PF deve investigar outros crimes sem resolução citados por Lessa e testemunhas; entenda
A Polícia Federal deve investigar outros homicídios com suspeita de participação do crime organizado no Rio que não foram desvendados por autoridades estaduais. Os assassinatos foram citados no inquérito sobre as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, inclusive na delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa.
Integrantes da cúpula da PF e do Ministério da Justiça veem nos depoimentos de Lessa e dos demais investigados e testemunhas caminhos para alcançar o desfecho de outros casos envolvendo milícias, tráfico, jogo do bicho e disputa por territórios, incluindo homicídios praticados pelo Escritório do Crime, grupo que tinha Lessa como um dos seus matadores de aluguel.
Investigadores avaliam que provas recolhidas nas operações de busca e apreensão no domingo, como celulares e documentos, vão ajudar a trazer novos elementos para corroborar as informações apresentadas no inquérito.
O relatório final da PF sobre o Caso Marielle aponta um cenário de omissão e ações de sabotagem na Polícia Civil, responsável por elucidar os crimes que ficaram sem resposta. De acordo com a investigação, a estrutura que deveria ser direcionada para as apurações atuou, na verdade, a favor de organizações criminosas.
“A Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, devidamente capitaneada por Rivaldo Barbosa, se tornou um ambiente pernicioso para que organizações criminosas das mais diferentes espécies encontrassem ali um refúgio para a impunidade dos seus crimes”, diz o relatório da PF.
Rivaldo foi preso preventivamente por supostamente ter desviado o foco das apurações para proteger o deputado federal Chiquinho Brazão e o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão — ambos também detidos, suspeitos de serem os mandantes.
Segundo o blog Segredos do Crime, do GLOBO, Lessa deu relatos sobre outros 11 crimes à PF, além do homicídio de Marielle. Entre os casos, está o assassinato não desvendado do candidato a vereador e presidente da Portela, Marcos Falcon, em 2016. Em depoimento à PF, o delegado Brenno Carnevale, atual secretário municipal de Ordem Pública do Rio, relatou o sumiço de peças do inquérito de Falcon e a ingerência de Rivaldo sobre a apuração. A filha do ex-presidente da Portela também afirmou em depoimento que o próprio pai era avisado por policiais da delegacia quando era citado em investigações.
Carnevale também conta no inquérito que a apuração sobre a morte do contraventor Haylton Escafura, em 2017, foi retirada de sua alçada sem qualquer explicação — uma decisão judicial relatou que, diante da inércia da delegacia, a investigação “aparenta não ter mais se desenvolvido rumo a uma conclusão”.
Lessa, por sua vez, relatou que foi contratado pelo bicheiro Bernardo Bello para matar a ex-presidente do Salgueiro Regina Celi, o que acabou não acontecendo. O relatório da PF também cita como exemplo de investigação “sabotada” a morte de José Luis de Barros Lopes, o Zé Personal, em 2011 — ele era genro de Maninho, ex-patrono do Salgueiro. Em outro caso conectado com a contravenção, depoimentos afirmam que policiais da delegacia receberam propina para que a morte de Geraldo Pereira, que era funcionário do bicheiro Rogério Andrade, não fosse investigada.
No curso das investigações sobre a morte de Marielle, também foi assassinado o ex-policial militar Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, em 2021. Ele é apontado pelas investigações como um elo entre os mandantes e os executores de Marielle.
Apesar de tratarem o caso Marielle como encerrado, as autoridades querem convencer os irmãos Brazão e Rivaldo a colaborarem com a Justiça. Por isso, preveem encaminhá-los para presídios federais diferentes — sem contato um com o outro, os alvos podem cair no dilema de quem vai colaborar primeiro e receber os benefícios penais decorrentes do acordo.
A expectativa é que os casos se mantenham na PF do Rio, comandada pelo delegado Leandro Almada. Ele assina o relatório do caso Marielle e foi o responsável pela investigação que apurou a existência de uma organização criminosa para atrapalhar a resolução do assassinato da vereadora.
Repercussão ampla
Usada pelo ex-ministro da Justiça Flávio Dino para “federalizar” indiretamente o caso Marielle, a lei 10.446 diz que a PF pode ser acionada para investigar casos com “repercussão interestadual ou internacional” relacionadas à “violação de direitos humanos”, aos quais o país “se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte”. Essas mortes provocadas pela contravenção e a milícia em associação com autoridades policiais poderiam ser enquadradas nessa definição.
— É preciso que se veja nessa janela uma oportunidade para aprofundar o combate ao crime organizado no Rio de Janeiro e no Brasil — disse ontem o ministro Gilmar Mendes, do STF.
Também com o intuito de dar um novo fôlego a investigações que não chegaram ao fim, a deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP) enviou um ofício ao Ministério Público Federal (MPF) do Rio pedindo que as investigações que foram supervisionadas por Rivaldo sejam revisadas.
O GLOBO