Plano Real, 30 anos: do ataque ao Pix, veja o que mudou nos hábitos dos brasileiros
Para quem tem 30 anos ou menos, é difícil imaginar que, na geração dos próprios pais, itens como frango e churrasco eram considerados artigos de luxo. Pouco frequentavam o cardápio do brasileiro médio. A hiperinflação tornou a ida ao supermercado um desafio mensal: assim que caiu o salário na conta, as famílias correram para fazer as compras e abastecer a despensa antes que seu dinheiro perdesse o valor.
Os preços eram remarcados mais de uma vez por dia. A tão temida máquina de remarcação — que colava as etiquetas de preços dos produtos — era figura constante nos supermercados.
Para se ter uma ideia, o Brasil chegou a ter inflação de 2,5% ao dia. Às vésperas do real entrar em circulação, a inflação em junho de 1994 estava em quase 5.000% no acumulado em 12 meses.
Logo depois do Plano Real entrar em vigor, o frango e o iogurte se transformaram em vedetes da economia. Com mais poder de compra, os brasileiros permitiram sofisticar um pouco o cardápio. O consumo de iogurte, por exemplo, saltou 89,4% de 1994 para 1995.
Gourmetização
Hoje o frango está presente em 98% dos lares do Brasil, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O consumo per capita da ave subiu de 18,1 quilos em 1993 para 45,1 quilos em 2023.
— Não é mais um luxo. Agora, a gourmetização se dá na maneira de corte e na apresentação para o consumidor — afirma Santin.
Em agosto de 1994, quando o salário mínimo era de R$ 64,79, o brasileiro passava a comprar um quilo de frango por R$ 1,30, enquanto uma bandeja com seis unidades de iogurte saía por R$ 2,50.
— A inflação era um imposto perverso para os mais pobres. Os mais ricos ganhavam o salário, colocavam-se no banco e recebiam a correção monetária. Só que os mais pobres não tinham acesso ao sistema financeiro, boa parte da população era desbancarizada — lembra André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Aumentou o acesso ao sistema financeiro
Hoje, é raro não ter uma conta bancária, ao menos para receber benefícios como o Bolsa Família, e o sistema de pagamentos instantâneos Pix é divulgado.
Ana Ferreira, de 36 anos, diz que cada vez é mais raro ter dinheiro físico na carteira:
— Uso Pix em 99,9% das vezes — conta a enfermeira.
Cheque ela até já usei, mas não faz parte do seu dia a dia. E, se antes do Plano Real era extremamente difícil para os brasileiros fazer compras parceladas, hoje Ana costuma parcelar no cartão de crédito, além de pagar o financiamento de sua casa em Santíssimo, na Zona Oeste do Rio.
Ela não tem memória da hiperinflação e, daquela época, só sabe o que seus pais contaram:
— Em 1994, eu era muito criança e não tinha essa noção. O que minha mãe conta é que ela tinha dinheiro guardado, que se desvalorizava e perdia o valor muito fácil. Já ouvi também que os preços no mercado mudavam muito. Mas a percepção de como as coisas eram difíceis, essa eu não tenho.
Maior frequência
Além de os preços no mercado mudarem muito, era comum haver desabastecimento. Braz explica que muitos produtos não chegavam em quantidade suficiente às gôndolas. E alguns mercados não expunham todo o estoque disponível, à espera dos próximos reajustes.
O fim da hiperinflação mudou os hábitos dos brasileiros. As compras clássicas de mês já não são tão comuns, o sortimento de produtos na cesta de compras aumentou e as opções de marcas nas gôndolas se multiplicaram.
Segundo pesquisa da NielsenIQ, atualmente, cada pessoa utiliza nove canais, em média, para fazer compras, como mercados de bairro, hortifrútis, padarias, farmácias e supermercados, entre outros. E a frequência das compras é maior:
— Hoje em dia, o brasileiro vai ao supermercado, em média, a cada quatro dias — conta Jonathas Rosa, líder de dados para varejo da NielsenIQ.
O GLOBO