israel com Bolsonaro
A atitude do embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, de se reunir com Jair Bolsonaro na quarta-feira foi considerada nos corredores do Itamaraty como uma quebra grave de protocolo, uma intromissão na política doméstica e uma relação complicada com um personagem público que está inelegível.
As informações foram obtidas em uma apuração que envolveu contatos com quatro embaixadores brasileiros, em Brasília e no exterior. Além deles, um mediador estrangeiro de conflitos e dois diplomatas brasileiros de médio escalão foram consultados. Oficialmente, o Itamaraty apenas diz que a prioridade é a retirada dos 34 brasileiros de Gaza.
Existiriam duas opções: o envio de um protesto formal por parte do Itamaraty ao governo de Israel ou até mesmo a retirada temporária do embaixador do Brasil em Tel Aviv.
A decisão dentro do governo foi a de abafar a crise. Qualquer ruptura com Israel, neste momento, aprofundaria as dificuldades para retirar os brasileiros que estão em Gaza.
O gesto, segundo experientes negociadores estrangeiros, é raro. Membros do alto escalão do governo Lula indicaram que, no atual contexto, ele amplia um racha na sociedade brasileira.
Certos embaixadores chegaram a alertar que o encontro sinaliza até mesmo que Israel continua considerando Bolsonaro como um ator legítimo da política nacional, mesmo diante dos atentados golpistas de 8 de janeiro, dos processos que existem contra o ex-presidente e diante do fato de ele estar impedido de se candidatar.
O encontro foi classificado internamente como uma violação de alguns dos principais pilares da diplomacia e uma provocação deliberada.
Antes do evento ao lado de Bolsonaro, Zonshine esteve no Itamaraty. Era o terceiro encontro entre o embaixador e a chancelaria brasileira, no esforço de encontrar um caminho para a situação dos brasileiros em Gaza. Mas o fato de ele não ter feito qualquer comentário sobre o encontro que teria com a oposição foi considerado no Itamaraty uma atitude deselegante.
A manobra é também vista como uma tentativa de Bolsonaro de argumentar que foi seu encontro com o embaixador que desbloqueou a saída dos brasileiros. A cronologia desmente. Na semana passada, o governo brasileiro se reuniu com o chanceler de Israel e foi indicado que a inclusão dos nomes poderia ocorrer até meados desta semana. Como houve dois atrasos na retirada de pessoas que estavam em listas prévias, o processo foi inteiro afetado.
Em qualquer outra ocasião, a atitude de um embaixador estrangeiro seria alvo de uma ação imediata por parte do governo, pois foi visto como uma intromissão aos assuntos domésticos do país, especialmente diante da aproximação a um personagem declarado como inelegível.
Ninguém nega que a relação vive um claro momento de deterioração, inclusive com a decisão do governo brasileiro, por meio de Celso Amorim, de falar abertamente em “genocídio” em Gaza.
Mal-estar entre serviços de inteligência
Ao caso do envolvimento do embaixador, soma-se o que foi visto como uma intromissão do serviço de inteligência de Israel, o Mossad, em assuntos relacionados à segurança no Brasil. O meio escolhido foi a divulgar um suposto risco de atos terroristas no país contra judeus e envolvendo o Hezbollah.
Neste caso, coube ao Ministério da Justiça reagir e indicar que apenas as forças brasileiras vão determinar, por meio de investigação, uma suspeita de terrorismo.
Fontes em Brasília indicaram ao UOL que tal iniciativa ocorre depois de um mal-estar entre os serviços de inteligência do Brasil e de Israel. Tel Aviv havia ficado irritada diante das ações da Justiça brasileira e da Polícia Federal indicando as operações do governo de Jair Bolsonaro na tentativa de compra de equipamentos israelenses de escuta e monitoramento.
O governo de Benjamin Netanyahu, com a derrota de Bolsonaro, perdeu um precioso aliado na América Latina. O ex-presidente foi o único chefe de governo brasileiro que optou por votar ao lado dos EUA em resoluções na ONU, em defesa de Israel.
Violando resoluções do Conselho de Segurança, o Brasil ainda sinalizou que mudaria sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, o que implicaria reconhecer que a cidade sagrada é a capital de Israel. A mudança jamais ocorreu.
Netanyahu viajou até a posse de Bolsonaro e, ao longo dos quatro anos de mandato do brasileiro, foram diversas as viagens e encontros entre ministros dos dois países.
A aliança, porém, não tinha qualquer relação com a defesa dos judeus contra os grupos palestinos, e sim uma sinalização clara de Bolsonaro à sua base evangélica.
UOL