“O Rio Grande do Norte é o coração da estratégia da energia eólica offshore”, diz Maurício Tolmasquim
O Rio Grande do Norte terá papel estratégico na transição energético do País e está no centro das atenções da Petrobras quando o assunto é energia eólica offshore. É o que diz Mauricio Tolmasquim, diretor de Transição Energética da Petrobras, que conversou com a TRIBUNA DO NORTE. Ele explicou ainda o processo de implementação dos parques offshore, detalhou os desafios de transmissão e falou sobre planos de descarbonização da empresa para produção mais sustentável. No fim de março, Tolmasquim assumiu como gerente-executivo de Estratégia da Petrobras, área responsável por elaborar os planos plurianuais de investimento e planejamento de longo prazo da companhia. Ele tem participado ativamente dos debates sobre transição energética.
A energia eólica offshore, produzida em alto-mar, é a grande aposta para o Brasil consolidar a sua transição energética?
É uma das apostas. O Brasil é um País muito rico de potencial de geração de renováveis. A gente tem eólica onshore, a solar, energia elétrica a partir da biomassa, do bagaço, e até a própria hidro, que a gente já tem uma capacidade grande, mas a hidro já está mais consolidada em termos de expansão. A solar offshore é mais uma alternativa para justamente descarbonizar nossa matriz e tornar nossa matriz mais renovável, principalmente a elétrica, mais renovável.
Quais são os benefícios para o País?
A gente tem um problema de uma emergência climática que está afetando a qualidade de vida das gerações futuras e temos, inclusive, pactos econômicos importantes. O mundo chegou a conclusão que é necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa para poder evitar que esse aquecimento global aconteça a um nível, com impactos grandes para a vida na terra. Lá no Acordo de Paris, chegou-se a uma meta de não aumentar mais de 2º graus ao final do século e que aumente 1,5º grau. Um dos vetores principais para redução dos gases de efeito estufa são as energias fósseis, a substituição dentro do possível dos combustíveis fósseis faz parte desse processo de transição energética. É claro que a gente não vai conseguir sair totalmente dos combustíveis fósseis em alguns setores, mas a energia elétrica é um setor onde você tem condição de ter uma grande participação de renováveis, praticamente zerar o nível de uso de combustíveis fósseis, ao contrário de alguns outros setores. Então, nesse setor, a energia eólica offshore pode contribuir muito, como a eólica onshore e a solar.
Como o Rio Grande do Norte está inserido nesse processo?
O Rio Grande do Norte está situado em uma região que tem um grande potencial eólico, que é o Nordeste. E o Rio Grande do Norte tem na área offshore ventos muito bons, como tem na área onshore. Além disso, o Rio Grande do Norte é um dos campeões em termos de energia eólica onshore, é um dos estados com maior capacidade de geração e tem um conhecimento nessa área. O Estado tem tudo para desenvolver e ser um líder na área de eólica offshore, justamente por esse histórico de ter participado muito no início da eólica onshore, fez uma aposta boa, deu certo e agora está repetindo isso e fazendo uma nova pasta, que vai ser uma fonte que vai se desenvolver e pode ser importante para o desenvolvimento do Estado.
E quanto às linhas de transmissão, quais são os desafios do sistema de transmissão com as eólicas offshore? Como está a questão da infraestrutura marítima e os aspectos ambientais?
A transmissão é fundamental para poder escoar a energia que é produzida, seja em terra, seja no mar. O grande desafio é que, em princípio, não sabe aonde quais lugares do Brasil que vão receber projetos. Você tem hoje uma quantidade enorme de projetos, tem mais de 70 projetos que foram submetidos ao Ibama em toda a costa brasileira. Esses 70 projetos totalizam 180 gigawatts. Para se ter uma ideia, a capacidade total instalada no Brasil, de eólica onshore é 24 gigawatts. Só de projeto offshore, de proposta, tem 180. Então, qual o desafio para a transmissão? É que você ainda não sabe quais desses projetos que vão sair realmente, que vão ter autorização para serem construídos. É muito difícil. É aquele problema do ovo e da galinha: para você ter o projeto, você precisa escoar a energia e para escoar a energia, você precisa que o planejamento saiba aonde vai estar o projeto para poder construir a linha de transmissão. A gente vai ter caminhar com essas duas coisas em paralelo porque na hora que escolher os sítios que vão ter projeto, tem que se investir nas transmissões para poder garantir que a aquela energia que vai ser gerada tenha como escoar. Isso tem que ser feito junto com a escolha dos processos de licitação, ou seja, qual for, dos parques que vão ser construídos.
Quais os planos da Petrobras para reduzir carbono nos próximos anos? Inclui investimento em outras energias renováveis — além das eólicas offshore?
A Petrobras tem duas grandes linhas de atuação para a questão da descarbonização. A primeira é descarbonizar seus próprios processo e nisso a Petrobras está super avançada porque, principalmente na produção de petróleo, os índices de emissão da Petrobras são muito mais baixos do que a média mundial. As áreas do pré-sal têm uma intensidade de emissão por barril mais baixa do que a média brasileira e muito mais baixa do que a média mundial. Para se ter uma ideia, a média mundial deve estar entre 1.8 kg de CO² por barril e a média aqui da Petrobras está em 1.5 kg CO²/barril. Isso é fruto das ações, não só da produtividade, mas de uma quantidade grande de ações que vem sendo feitas, já há algum tempo, no sentido de descarbonizar o processo de produção.
Como será feito na prática? Há relação direta com a diversificação do portfólio?
