Padre Júlio Lancellotti fala de lei que protege morador de rua: ‘Conflito continuará, ódio é forte’
A lei que protege as pessoas em situação de rua da chamada ‘arquitetura hostil’ das ruas é um passo importante para resgatar a dignidade dos sem-teto, mas está longe de representar o fim dos conflitos pelos espaços públicos das grandes cidades. Essa é a visão do padre Júlio Lancellotti, que empresta seu nome à nova lei por ser um histórico defensor dos direitos humanos, em especial da população de rua de São Paulo.
“O conflito vai continuar por causa da questão dos interesses financeiros e da especulação imobiliária. O ódio ainda é muito forte. A população de rua aumentou muito. E as respostas diante desse aumento ainda são muito fracas. Damos passos, mas é um longo processo. A caminhada é longa”, disse ao Estadão o coordenador da Pastoral do Povo de Rua e pároco da paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca.
O decreto que regulamenta a Lei Padre Júlio Lancellotti foi assinado nesta segunda-feira, 11, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. A regra veda o uso de materiais, estruturas e técnicas construtivas hostis nos espaços livres de uso público que tenham como objetivo afastar pessoas em situação de rua.
Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) havia vetado a lei, sob argumento de que a expressão “técnicas construtivas hostis” poderia gerar insegurança jurídica, por se tratar de terminologia “em processo de consolidação para inserção no ordenamento jurídico”. O Congresso derrubou o veto.
Mesmo reconhecendo os desafios, o padre destaca a importância do novo instrumento legal. “A regulamentação é um passo dado no sentido de acionarmos a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Executivo. Agora existe uma regulamentação com balizas claras de como deve ser combatida e até removida a arquitetura hostil, que sinaliza a ausência de humanização da população em situação de rua”, diz o líder religioso de 72 anos.
A regulamentação ocorreu durante o lançamento do Plano Nacional Ruas Visíveis pelo governo federal, que terá verba de R$ 982 milhões. “É um passo histórico na conquista da dignidade roubada dessa população”, completou o padre.
Em agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ordenou que o governo federal elaborasse um Plano de Ação e Monitoramento para a Efetiva Implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Segundo o ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, o novo plano sendo desenvolvido pelo governo federal desde antes da determinação do STF.
Lancellotti é conhecido há décadas por seu trabalho de assistência a pessoas em situação de rua. Nas redes sociais, ele denuncia casos de violência policial e de construções que restringem o uso do espaço público.
Em 2021, sua imagem tentando quebrar pedras instaladas pela Prefeitura de São Paulo embaixo de um viaduto viralizou nas redes sociais. No mesmo ano, o papa Francisco também denunciou a chamada “arquitetura hostil” contra os mais pobres.
Estadão