Pacheco corre por fora na agitada disputa por uma vaga no STF
Não é exagero dizer que Rodrigo Pacheco é dono de uma trajetória política surpreendente. Até 2014, o cargo mais visível que tinha ocupado era o de conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil. Depois disso, a ascensão foi meteórica. Ele foi eleito deputado federal por Minas Gerais e, no pleito seguinte, senador, derrotando figurões como a ex-presidente Dilma Rousseff. A escalada continuou em ritmo acelerado. Com apenas dois anos de mandato, o parlamentar atropelou caciques experientes, foi alçado à presidência do Congresso com o apoio de Jair Bolsonaro e reconduzido ao cargo em fevereiro último com o apoio de Lula. No ano passado, Pacheco chegou a ser cotado para disputar a Presidência da República. O plano não avançou, mas foi suficiente para consolidar a posição do senador como protagonista. É de se supor que alguém com essa estatura disponha de um bom leque de opções para alçar voos ainda mais altos na política. Não é o caso de Rodrigo Pacheco.
Por mais paradoxal que pareça, o senador é vítima do próprio desempenho. Em 2018, ele se elegeu com mais de 3,5 milhões de votos, oriundos em sua maioria de regiões onde o bolsonarismo é forte. Ao assumir posições corajosas em defesa de certos princípios, foi promovido à condição de inimigo do ex-presidente e viu minguar rapidamente a popularidade entre os antigos eleitores. Sentiu isso na pele em outubro do ano passado. No primeiro turno, enquanto aguardava na fila de votação, foi cercado por um grupo que, aos gritos, o acusava de traidor. A hostilidade se explica no posicionamento que ele adotou ao se colocar como uma espécie de bastião da democracia. Pacheco defendeu as urnas eletrônicas quando o sistema era questionado por Bolsonaro, criticou o autoritarismo no momento em que o ex-presidente atacava as instituições e jamais cedeu às pressões para aceitar os pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Essas posições lhe renderam ônus e bônus.
O político está acossado e enfrentando problemas em sua base eleitoral, mais conservadora e à direita. Se as eleições fossem hoje, ele provavelmente não conseguiria votos suficientes para continuar no Senado. Por outro lado, caso esse cenário se mantenha inalterado, Pacheco vislumbra que seu papel de fiador da estabilidade democrática pode lhe render uma premiação em forma de uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o nome do presidente do Congresso foi incluído na lista informal de pretendentes ao cargo. Não foi por acaso. Os rumores sobre essa possibilidade foram divulgados pelos próprios aliados de Pacheco e com o aval dele. O presidente do Congresso jamais vai admitir publicamente o seu desejo de compor a mais alta corte do país, tanto por uma questão de liturgia como também em razão da confusão política que se instalaria diante dessa hipótese.
Em tese, no cenário atual não há vagas disponíveis. O ministro Ricardo Lewandowski se aposentou em abril e, se nada mudar, o advogado Cristiano Zanin já estaria escolhido para substituí-lo. Em outubro será aberta uma segunda vaga, já que a ministra Rosa Weber completa 75 anos, idade-limite para o afastamento compulsório. Há uma fila de pretendentes de peso “em campanha”. Além disso, considera-se pouco provável que Pacheco abandone precocemente o comando do Congresso — sua presidência vai até fevereiro de 2025. A alternativa, então, reside, por enquanto, na especulação de que dois outros ministros estariam dispostos a antecipar suas respectivas aposentadorias: Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso. O fato é que senadores governistas e mesmo os de oposição estão entusiasmados com a ideia. “Ele merece uma recompensa por ter ficado do lado certo da história”, diz um aliado. “E o STF é a recompensa que ele gostaria de receber”, acrescenta.
Pacheco contaria, inclusive, com o apoio dos próprios ministros do STF. Mais que apoio, gratidão. A VEJA, um aliado de primeira hora do presidente do Congresso contou que, no ano passado, o senador Flávio Bolsonaro e Pacheco tiveram uma discussão. Irritado após ser alvo de ataques de bolsonaristas, o senador reclamou que as acusações eram injustas, já que ele se empenhou pessoalmente para aprovar as propostas do ex-capitão que tinham forte apelo eleitoral, se posicionou contra a instalação do Conselho de Ética para poupar o próprio Flávio de constrangimentos por conta das acusações de rachadinha e não criou a CPI do Ministério da Educação em meio aos escândalos dos pastores. O filho do presidente, porém, insistia que Pacheco desse aval a ações que emparedassem de alguma maneira o Judiciário, mas não foi atendido. “A história precisa premiar quem faz o certo”, resume outro senador que se diz “cabo eleitoral” do candidato a ministro.
Por ter assumido posições assim, Pacheco viu seu capital político ruir. Sua base eleitoral, mais ao sul de Minas Gerais, é fortemente ligada ao agronegócio e ao bolsonarismo e, claro, não está nada contente com o comportamento do parlamentar. Aliados dizem que Pacheco sequer pode caminhar na região, tamanho é o desgaste. Em busca de reverter esse cenário, no início do mês ele convocou um time de lideranças regionais para mapear o tamanho do estrago. O grupo é formado por deputados, ex-deputados e representantes de associações que têm se reunido com prefeitos e pessoas influentes em busca de melhorar a imagem do senador e mostrar que ele é um político independente e sem vinculações com Lula ou Bolsonaro. Embora difícil, se funcionar, dizem, o mineiro pode tanto pavimentar em 2026 a sua reeleição ao Senado quanto tentar uma disputa ao governo de Minas Gerais — tudo isso, claro, se candidatura a ministro não vingar.
A escolha de um ministro para o Supremo é um processo delicado e envolve interesses que, muitas vezes, se sobrepõem à vontade do próprio presidente da República, a quem cabe fazer a indicação. A substituição de Ricardo Lewandowski é um exemplo. Se dependesse exclusivamente de Lula, a vaga já teria sido preenchida. O petista anunciou várias vezes a intenção em ter no cargo Cristiano Zanin, mas ainda aguarda o consenso necessário para evitar problemas políticos. Por isso, a indicação ainda não foi formalizada. Enquanto define seu futuro, Pacheco evita se imiscuir nas questões mais comezinhas da política. Temas relativos à negociação de verbas e cargos, por exemplo, foram designados a Davi Alcolumbre, seu grande aliado, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça, assim como as disputas por espaço travadas com a Câmara, comandada por Arthur Lira (PP-AL), de quem tem mantido uma distância regulamentar.
Aliás, não faz parte do estilo do presidente do Congresso se envolver em discussões acirradas nem assumir posições belicosas — não como regra. Na segunda-feira 8, ele estava irritado com o fato de ter tomando conhecimento pela imprensa sobre a indicação do novo diretor do Banco Central. Coincidiu que, no dia seguinte, os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil) e Jader Filho (Cidades) resolveram visitá-lo. Os ministros esperaram mais de meia hora e não foram atendidos (veja matéria na pág. 24). Chamado de “lorde”, Pacheco atualmente prefere priorizar debates de assuntos mais nobres, como regras legislativas, a agenda econômica e temas que envolvem questões constitucionais. Não é por acaso. O formalismo exagerado também é uma característica do senador. Outro dia, ao receber um colega em casa, num domingo ensolarado, de calça social, sapato e com a camisa de mangas compridas abotoada até o pescoço, foi alvo de chacota. “Presidente, que dia eu vou te ver de bermuda?”, perguntou o parlamentar. Rodrigo Pacheco apenas riu. Ele certamente acha que uma toga lhe cairia melhor.
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