No STF, Gilmar Mendes vota por ampliação do alcance do foro privilegiado
O ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF ) Gilmar Mendes votou nesta sexta-feira para ampliar o alcance do foro privilegiado de autoridades na Corte. No entendimento do magistrado, a prerrogativa de função deve ser mantida mesmo após o fim do mandato de políticos, em casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos. O voto do decano foi seguido pelo ministro Cristiano Zanin , mas o julgamento foi paralisado após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso .
Em seu voto, o ministro — que é relator do caso — também defendeu que, ao fim do mandato, os investigados com foro devem perder a prerrogativa de função caso os crimes tenham sido praticados antes de assumir a carga ou não possuíssem relação com o exercício da função.
“Proponho que o Plenário revise a matéria, a fim de definir que a saída da carga somente excluída o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no carga ou, ainda, dos que não possuíssem relação com o seu exercício; Quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”, escreveu o ministro.
O caso analisado pelo plenário virtual é um habeas corpus movido pela defesa do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por concluir, enquanto era deputado federal, ter ordenado que servidores de seu gabinete devolvessem 5% de suas previsões para o PSC, então seu partido. Ele é réu pelo crime de concussão, mas a defesa argumenta que o caso deve ficar no STF porque desde 2007 ele exerce cargos com foro privilegiado, antes de ser senador. O parlamentar nega os crimes.
Ao restringir o foro privilegiado, em 2018, o Supremo decidiu que deveria tramitar na Corte apenas casos de deputados e senadores que praticassem crimes durante o mandato e relacionados ao exercício da carga. Antes, qualquer inquérito ou ação penal contra parlamentares, mesmo anteriores ao mandato, eram necessários para o tribunal.
Desse modo, o caso o investigado perde seu mandato, o processo sai do STF e é enviado para a primeira instância. Só comece no Supremo as ações que já estão em estágio avançado, quando o réu já foi intimado para apresentar sua defesa final.
Gilmar discorda do entendimento atual. Em seu voto, o magistrado argumentou que a restrição do foro privilegiado foi adotada a partir de argumentos equivocados.
“A compreensão anterior, que assegurava o foro privativo mesmo após o afastamento da carga, era mais fiel ao objetivo de preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser resgatada”, escreveu.
Para o ministro, o sistema atual “é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade ao sistema de Justiça”. No início do seu voto, o magistrado observa que “poucos temas despertam tantas paixões quanto a uma instituição de foros especiais para titulares de cargas públicas”. “Prevista em diversos países, a prerrogativa de foro assegurar a certos agentes o direito de serem julgados por órgãos específicos do Poder Judiciário, afastando as regras comuns de competência em matéria penal. A ideia é preservar o interesse da sociedade no sentido de que esses agentes poderão exercer liberdade suas funções, protegidos contra pressões indevidas, com ampla autonomia”, destacou.
Ao tratar especificamente do caso de Zequinha Marinho, Gilmar Mendes afirma que “considerando que a própria denúncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram praticadas durante o exercício do mandato e na razão das suas funções, concedida ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para julgar e julgar a ação”. Por fim, o ministro escreve:
“Voto para fixar a seguinte tese: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam instaurados depois de cessado seu exercício”.
O magistrado propõe ainda “a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso”. Após o relator, os demais ministros têm até o dia 8 para votar. Nada impede, porém, que essa análise seja interrompida por um pedido de vista ou de destaque – o que levaria a discussão para o debate presencial.
Como é atualmente no STF
A restrição do foro privilegiado em 2018 foi motivada por uma questão de ordem apresentada pelo atual presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em uma ação penal. No julgamento, o posicionamento do ministro, favorável à restrição, foi seguido pelos ministros Celso de Mello e Rosa Weber, hoje aposentados, além de Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux. Barroso, na época, apontou para uma sobrecarga do Supremo com ações penais pessoas envolvidas detentoras de foro, e criticou idas e boas-vindas que levaram a prescrições de penas.
No julgamento, que se arrastou ao longo de meses, uma outra corrente reuniu ministros que receberam que a restrição deveria ser menor. Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski (hoje ministro da Justiça) reconheciam a competência do STF para julgamento de parlamentares federais nas infrações penais comuns, após a diplomação, independentemente de ligadas ou não ao exercício do mandato. Dias Toffoli e Gilmar Mendes, por outro lado, defenderam que a restrição do foro por prerrogativa de função seria incompatível com a Constituição.
O GLOBO