Marinha puniu militar reformado por criticar Forças Armadas.
A Marinha puniu com uma repreensão o contra-almirante reformado Antônio Nigro, que criticou a partidarização das Forças Armadas em uma entrevista no ano passado. A decisão foi assinada em setembro.
Incomum por restringir a liberdade de expressão de um militar reformado, a punição levou o Ministério Público Federal (MPF) a abrir um inquérito. O MPF investiga se há desvio de finalidade nos processos disciplinares da Marinha.
O processo disciplinar contra Nigro foi obtido pela coluna. Os documentos foram anexados à investigação do MPF no Rio de Janeiro que apura se a punição foi ilegal. Até então, o caso vinha sendo mantido em sigilo pela Marinha e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que nos últimos dias do governo Bolsonaro recuou e desistiu de mandar a Marinha divulgar o processo, como mostrou a coluna em janeiro deste ano.
Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, na Globonews em 13 de julho de 2022, Nigro disse que militares “sabem que não entraram nas Escolas Navais, ou nas Academias Militares, para serem fiscais de eleição, ou exercerem qualquer outra atividade de natureza policial, seja qual for”.
“Hoje, o que está acontecendo não é a politização das Forças Armadas, é a partidarização, e essa partidarização se expressa por quem foi convidado para exercer cargo político na chefia das Forças ou no Ministério da Defesa”, observou.
Uma semana depois, foi informado de que era alvo de um processo da Marinha.
A Marinha considerou que Nigro cometeu a “contravenção disciplinar” de “censurar atos de superior”, segundo o regulamento da Força. O almirante se defendeu e disse que, como militar reformado, tem liberdade de expressão garantida pela lei, e que estava apenas expressando opiniões de foro íntimo. Nigro também alegou que a Marinha não esclareceu qual ordem de superior ele teria desrespeitado com as declarações.
Em setembro de 2022, o Comando da Marinha o puniu com uma repreensão. Essa pena, classificada como uma “declaração formal” contra o militar, pode ser aplicada em particular ou em público nos quartéis.
Em um documento de outubro, o MPF reforçou o entendimento de que militares reformados, como Nigro, não têm qualquer restrição à liberdade de expressão. Essas limitações se aplicam a militares da ativa.
“O texto constitucional não estabeleceu qualquer orientação ideológica ou programática a ser obrigatoriamente seguida por esses militares, aplicando-se a eles o mesmo regime estatutário a que se submete qualquer cidadão, sem qualquer restrição específica”, escreveram os procuradores, acrescentando: “A Constituição é expressa quando proíbe o exercício de certas atividades apenas aos militares da ativa”.
Poucos dias antes da entrevista de Nigro que iniciou todo o caso, o Exército havia agido bem diferente: livrou o general Eduardo Pazuello, general da ativa, por ter subido em um palanque político com Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição. Hoje, já na reserva, Pazuello é deputado federal pelo partido do ex-presidente.
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