O que se sabe sobre o novo surto de gripe aviária, o pior desde os anos 90
O alarme de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), soou em fevereiro deste ano: deveríamos nos preparar para uma possível epidemia de gripe aviária. A mensagem não foi exagerada. O vírus influenza H5N1, causador da doença, tornou-se um pesadelo entre diversas espécies animais. Desde outubro de 2021, foram registrados mais de 42 milhões de casos da infecção em aves. Nesse período, 15 milhões de animais morreram e outros 193 milhões tiveram de ser sacrificados. Trata-se do pior surto de gripe aviária desde os anos 1990.
O apelido da doença pode levar a enganos: ela não afeta apenas aves que vivem na natureza ou em granjas. Mamíferos também estão sendo infectados, e em proporções inusuais. No Peru, 585 leões-marinhos morreram em decorrência da moléstia. Na Espanha, um surto eclodiu numa fazenda de visons (pais da doninha criada em cativeiro). No Reino Unido, o microrganismo foi encontrado em lontras e raposas. E o ser humano, pode contrair o vírus? Há registros recentes, que encorajaram a atenção. Nas últimas duas semanas, houve a confirmação do primeiro caso de H5N1 em humanos no Chile e a morte de uma mulher na China devido a outro subtipo viral e menos comum, o H3N8.
O salto de micróbios entre espécies não é algo incomum. Seis em cada dez doenças infecciosas que assolam seres humanos hoje são provocadas por patógenos que aprenderam a migrar de outros animais para o nosso organismo. Como demonstram estudos recentes, a Covid-19 também percorreu esse itinerário — os hospedeiros naturais do coronavírus são os morcegos. Mas, antes mesmo de o mundo conhecer o SARS-CoV-2, os virologistas já se preocupavam com uma possível doença de origem zoonótica capaz de se estabelecer entre gente como a gente. ó gripesempre foi o candidato principal por trafegar entre várias espécies e ser altamente transmissível. Mas o temor rondava especialmente a gripe aviária por causa de sua letalidade. De 2003 a 2023, 873 casos humanos e 458 mortes foram relatados em 21 países. E, circulando pelo planeta, o vírus pode estar experimentando que lhe conferem novas habilidades para se disseminar.
Ainda que o perigo esteja no ar, não há motivo para pânico. “Os contágios atuais não fornecem evidências de que o vírus está prestes a se manter massivamente para seres humanos”, diz o virologista Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP). O agente infeccioso precisaria subir alguns graus na escada que leva a uma pandemia. O motivo principal é que o H5N1 ainda não está adaptado para ser transmitido de pessoa para pessoa. Os episódios pontuais são registrados em humanos se restringem por ora a indivíduos que tiveram contato direto com aves contaminadas. O que não significa que devemos baixar a guarda, claro.
Por enquanto, a grande ameaça da gripe aviária envolve a produção alimentar. Desde meados dos anos 1950, quando a avicultura começou a se industrializar, mais de 50 bilhões de galinhas são criadas espontaneamente como fonte de carne e ovos, o que as torna a espécie de vertebrados mais abundante no planeta. Para manter os números desse porte, uma rede enorme de fazendas, laboratórios e frigoríficos é movimentada. Com o alastramento da doença entre as aves, pode ocorrer a devastação de uma cadeia produtiva, gerando falências, desemprego e prejuízos respiratórios. Em última instância, a falta de frango e ovo desataria aumenta exponencialmente no preço da comida.
Para conter o problema, nações como China e França já estão vacinando as galinhas. Estados Unidos, Argentina e Uruguai pretendem começar em breve. Outros países preferem aguardar, pois já há um cerceamento nas exportações dos produtos avícolas e regras rígidas de confinamento são adotadas. O Brasil, ainda livre da moléstia, adotou essa estratégia, e reforçou a vigilância ativa. De qualquer forma, o vírus H5N1 está no radar dos cientistas. E não se trata apenas de cuidado com a proteção animal. O Instituto Butantan, de São Paulo, iniciou estudos para criar uma vacina destinada a humanos. “Já iniciamos a produção dos bancos virais. E as próximas etapas estão em fase de elaboração”, diz Ricardo Oliveira, diretor do Centro Bioindustrial da entidade paulistana. É prudente nos anteciparmos ao inimigo.
Hora de se vacinar
O Ministério da Saúde acaba de dar início à campanha de imunização contra a gripe comum — um problema de saúde pública que responde por um grande número de internações e mortes no país. A vacina é aplicada amplamente para proteger as pessoas dos vírus influenza mais comuns em cada estação. O produto disponível gratuitamente pelo SUS abrange três tipos do patógeno. O governo prioriza, nessa primeira fase da imunização, alguns grupos, como gestantes, idosos, crianças de 6 meses a 6 anos e trabalhadores da área da saúde. Eles estão mais vulneráveis à infecção e complicações pela infecção respiratória. A meta é vacinar até 31 de maio 90% de cada público-alvo, o que, no total, representa mais de 80 milhões de brasileiros.
Há, contudo, um desafio pela frente, já que em 2022 a cobertura vacinal para a gripe não venceu os 70%. Além do imunizante oferecido pelo SUS, a rede privada oferece a vacina tetravalente, que cobre uma quarta cepa dominante de influenza . Mais recentemente, foi lançada uma versão turbinada do produto especialmente para pessoas acima de 60 anos. O fundamental, de qualquer forma, é não deixar de se vacinar — pelo bem individual e coletivo.
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