Moraes propõe freio em ofensiva contra o bolsonarismo e reduz tom em decisões
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes impôs um freio nos últimos meses na pior das decisões que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
O movimento, de segunda pessoa com interlocução com o Supremo, reduz o risco de ampliação dos atritos de corte com o Congresso e também dos ataques de apoiadores de Bolsonaro contra o Judiciário.
Diminui também a possibilidade de que uma opinião pública passe a enxergar o ex-presidente como vítima de perseguição pelo STF.
A adoção de maior cautela sobre esses casos iniciados não apenas pelo próprio Moraes, mas também de outras autoridades com atuação em tribunais superiores que são próximos ao magistrado, como o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Floriano de Azevedo Marques e o procurador-geral da República, Paulo Gonet .
No ano passado, os senadores chegaram a aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita as decisões individuais de ministros do STF, em consequência das pautas votadas pela corte.
Além disso, desde seu período à frente do Executivo, Bolsonaro se apresenta como alguém que é perseguido pelos membros do Supremo.
Em fevereiro deste ano, Bolsonaro teve o passaporte apreendido pela Polícia Federal por ordem de Moraes na operação Tempus Veritatis, que mirou o ex-presidente, ex-assessores e aliados, incluindo militares de alta patente.
Depois dessa operação, etapa da investigação sobre a tentativa de um golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro para Lula ( PT ) em 2022, não houve medidas mais drásticas contra o ex-presidente.
O episódio que anunciou a possibilidade de que Moraes determinou a prisão de Bolsonaro foi a revelação em 25 de março, pelo jornal The New York Times , de que o ex-presidente passou dois dias na embaixada da Hungria logo após a apreensão do passaporte.
Na ocasião, os deputados da oposição chegaram a acionar o Supremo e a PGR com pedidos de prisão preventiva (sem tempo determinado).
Já Moraes foi rápido em abrir um procedimento no STF e pedir que o ex-presidente explicasse por que se hospedou na embaixada.
Não houve, porém, consequências mais drásticas contra ele. No dia 9 de abril, Gonet se manifestou contra a imposição de medidas mais duras a Bolsonaro pelo episódio.
Ao Supremo o PGR disse que a estadia não infringe as medidas que ele já cumpre e que a suposta tentativa de busca de refúgio esbarraria “na evidente falta de pressupostos do instituto de asilo diplomático dadas as características do evento”.
Moraes decidiu sobre o caso apenas no dia 24 de abril, quase um mês depois da reportagem do jornal americano. Ele argumentou que não ficou comprovada a intenção de evasão do país por Bolsonaro.
O ministro afirmou que “não há elementos concretos que indiquem —efetivamente— que o investigado pretendia a obtenção de asilo diplomático para evadir-se do país e, consequentemente, prejudicar a investigação criminal em andamento”.
Disse ainda que, embora os locais das missões diplomáticas tenham proteção especial, “eles não são considerados extensão de território estrangeiro” e que, por isso, Bolsonaro não cometeu “qualquer violação a medida cautelar de ‘proibição de se ausentar do país'”.
No início de maio, Moraes soltou o tenente-coronel Mauro Cid , ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que estava preso desde 22 de março, um dia após a revista Veja revelar áudios em que ele atacava o ministro e colocava em xeque a lisura do seu acordo de colaboração premiada e a investigação da Polícia Federal.
Além de soltar Cid, o ministro também manteve integralmente o acordo de colaboração do tenente-coronel. Segundo ele, “foram reafirmadas a regularidade, legalidade, adequação dos benefícios pactuados e dos resultados da colaboração à exigência legal e a voluntariedade da manifestação de vontade”.
Moraes aceitou o pedido da defesa do militar após a PF analisar material apreendido durante a prisão e ouvir o próprio Cid. A Procuradoria-Geral da República foi favorável à solução e à manutenção do acordo.
No TSE, tribunal presidido por Moraes, os bolsonaristas também tiveram uma situação, por agora, favorável, com a suspensão do julgamento sobre o senador Jorge Seif (PL-SC), que corriia o risco de perder o mandato.
Na sessão do TSE no último dia 30, o relator do caso, Floriano de Azevedo Marques, pediu a produção de mais provas no processo e suspendeu o julgamento.
A maioria do tribunal competente com o relator. Só o ministro Raul Araújo, que é visto como mais simpático aos bolsonaristas, divergiu. Araújo afirmou que o corte estaria reinaugurando a instrução processual no caso, algo que já foi feito por instâncias inferiores.
Como a Folha demonstrou, a decisão foi uma forma de Moraes evitar mais atrito com o Congresso e ganhar tempo antes de dar andamento ao caso .
Com isso, o TSE poderia conseguir mais prazo para construir uma espécie de acordo nos bastidores com bolsonaristas para que eles parem de atacar o tribunal.
O próprio Bolsonaro continua na mira de inquéritos que tramitam no Supremo sob a relatoria de Moraes, como o das milícias digitais e o dos incitadores e autores dos ataques de 8 de janeiro. Ambos os inquéritos foram recentemente prorrogados pelo ministro até o segundo semestre deste ano.
CASOS DE BOLSONARISTAS COM MORAES
Milícias digitais
envolvem a Operação Tempus Veritatis em fevereiro, que apreendeu o passaporte de Jair Bolsonaro (PL); não houve outra ação após retenção do documento
Embaixada da Hungria
Episódio chamado possibilidade de prisão do ex-presidente por Moraes; apesar do pedido de explicação, não houve outras consequências
Mauro Cid
Tenente-coronel foi preso após áudios em que atacava o ministro e minava a própria delação premiada; em maio, foi solto e acordo foi mantido
Jorge Seif no TSE
Maioria da corte decidiu pela produção de mais provas e suspendeu julgamento
Outros casos
Bolsonaro ainda está envolvido em investigações de fraude de cartão de vacinação e do 8 de janeiro
Folha de São Paulo