‘Meu compromisso não é com a Uber’, diz ministro sobre lei para motoristas

Em entrevista exclusiva à coluna, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sai em defesa do Projeto de Lei Complementar (PLC) apresentado pelo governo federal para regulamentares a atividade dos motoristas de aplicativo.

Encaminhado no começo de março ao Congresso Nacional, onde tramita em regime de urgência e tem data limite de votação até o dia 20 deste mês, a proposta vem receber críticas de lideranças de trabalhadores e de parlamentares da esquerda à direita.

Marinho entende que o clima de polarização política do país contamina as discussões e gera desinformação sobre o PLC. “A lei busca trazer uma proteção mínima. Aprovou a lei, daí para frente vai depender da capacidade de negociação da categoria”, avalia.

Ao longo da entrevista, ele defende o sistema de remuneração por hora trabalhada prevista pelo PLC, mas afirma que o governo está aberto a alterações dos parlamentares, como o pagamento por milhas rodadas. “Chama as empresas, chama os trabalhadores e negocia a emenda. Está tudo certo”, diz.

O ministro também defendeu a importância da contribuição para a Previdência Social e a necessidade de o Congresso aprovar o projeto ainda em abril.

Por fim, Marinho fala ainda na criação de linhas de crédito para facilitar a compra de automóveis por motoristas de aplicativo, assim como já acontece com os taxistas. “Nós sempre tivemos isso em mente, mas só dá para fazer depois do projeto aprovado”, afirma.

Confira a íntegra abaixo.

Saíram notícias recentes de que, diante das críticas, o governo estaria pensando em voltar atrás no projeto de lei. Isso procede?

Não, não proceda. Pelo menos que eu saiba (Risos). Esse projeto é resultado de um compromisso do presidente Lula em campanha. O que a categoria — tanto de motorista quanto de entregadores — pedia ao presidente? “Olha, nós estamos abandonados, ninguém olha pra gente. Mas tem um problema: nós não queremos regime CLT, nós queremos autonomia. Direitos e autonomia”. Então, o desafio foi encontrar essa solução.

Fontes que participaram do grupo de trabalho em Brasília disseram que o senhor era favorável à ideia de que havia vínculo empregatício nos moldes CLT entre esses trabalhadores e as plataformas.

Eu exerço relação de trabalho, mas isso não está em questão. O debate que nós, sob a liderança do presidente Lula, desenvolvemos foi o seguinte: vamos buscar enquadrar uma nova categoria que atenda ao desejo majoritário por autonomia, porque a CLT não dá autonomia. Agora, não dá para enquadrar todos os direitos que estão na CLT na categoria de autônomos. E nós queremos a independência com direitos: o direito à representação, o direito a se sindicalizar ou não. É direito, não é obrigação, o cidadão não é obrigado a ficar sócio do sindicato, a Constituição garante essa liberdade.

Até estou dizendo isso porque uma das fake news é: [o trabalhador] vai ser obrigado a ficar sócio. Não é obrigado coisa nenhuma. Se você me perguntar o que eu acho, eu acho que todos os trabalhadores deveriam ser filiados ao sindicato. Porque o sindicato, forte ou fraco, é uma dedução do grau de organização da categoria. Se ele estiver bem organizado, vai ser forte. Se não, [a categoria] vai ser ruim.

A falta de uma liderança organizada enfraquece os motoristas nas negociações com as empresas. Apesar disso, muitos motoristas rechaçaram sindicatos, até porque boa parte tem mais coberturas com políticas mais à direita. Como o senhor enxerga isso?

A polarização que existe na sociedade contamina. De nossa parte, o que nós temos de buscar fazer é o seguinte: vocês pediram proteção, nós estamos trazendo. Vocês pediram autonomia, nós estamos concedendo. Autonomia de trabalhar a hora que quiser, de determinar a jornada e com que plataforma — isso quem define são os trabalhadores.

E quais são os direitos? Tem três questões importantes aqui: pagamentos, Previdência Social e transparência — transparência de quanto a empresa reteve da corrida. Então, essas questões estão todas respondidas pela lei. A lei busca trazer uma proteção mínima. Aprovou a lei, daí para frente vai depender da capacidade de negociação da categoria.

Houve críticas ao projeto de lei sobre o sistema de salários, baseado no pagamento mínimo de R$ 32,10 para cada hora trabalhada. Alguns defendem pagamento por milhas rodadas e tempo de corrida. Como o senhor responde a isso?

Quando se fala de [pagamento] por milha, tudo bem: apresenta uma emenda lá [na Câmara, onde o projeto tramita em regime de urgência]. O deputado [federal Daniel] Agrobom (PL-GO), que eu vou receber por esses dias aqui, com outros deputados, formou também um projeto. Não há problema nenhum nesse sentido, de pegar os projetos de casa e trabalhar. O que oferece melhores condições de transparência para motorista ou controlador? É o valor da milha rodada? Pode ser pior que as horas, e não melhor. Depende muito de como para uma formatação.

