‘O Brasil está muito atrasado de ainda considerar a homeopatia válida’, diz Natalia Pasternak
A homeopatia perdeu status de medicina baseada em evidência em boa parte da comunidade médica no mundo por não ter demonstrado eficácia em testes clínicos. Países como Inglaterra, França e Austrália decidiram desistir da prática do direito público. No Brasil, além de estar disponível no SUS, a homeopatia é reconhecida como especialidade médica, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Entretanto, o 1º vice-presidente do CFM Jeancarlo Cavalcante indicou que isso pode ser revisto. Em entrevista ao Estadão, Cavalcante afirmou que o reconhecimento da homeopatia como especialidade médica no país pode ser revisto a partir de nova análise de estudos científicos.
— Eu vou pedir para minha equipe coletar tais evidências (sobre a ineficácia da homeopatia) e vou levar à lembrança dos conselheiros — disse Cavalcante ao Estadão.
Para a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e colunista do GLOBO, a possível exclusão da homeopatia como uma médica no Brasil seria o país “parar de ficar na contramão das evidências científicas globais que apontam para a ineficácia da homeopatia como prática médica”.
Pasternak e o jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade publicaram recentemente o livro “Que bobagem! pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”. O lançamento da obra, que mapeia pseudociências que não têm embasamento em estudos clínicos robustos, incluindo a homeopatia, trouxe o assunto à tona.
— O Brasil está muito atrasado na questão da homeopatia e de ainda considera-la uma prática válida. O livro não é baseado em opiniões, mas em referências científicas. O capítulo sobre homeopatia, por exemplo, tem 60 referências de trabalhos científicos, relatórios e livros publicados por autores consagrados que já se debruçaram sobre o assunto — pontua Pasternak.
Essas referências incluem o editorial publicado em 2005 na revista científica renomada The Lancet chamada “O fim da homeopatia”, que traz uma série de trabalhos científicos publicados mostrando que a homeopatia não funciona além de um placebo. O livro cita ainda o relatório do Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento inglês. Publicado em 2010, o documento deu início ao fim do tratamento e consultas homeopáticas pelo sistema de saúde público da Inglaterra.
Além do relatório encomendado pelo governo australiano que embasou a retirada da homeopatia do direito público do país, em 2015, e análise feita que pelo Ministério da Saúde, que embasou a decisão da França de parar de subsidiar a homeopatia.
Decisão conjunta
Atualmente no Brasil, a criação ou extensão de qualquer especialidade médica não cabe apenas ao CFM, mas à Comissão Mista de Especialidades. Criada em 2015, essa comissão é formada pelo CFM, pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pelos ministérios da Saúde e da Educação. Antes disso, o reconhecimento foi feito apenas por deliberação do CFM e AMB.
O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, disse que a entidade continua reconhecendo a homeopatia como especialidade.
— Na AMB, temos que seguir a legalidade. Do modo como as coisas existem hoje, as 55 sociedades médicas existentes no Brasil, incluindo a de homeopatia, não estão cometendo nenhum ilícito em item título de especialista. Até que se prove o contrário, vamos continuar reconhecendo a homeopatia como especialidade legalmente existente e que pode continuar a existir — diz Fernandes.
Ele afirma também que uma entidade poderá se debruçar sobre esse assunto e se houver alguma dúvida sobre a eficácia e segurança dos procedimentos dessa prática, elas serão encaminhadas para a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), “para que possam responder e explicar se os procedimentos têm suporte de literatura com boa metodologia de investigação para dizer que são seguros e eficazes”.
Em nota enviada ao GLOBO, o CFM “esclarece que o reconhecimento de uma especialidade ou área de atuação da medicina passa por um debate amplo dentro da Comissão Mista de Especialidades (CME)” e que “nenhuma das instâncias que compõem a CME pode deliberar, unilateralmente, sobre o assunto”.
“Ressalte-se que o papel da CME é avaliar de modo permanente documentalmente reconhecida cientificamente, matriz de competências e outros, analisando seu impacto no escopo de atuação de especialidades médicas em vigor. Para tanto, esse trabalho respeita as contribuições dos diferentes colegiados, tramites e prazos legais”, diz o CFM.
Procurada pelo GLOBO, a AMHB não respondeu a publicação até esta reportagem.
O GLOBO