Parlamentares defendem “emenda Pix”, enquanto Congresso recorre da decisão de Flávio Dino
O presidente da comissão mista responsável por discutir e aprovar a proposta de Orçamento da União para cada ano, deputado Julio Arcoverde (PP-PI), está longe de ser o único membro dela que defende a existência das emendas parlamentares individuais de transferência especial, popularmente conhecidas como “emendas Pix”. Parte dos parlamentares integrantes do colegiado salientam, porém, que é importante haver mais transparência no uso dos recursos, como o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse em duas decisões recentes.
As emendas parlamentares são um instrumento por meio do qual os deputados federais e senadores podem influenciar na definição de como o dinheiro público será gasto. Dessa maneira, os congressistas podem financiar diretamente uma obra ou projeto em suas bases eleitorais, por exemplo. As individuais são as de autoria de um deputado ou senador ao Orçamento da União.
Estas emendas têm execução orçamentária (empenho e liquidação) e financeira (pagamento) obrigatórias, exceto nos casos de impedimento de ordem técnica, e se dividem em duas modalidades: transferência com finalidade definida e transferência especial.
Nas de transferência com finalidade definida, os recursos devem ser aplicados nas áreas de competência da União e é preciso indicar a ação orçamentária específica, ou seja, qual serviço será prestado com aquele recurso.
Já nas emendas de transferência especial, criadas em 2019, não é necessária a vinculação a projetos; o estado ou município recebe o dinheiro e decide por conta própria no que investir, e não precisa informar o governo federal sobre o destino do montante. É chamada de emenda Pix por ser uma transferência simplificada. Pela forma como funciona, porém, é menos transparente.
Entre os R$ 49,17 bilhões previstos pelo Orçamento de 2024 para emendas parlamentares, R$ 8,21 bilhões são para emendas Pix. Desse montante, até o momento, foram pagos pouco mais da metade, R$ 4,48 bilhões; os congressistas com os maiores valores pagos são os senadores
- Luiz Carlos Heinze (PP-RS), com R$ 25,74 milhões;
- Jayme Campos (União-MT), com R$ 19,87 milhões;
- Jussara Lima (PSD-PI), com R$ 19,87 milhões;
- Marcos Rogério (PL-RO), com R$ 19,87 milhões;
- Davi Alcolumbre (União-AP), com R$ 19,87 milhões;
- Hamilton Mourão (Republicanos-RS), com R$ 19,81 milhões;
- Ciro Nogueira (PP-PI), com R$ 19,76 milhões;
- Giordano (MDB-SP), com R$ 19,69 milhões;
- Eliziane Gama (PSD-MA), com R$ 19,58 milhões; e
- Fernando Farias (MDB-AL), com R$ 19,58 milhões.
Jayme Campos é o primeiro vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento. Ciro Nogueira e Marcos Rogério, membros titulares e opositores ao governo Lula. E Hamilton Mourão, Giordano e Fernando Farias, suplentes.
Diferentes visões
Ao SBT News, o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Filipe Barros (PL-PR), que também é membro titular da comissão e cujo valor pago em emendas Pix é de R$ 10,8 milhões, pontuou que essa modalidade “nada mais é do que uma transferência devidamente prevista em lei de recursos da União para prefeituras de todo o Brasil”.
Para o parlamentar, “o processo tem total transparência”. “A integridade já começa na indicação da emenda, indo até seu devido pagamento, com fiscalização pelo Ministério Público de cada estado, Ministério Público Federal, polícias Civil e Federal, além dos Tribunais de Contas – seja dos estados ou da União”.
O deputado diz que o Partido dos Trabalhadores (PT), sigla do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é contra a modalidade, e isso, segundo ele, porque “não está acostumado a governar com o Parlamento e quer voltar aos tempos sombrios nos quais achacava deputados em troca de votos”.
De acordo com o congressista, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) concordou com a criação do mecanismo, em 2019, “para acabar com o hábito lulopetista de só pagar emendas para quem votasse com o governante de plantão — prática que o desgoverno Lula parece estar disposto a ressuscitar”.
O deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), suplente da comissão do Orçamento, destaca que as emendas Pix vieram “no sentido de agilizar a execução orçamentária por parte dos municípios”. Segundo o parlamentar, nas emendas de finalidade definida, a Caixa Econômica Federal “demora muito na análise de um convênio, e normalmente o prazo de execução de uma emenda é de dois a três anos”.
