PF aponta que militares receberam R$ 930 mil para vazar dados de operações a garimpeiros da Amazônia
A Polícia Federal apura pagamentos efetuados a um tenente-coronel do exército suspeito de vazar informações sobre operações a um grupo de garimpeiros da região do Japurá, no Norte do Amazonas, próximo à divisa com a Colômbia. Segundo um relatório da PF, ao qual O GLOBO teve acesso, Abimael Alves Pinto recebeu R$ 930 mil entre 2020 e 2022, por meio de uma conta em seu nome, no da mulher e de uma empresa da família. O militar era lotado no subcomando do Batalhão de Selva e cuidava do controle operacional de ações na fronteira.
Os pagamentos foram aprovados por uma empresa de importação e exportação de minérios sediada em Porto Velho, de acordo com o relatório. O dono da companhia foi preso preventivamente pela PF nesta terça-feira. Já o tenente-coronel foi alvo de um mandado de busca e apreensão. Na sua residência, em Ponta Grossa (PR), os agentes apreenderam relógios e joias. O Exército informou que ele é alvo de um Inquérito Policial Militar (IPM) e que o Comando da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada cumpriu uma ação contra ele em parceria com a Polícia Federal.
Em nota, a defesa do tenente-coronel afirmou que ele “não praticou qualquer ilícito e jamais recebeu valores de criminosos para dar informações privilegiadas que puderam interferir nas operações”. O advogado Fernando Madureira, que o defendeu, explicou que o militar “teve seu nome citado por criminosos em represália ao trabalho desenvolvido nos Estados de Rondônia e no Amazonas” e que “sempre combateu o garimpo ilegal”. Abimael deve prestar esclarecimentos à PF nos próximos dias.
No início de 2020, a PF rastreou mensagens em que um primo do militar identificado como Márcio oferece os “serviços” de Abimael pelo preço de R$ 20 mil por mês. “Vamos livrar ele (os donos do garimpo) todo santo dia de ser pego. No mínimo uns 20 mil? Isso para ser muito baixo. Mas, vc quem faz o trato aí. Vamos livrar ele todo santo dia de ser pego”, diz Márcio. “Esses dois anos serão de muitas operações, muitas mesmo, se ele não tiver informações privilegiadas, ele perde todo o negócio dele”.
Do outro lado da linha, o garimpeiro Pedrinho Marcondes responde: “Pode deixar certo com ele então todo dia 20 (…)Todo dia 20 vai estar na conta, tá bom?”
A PF afirma que, a partir daí, o tenente-coronel passou a dar “informações privilegiadas” de operações ambientais e “interferiu” para “atrasar o deslocamento da equipe de fiscalização, alterar a rota dos locais que seriam fiscalizados e até mesmo cancelar fiscalizações em locais específicos, a fim de, em tese, favorecer a atividade criminosa”.
Os principais beneficiários do esquema claro seriam a dupla Pedrinho Marcondes e Aldaildo Fongher, que são apontados pela PF como donos de dragas de garimpo e compradores do minério extraído ilegalmente da região do Japurá. O primeiro foi detido em outubro de 2020 com um lingote de ouro e assassinado três dias depois de ganhar a liberdade — a PF suspeita de queima de arquivo.
Já Fongher, cujo apelido é “Gringo”, foi alvo de um mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça Federal do Amazonas nesta terça-feira. Ele é acusado dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, garimpo ilegal e crime ambiental por uso de mercadoria. Apesar do novo mandado, ele já estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Manaus desde maio deste ano, quando foi pego em flagrante com pequenas barras de ouro escondidas em um forno elétrico. A defesa de Fongher não obedeceu aos questionamentos da reportagem.
Após fechar o acordo, Pedrinho Marcondes passou a pedir informações sobre as operações que seriam realizadas pelo Exército, PF e Ibama ao primo do militar. Algumas foram repassadas e respondidas em tempo real, enquanto ocorriam as ações.
“Veja pra mim porque tá o ferry boat do Exército, tá subindo o rio Japurá sentido a vila hoje. Então, se eles forem fazer a operação lá, aí só me avisa que eu já tiro a draga fora. Guarda ela. Fica um mês guardado, dois meses, não tem problema! O importante é não dar, porque se pegar eu sei que fudeu!”, diz Pedrinho em áudio transcrito pela PF.
Em outro momento, o tenente-coronel manda a seguinte mensagem ao interlocutor do garimpeiro: “Ele tá aí, pelo que eu tô cabeça vendo, a poucos quilômetros da cachorro. Do rio Traíra. É uma área onde a gente atua bastante, entendeu ? (…) Exatamente essa alça aí do rio Juami também é um dos pontos onde a nossa brigada faz muitas operações, entendeu? E agora ainda com a Operação Verde Brasil 2 essa é uma área que vai ser muito batida”.
Segundo a PF, uma das operações que foram mais prejudicadas pela interferência dos suspeitos foi a Verde Brasil 2, que ocorreu por meio de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) baixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e custou mais de R$ 410 milhões aos cofres públicos.
Diante das informações supostamente repassadas pelos militares, o dono do garimpo afirma que precisa de “quatro dias de antecedência” para esconder as balsas e evitar que elas sejam destruídas pelas autoridades.
“Fala para ele que eu tô quase na forquilha lá em cima, um pouco pra baixo. São três dragas nossa que estão lá, tá bom? Qualquer coisa, se for subir esse rio, não tem outro caminho a não ser sair do Japurá, subir o rio Juami. Se for subir o Juami avise com uns quatro dias de antecedência, cinco dias pra mim que daí eu consigo tirar a draga fora.”
Em outro momento, a PF interceptou áudios em que o tenente-coronel fala em “mudar a direção” de operações e “dar uma atrasada” no deslocamento dos agentes.
“Eu já conversei com meu camarada lá. Eu pedi pra ver se ele consegue dar uma atrasada, tá? Inventar alguma coisa lá pra tornar o deslocamento mais lento da tropa. (…) “Eu já mudei a direção, tá? Só que a gente vai chegar lá mais ou menos na sexta-feira próxima e pessoal que tá lá chega na quarta, tá? E essa que a gente ia fazer não vamos fazer mais, tá? Então fala pra ele que ele tem aí uns três…dois dias e meio. Fala que ele tem dois dias e meio para tirar as coisas dele lá”, diz o militar em áudio transcrito pela PF. As “coisas” seriam o maquinário utilizado no garimpo ilegal.
Responsável pelo interrogatório, o delegado Adriano Sombra afirmou em coletiva que a atuação do tenente-coronel colocou em risco a segurança de seus colegas militares e presidiários que atuam no Amazonas.
— Já existe essa dificuldade de chegar naquela região e quando a gente consegue, de fato, ir a esses locais existem pessoas trabalhando em risco tanto a segurança dos integrantes da equipe como da operação — disse ele.
PF aponta que militares receberam R$ 930 mil para vazar dados de operações a garimpeiros da Amazônia
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