Mudando processos, reduzindo perdas, reduzindo a queima de metano, tem uma série de processos com mínimo efeito no refino. Nisso a Petrobras, agora com a criação dessa transição energética, a gente vai fortalecer essa área. É uma área que atua transversalmente porque ela vai atuar em cada uma das atividades da empresa. Outra área nova, que a gente está criando, é a que a gente chama de descarbonização dos produtos e a cadeia de fornecedores da Petrobras. Uma maneira de descarbonizar os produtos é não só vender o derivado de petróleo, do gás, mas vender a eletricidade produzida a partir de renovável, o biocombustível. Hoje a gente produz molécula produzida a partir de combustível fóssil, o desafio é produzir molécula a partir de biocombustíveis e o elétron a partir de fontes renováveis. Com isso, a gente vai ter um portfólio de produtos que vai emitir menos, claro que vão ter os produtos de petróleo e gás, mas a gente também vai estar tendo produtos que não emitem. Com isso, a empresa consegue descarbonizar seu portfólio de produtos.
Quanto ao hidrogênio verde e hidrogênio azul, que é aquele produzido com gás natural, são fontes prioritárias da Petrobras?
O hidrogênio, de uma certa forma, está no centro das atenções da Petrobras. A Petrobras é a unidade industrial no País que mais consome e mais produz hidrogênio cinza, a partir do gás natural seco, sem injeção. A gente é um grande produtor e um grande consumidor de hidrogênio. Além disso, a Petrobras tem, com esses investimentos em energia renovável um grande potencial de, a partir da eletrólise da água, produzir o hidrogênio verde. A eólica offshore, por exemplo é uma grande candidata à produzir hidrogênio verde, porque fica na costa, são grande unidades de produção e que podem ser dedicadas à produção de hidrogênio que, eventualmente, pode ser exportado ali da costa mesmo, além de ser usado no mercado interno. Ao mesmo tempo, a Petrobras tem condições de produzir o hidrogênio azul porque a Petrobras é uma grande produtora de gás natural e ela é, no mundo, a instituição que mais captura e injeta CO², que é o CCUS. A Petrobras pode usar o seu gás para produzir hidrogênio e usar o CCUS para capturar o CO² no processo, isso vai gerar o hidrogênio azul. A Petrobras tem condição de ser líder tanto na produção de hidrogênio verde, quanto a produção de hidrogênio azul. Esse hidrogênio pode usado para exportar, para substituir o hidrogênio cinza nas nossas refinarias, inclusive para produzir o Diesel R e o QAV sustentável porque para produzir o diesel, os combustíveis de aviação, você precisa de muito hidrogênio. Claro que você pode usar o hidrogênio cinza, mas isso vai ser mais sustentável se usarmos o hidrogênio verde nesse processo. O hidrogênio acaba sendo o elemento que permite a gente unir a energia elétrica à produção de gás, ao CCUS e o biocombustível. Ele une várias estratégias da empresa.
Como está o cronograma da transição?
A gente já está mapeando oportunidades no Brasil e no mundo, na área de renováveis. A gente está vendo desde projetos que não foram ainda realizados até projetos em andamento. A nossa prioridade é fazer em parceria esses projetos porque isso permite compartilhar listas, Capex, ou seja o investimento e permite compartilhar experiências. A gente está conversando e é claro que as nossas prioridades são grandes projetos com grandes empresas. A gente tem maior facilidade de trabalhar com projetos grandes com empresas maiores, tem mais a ver com o nosso perfil, apesar de que nada impede, se aparecer uma grande oportunidade de uma empresa menor, a gente também vai atuar junto. No exterior, a gente também está olhando algumas perspectivas porque em algumas áreas ainda não tem uma regulação no Brasil. A eólica offshore tem a lei, um projeto de lei apresentado pelo presidente da Petrobras, o então senador Jean Paul, que está no Congresso, mas isso ainda não foi aprovado, enquanto não é aprovado, a gente está olhando oportunidades fora porque é uma maneira da gente aprender para quando tiver o marco regulatório nós estarmos prontos para investir aqui.
Como está a revisão plano estratégico da Petrobras para o período de 2024-2028?
A gente já passou pelo Conselho, foram aprovadas as grandes prioridades. Nessas prioridades ficou definido que a Transição Energética podia investir algo em torno de 6% a 15% do Capex da empresa, de todo o investimento, em atividade de baixo carbono. Agora o plano mesmo final vai ser divulgado, como sempre é feito, em novembro. A gente está trabalhando justamente para poder dar mais informações mais concretas.
Recentemente, a Petrobras inaugurou a central de projetos de energia eólica em Natal. O Estado pode esperar outros projetos?
Não tenho dúvidas que o Rio Grande do Norte é o coração da estratégia da energia eólica offshore. Nós estamos mudando para uma vitrine porque nós acreditamos que o Rio Grande do Norte pode liderar esse processo. O Estado está na vanguarda da energia eólica, tanto onshore quanto offshore. Existe um ambiente propício no governo, investidores, o corpo técnico que já tem muito conhecimento no onshore, que pode ser transportado para o offshore, então eu acho que o Rio Grande do Norte vai liderar esse processo de implantação da energia eólica offshore no Brasil.
Quem
Mauricio Tiomno Tolmasquim é mestre em Engenharia de Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor titular da COPPE/UFRJ. Foi presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal de planejamento vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), de 2004 a 2016, nos governos Lula e Dilma Rousseff. Também foi secretário-executivo de Minas e Energia.
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