“É muito tempo. Então, com essa emenda especial, ou emenda Pix, o recurso vai direto para a conta do município, ele pode utilizar em contratos em andamento e não pode pagar pessoal”.
Cajado diz que como elas agilizam a execução orçamentária, considera um erro acabar com as emendas Pix, como a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal. “Acredito que a gente vai encontrar uma solução que seja de acordo com o pensamento do ministro Dino, que é tornar mais claro, mais transparente”.
Ele afirma que as emendas Pix são fiscalizadas pelos órgãos de controle dos estados. “Mas se ele [Dino] quer que nós demos mais clareza, com a informação de objeto, utilização e prestação de contas eventualmente para o próprio Tribunal de Contas da União, não tem problema nenhum, eu acho que nós podemos fazê-lo”.
Foram pagos R$ 5,6 milhões em emendas Pix de Cajado neste ano. O deputado federal Daniel Agrobom (PL-GO), titular da comissão do Orçamento, disse ao SBT News concordar que é preciso ter mais transparência nas transferências dessa modalidade, mas acrescenta que as emendas Pix vieram como uma solução aos municípios para dar maior celeridade nos repasses os quais, até então, eram realizados “por meio da celebração de contrato de repasse, através da Caixa Econômica, ou convênios analisados por alguns ministérios”.
“Ambos têm uma equipe reduzida em relação aos 5.570 municípios do país, atrasando a execução do objeto e encarecendo as obras públicas”.
De acordo com ele, alguns contratos/convênios demoram cinco anos ou mais para cair na conta e virarem benefícios.
“Eu já fui prefeito entre 2019 e 2020, e têm obras de emendas que até hoje estão em execução, atrasadas por entraves burocráticos inerentes à execução dos recursos”.
Ele salienta que, com as emendas Pix, os recursos chegam mais rápido. “Mas não sou contra a transparência e controle. O que precisa é melhorar a fiscalização dos repasses, talvez por meio da autorização de fiscalização dos recursos pelo TCU e demais órgãos de controle”.
Ele sugere ainda a criação de mecanismos para que as cidades comprovem onde estão gastando os recursos. “Não vejo esse tipo de recurso como inconstitucional uma vez que ele foi instituído por meio de emenda constitucional, por quórum qualificado, ou seja, a vontade do legislador está sendo cumprida”, conclui. Foram pagos R$ 5,9 milhões nas emendas Pix de Agrobom.
Questionado sobre como vê a ação da Procuradoria-Geral da República contra essa modalidade e as recentes decisões de Flávio Dino, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), membro titular da comissão do Orçamento, afirmou ser responsabilidade do Parlamento a elaboração do Orçamento.
“A forma de elaboração evoluiu ao longo do tempo, erros que surgiram foram corrigidos pelo próprio Parlamento. Creio que esse seja o caminho. Acredito que seria mais adequada uma solução pelo Congresso Nacional”, complementou. Foram pagos R$ 228,2 mil nas emendas Pix do deputado
O líder do PSB no Senado, Jorge Kajuru (GO), titular da comissão do Orçamento, disse, durante discurso no plenário da Casa na quarta-feira (7), ser a favor de uma solução dialogada entre Judiciário, Legislativo e Executivo para a falta de transparência das emendas Pix, “sem que isso signifique insulto ao cidadão que paga impostos, ou seja, a defesa do encaminhamento de recursos para as prefeituras e governos estaduais sem as necessárias justificativas e prestações de contas”.
Segundo Kajuru, “cada parlamentar, é óbvio, tem o dever de fiscalizar a aplicação do dinheiro que destina às prefeituras e ao governo de seu estado”. “Não fazer isso é prevaricar, ou seja, é crime, é cometer crime contra a administração, é desrespeitar o seu eleitor e os cidadãos brasileiros”.
Kajuru falou que, por seu gabinete, não passa dinheiro de emenda sem transparência. “Eu sou um dos poucos que usa o compliance, ou seja, exijo dos prefeitos ofícios informando onde eles pretendem aplicar o dinheiro que solicitam e, em alguns casos, até gravações de vídeo”. Foram pagos R$ 16 milhões nas emendas Pix de Kajuru.
Outro dos integrantes titulares da Comissão Mista do Orçamento, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), disse que, desde quando assumiu o mandato, em 2019, nunca destinou recursos por emendas Pix. “Como parlamentar, sempre defendi o respeito à publicidade dos atos da administração pública, que é um dos princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição Federal”.
