Manter segredos pode trazer alegria e bem-estar, mostra nova pesquisa
Numa era em que não há freios para o que se expõe sob os holofotes das redes, segredos se revelaram artigos raros. Ter um clique em uma vitrine virtual de amplo alcance, afinal, acaba funcionando como um estímulo incontornável para contar tudo a vastas placas, específicos que reconfiguram o próprio conceito de intimidação. É neste ambiente de compartilhamentos a todo que uma nova pesquisa desponta no cenário lembrando: guardar sentimentos, conquistas e novidades para si mesmo tende a produzir um imenso bem, sobretudo quando são positivos, como uma mudança de patamar profissional à vista ou uma relação afetiva que está por se estabelecer. O silêncio aí pode ser a chave para atravessar estas chacoalhadas da vida com mais plenitude, afirmam os especialistas envolvidos na investigação. Postar, nem pensar.
O estudo, conduzido pela Universidade Columbia, em Nova York, e recém-publicado no periódico científico The Journal of Personality and Social Psychology , reuniu quase 3 000 pessoas de diferentes idades, distinguindo aquelas que, diante de uma boa nova, divulgaram o fato das que o preservam para si. Conclusão: a turma que costuma manter segredo apresenta níveis mais elevados de satisfação diante de suas realizações. “Quando a pessoa não passa a história futura, ainda que por um tempo, ela consegue absorver-la melhor, fazer uma reflexão e extrair dela mais prazer, sem interferências”, analisou a VEJA Michael Slepian, professor de psicologia que coordenou a pesquisa, autor do livro O Segredo dos Segredos .
No momento em que o período de descrição é rompido, o que em muitos casos ocorre, os efeitos do compartilhamento (para usar o vocabulário da vez) são mais intensos, diz Slepian. Isso vale, inclusive, para assuntos bem terrenos. “Decidi fechar a compra de um apartamento, segurai aquilo para mim, saboreei a ideia e, ao falar aos outros, foi bom demais dividir este passo”, relata a especialista em marketing Beatriz Trindade, 30 anos.
Como tudo o que é excessivo, trancar-se e não repartir nada com ninguém — nem uma angústia profunda com um amigo em quem se deposita a maior confiança — pode trazer desdobramentos indesejáveis. Muitos estudos já foram feitos sobre as consequências do confinamento em si mesmo, muitas vezes motivados por medo, culpa ou vergonha de causar algo ruim à sociedade. “Ao guardar um segredo que a atormenta, a pessoa acaba ruminando aquele pensamento e às vezes amplifica perigosamente o incômodo”, observa o psicólogo Vicente Cassepp-Borges, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ao fechar-se dispensando um olhar de fora, capaz de pesar os fatos com a vantagem de mantê-los uma distância, corre-se o risco de uma exaustão física e psicológica, segundo outro levantamento da Universidade Columbia, que alerta: transtornos como ansiedade e A depressão pode brotar em situações nas quais um segredo doloroso é desligar as sete chaves.
No território das boas notícias, em que um como nas redes funciona como um selo de aprovação, a exposição da intimidade, as realizações e vitórias predominam, num ciclo em que é preciso ter a cada dia o que contar — um outro extremo, em que o espaço para informações não compartilhadas encolhe. “Nestes tempos, as pessoas têm necessidade não só de vencer, mas de mostrar isso, para colher aplausos que são tão importantes quanto o próprio acontecimento, sem lugar para segredos”, avalia o antropólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. Uma armadilha contida aí é a comparação com o posto do vizinho. Uma pesquisa da Universidade Humboldt, em Berlim, constatou que o principal sentimento despertado pela assidua navegação nas redes sociais é a inveja — caso de um em cada três entrevistados, que assumem almejar a conquista alheia nos campos profissionais e amorosos. Dentre o grupo dos que contam tudo e mais um pouco, 20% reclamam-se de ser pouco notados, mesmo com tamanha exposição.
Guardar segredos, além de raridade, é também um hercúleo desafio humano que extrapola todos os tempos. O próprio Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise, dizia: “Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, fala as pontas dos dedos”. De alguma forma, portanto, os indivíduos entregam os acontecimentos que lhes ocupam a mente e sacodem suas emoções, ainda que sejam apenas pistas do que se passa no mundo interior. Recentemente, Fernando Fernandes, 24 anos, que trabalha no ramo de hotelaria, não deu nenhuma dica de que estava prestes a avançar na carreira. Não queria gerar expectativas nem tampouco deixar de vivenciar a alegria antes de dividi-la. “Achei muito bons aqueles dias que passei sozinho”, diz o jovem. “Quanto mais a pessoa está preenchida com sua conquista, menos ela precisa contá-la”, enfatiza Bernardo Conde. Certamente que nesta era de smartphones em punho, que a tudo flagram e postam, manter discrição e silêncio exige esforço extra. Mais do que nunca, vale revisitar as sábias palavras de Sêneca (4 aC-65 dC), o filósofo estoico dos tempos romanos: “Se queres teus segredos guardados, guarda-os você mesmo.”
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