Sobre um salário mínimo, minha percepção é de que há um entendimento equivocado do que isso significa. Porque? R$ 32,10 por hora [em corridas] é o mínimo. Falaram: “essas empresas vão transformar isso em máximo”. Com a lei aprovada, com o relatório de transparência que teremos acesso a partir do e-social, vamos fiscalizar. Se a empresa pagou em todos os momentos o mesmo valor, isso é uma ilegalidade cometida perante a lei. Portanto, a empresa será autuada.

O valor de R$ 32,10 é uma formação que leva em consideração o retorno, o reembolso de despesas, o desgaste do carro, do pneu, combustível e tal. Fazendo 176 horas por mês [cálculo estimado de uma jornada mensal], isso vai dar [cerca de] R$ 5.500. Então, esse é o mínimo. As pesquisas dizem que 12% dos motoristas no Brasil ganham R$ 4 mil ou mais por mês. Ou seja, estamos falando de uma minoria que ganha hoje mais do que o mínimo [estipulado pelo projeto de lei] vai garantir a todos os motoristas no Brasil inteiro.

E as reclamações de que o PL foi muito benéfico para as empresas?

As empresas queriam fazer R$ 15, não R$ 32,10. Quem forçou as empresas a fazerem foi o governo. Você sabe dos bate-bocas meus em relação ao início do ano passado [ “se a Uber quiser sair, problema da Uber” ]. Estou preocupado com o Uber , por acaso? Estou preocupado com o meu compromisso, que o presidente nomeado, com os trabalhadores, de trazer uma proteção.

Sobre a chamada inclusão previdenciária, como convencer os motoristas de que é necessário pagar o INSS?

[Há críticos dizendo] “Ah, mas não é desejo de arrecadar?” Como assim “arrecadar”? Não é imposto, é uma contribuição para um sistema de cobertura. Ou você participa dele, ou não tem cobertura. Por exemplo: o ‘boyzinho’ do Porsche passou praticamente em cima do carro do motorista de aplicativo. Três filhos e uma esposa. Se não pagar a Previdência, o que vai acontecer com a viúva e com os filhos? Nenhuma cobertura.

Se você pegou dengue e perdeu um dia de semana, quem vai te dar o respaldo mínimo ali naquele momento? Então, a Previdência traz segurança, direito à aposentadoria, licença maternidade. São 7,5% referenciados no salário mínimo, o que dá R$ 99 por mês. Se pela tabela mínima, em três horas e um pouquinho ele pagou a Previdência.

Lendo o projeto de lei, a questão da “transparência” não está colocada em termos muito vagos? Os critérios de suspensão e definição sobre a percentagem cobrada pelas plataformas não são mencionados expressamente e devem ser definidos por meio de convenção coletiva.

A CLT também não é absolutamente esclarecedora. Ela diz que tem uma jornada máxima de 44 horas no Brasil, mas tem negociação que é de 40 horas. Percebe? A negociação pode avançar além disso. O que a lei busca é garantia mínima. Negociar é para melhorar. Melhorar para quem? Para o elo mais fraco, sempre.

O projeto de lei foi apresentado à Câmara em regime de urgência [com votação em plenário para o dia 20 de abril]. Há rumores de que talvez seja retirada a urgência do projeto. Em que pé isso está?

Há uma ponderação de lideranças do Congresso de que talvez fosse o caso [de retirar a urgência]. Eu contraponho. Dia 20 está longe. Trabalhar no ritmo que estou habituado a trabalhar é o suficiente para que as pessoas esclareçam todas as suas dúvidas e votem no projeto. Se retirar urgência de um projeto dessa magnitude, vai para as calendários — esquecimentos! Retirar urgência é não garantia de aprovação neste ano.

Eu não sou uma autoridade do governo que dialoga com o presidente [da Câmara dos Deputados, Arthur] Lira. Tem setor no governo responsável por isso. É o ministro Alexandre Padilha, que especifica uma reunião com os líderes. Eu estive lá. Terça-feira vai ter outra reunião com as lideranças. Solicitei que organizasse uma reunião com todas as bancadas, independente da cor. Estou à disposição para esclarecer, tirar dúvidas.

“Ah? [pagamento por] milha é melhor”. Está bom: faça uma emenda e vamos negociar a emenda. Chamar as empresas, chamar os trabalhadores e negociar a emenda. Está tudo certo. Vamos para frente. O importante é trazer garantias. Não é uma imposição do governo. É resultado de uma conversa tripartida que chegou nisso. É evidente que o Parlamento terá autonomia para fazer os aperfeiçoamentos que achar necessários.

Por fim, para criar melhores condições assim como o taxista tem, a ideia é, a partir do momento em que o PLC for aprovado, trabalhar numa linha de crédito [para a compra de carros, por exemplo]. É uma novidade. Nós sempre tivemos isso em mente, mas só dá para fazer depois do projeto aprovado.

E os entregadores?

Resolvendo isso aqui, vamos voltar a falar com os entregadores, com as plataformas de entrega. Essa é uma mensagem importante para os entregadores: vamos voltar a falar.

UOL

Postado em 6 de abril de 2024