O líder da minoria no Senado, Ciro Nogueira (PP-PI), disse que quanto mais transparência em relação às emendas Pix, melhor, mas elas não são inconstitucionais.
Em entrevista a jornalistas, o líder da oposição no Senado, Marcos Rogério, defendeu essas emendas na quinta-feira. O deputado Julio Arcoverde disse considerar que a modalidade é uma conquista do Legislativo e contribui com a desburocratização do processo de transferência de recursos orçamentários da União para os municípios brasileiros, principalmente aos convênios envolvendo a Caixa Econômica Federal e os Ministérios da Saúde, Educação e Integração Nacional.
Segundo o deputado, elas beneficiam os municípios, e a fiscalização da execução dessas emendas cabe aos Tribunais de Contas Estaduais, que têm corpo técnico qualificado e capacitado. Foram pagos R$ 10,5 milhões nas emendas dele.
Decisões de Flávio Dino
Na semana retrasada, em ação apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o ministro Flávio Dino determinou que as emendas Pix só podem ser usadas por senadores e deputados federais se os parlamentares identificarem onde e como o dinheiro será aplicado.
Segundo o ministro, o Poder Executivo somente poderá liberar esse tipo de recurso aos destinatários após os parlamentares inserirem na plataforma do governo as informações referentes às transferências.
O ministro decidiu também que deverá ser criada uma conta específica para a administração dos valores e determinou que a destinação dessas emendas tenha “absoluta vinculação federativa”. Ou seja, os congressistas só poderão indicá-las para o estado ou para município do estado pelo qual foi eleito.
Na ação protocolada pela Procuradoria-Geral da República no STF na última quarta-feira (7), o chefe do Ministério Público Federal, Paulo Gonet, ressalta que as emendas Pix geram perda de transparência, de publicidade e de rastreabilidade dos recursos orçamentários federais, e ofendem diversos princípios constitucionais, como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites que a Constituição estabeleceu para a reforma ou mudança do seu texto. Ele pede que elas sejam declaradas inconstitucionais.
Na quinta (8), nesta ação, Dino reiterou as determinações para controle e transparência fixadas em sua decisão da semana anterior. Porém, autorizou, excepcionalmente, a continuidade da execução das emendas Pix nas hipóteses de obras em andamento e de calamidade pública devidamente reconhecida pela Defesa Civil.
Congresso recorreu
O Congresso Nacional recorreu da primeira decisão. No recurso, pede que a medida cautelar concedida seja revogada, porque a norma constitucional que prevê as emendas Pix está em vigor desde 2019 e seu conteúdo normativo não viola cláusula pétrea.
Segundo Câmara e Senado, a norma, ao estabelecer a modalidade, “não afronta o princípio da publicidade ou viola quaisquer direitos dos cidadãos relacionados ao controle da Administração Pública”.
O recurso diz ainda que “eventuais irregularidades devem ser sanadas por meio da implementação de medidas de fiscalização que aprimorem a aderência à legislação aplicável, o que deve acontecer em relação à execução orçamentária em geral”.
As medidas impostas por Dino, pontua, violam a autonomia financeira e patrimonial de estados, municípios e Distrito Federal. De acordo com o documento, “se o recurso é incorporado ao patrimônio do ente subnacional, não há que se falar em controle prévio por parte da União, pelo TCU ou pela CGU”.
Em relação à imposição da absoluta vinculação federativa, o recurso ressalta que a medida “representa indevida restrição ao pleno exercício do mandato parlamentar e viola os princípios de cooperação e solidariedade federativa”.
O Congresso pede a redistribuição da ação ao ministro Gilmar Mendes e o envio imediato da decisão de Dino ao plenário no caso de ele não reconsiderá-la no mérito. Dino ainda não decidiu sobre o recurso.
Consequências
A decisão do ministro na semana retrasada e ação da Procuradoria-Geral da República contra as emendas Pix levou Julio Arcoverde a adiar a leitura do relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias na Comissão Mista do Orçamento, que estava prevista para este mês.
“Não adianta a gente fazer uma leitura prévia [do relatório] da lei, porque a gente abriria prazo para emendas. Como tem essa instabilidade jurídica em relação a essas emendas especiais, achei por bem adiar a leitura do relatório”, afirmou.
Os questionamentos no Judiciário em relação às emendas Pix deverão ser assunto de reunião de líderes com o presidente da Casa, Artur Lira (PP-AL), nesta semana. Lira se encontrou com Paulo Gonet na passada e fez explicações técnicas a respeito de como as emendas funcionam.
sbt