Qual será o impacto da nova lei de internet da UE?
Legislação digital inovadora visa garantir que gigantes da tecnologia, como Facebook e Google, mediem conteúdos, impedindo disseminação de desinformação e discurso de ódio em suas plataformas.Quem vive na União Europeia e consultou recentemente seus aplicativos de mídia social como WhatsApp, Instagram ou TikTok, provavelmente já viu um banner informando que a empresa em questão está atualizando sua “política de privacidade” para usuários nos 27 membros do bloco. As notificações são um resultado direto da Lei dos Serviços Digitais da UE (DSA, na sigla em inglês), que entrou em vigor em 25 de agosto.
A legislação digital inovadora apresenta novas regras para garantir que gigantes da tecnologia, como Facebook e Google, implementem medidas para mediar conteúdos ilegais e impedir, por exemplo, a promoção do discurso de ódio nas suas plataformas. Assim se procura tornar a esfera digital mais segura e proteger os direitos fundamentais dos usuários das plataformas.
“Uma Internet mais segura para todos”, prometeu o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, numa publicação na plataforma X (ex-Twitter), saudando a entrada em vigor da lei. “Essas plataformas sistêmicas desempenham um papel muito importante na nossa vida quotidiana – por isso é hora de a UE estabelecer as suas próprias regras.”
Quais plataformas são alvo?
Atualmente, a UE nomeou como alvo da DSA 19 plataformas digitais “muito grandes”. A lista inclui os sites de mídia social Meta, X, Instagram e TikTok; a máquina de busca Google e a enciclopédia online Wikipedia; assim como os mercados online AliExpress, da empresa Alibaba; Amazon e Zalando. As lojas de aplicativos móveis Google Play e Apple AppStore, assim como a plataforma de navegação digital Google Maps, também estão na lista.
“Resumindo, basicamente todos os serviços que se usaria num dia normal estão no grupo de entidades designadas. E elas são as que têm mais de 45 milhões de usuários ativos na União Europeia”, explicou um funcionário da UE numa coletiva de imprensa em Bruxelas na quinta-feira.
Ele afirmou também que antes da entrada em vigor da DSA, as 19 plataformas foram submetidas a “testes de resistência” por funcionários da UE. As empresas tiveram que mostrar como pretendem cumprir a regulamentação digital e como removeriam conteúdos ilegais e garantiriam privacidade e transparência aos usuários.
“O TikTok também anunciou um arquivo de publicidade completamente novo, o que também é exigido pela DSA. Assim, pela primeira vez, se pode ver publicamente quem anuncia na plataforma, fornecendo um nível de transparência”, disse outro funcionário da UE na coletiva de imprensa, saudando os esforços das empresas para se adequarem à lei.
Andrea Renda,da diretoria do think tank Centre for European Policy (CEPS), sediado em Bruxelas, considera a DSA uma “legislação histórica”: “Este é um momento importante na história da internet porque, pela primeira vez, se está revertendo o princípio já bastante estabelecido de, basicamente, não atribuir nenhuma responsabilidade aos intermediários online, o qual tem sido um dos princípios fundamentais desde os primeiros estágios da World Wide Web.”
Alguns críticos apontam a ausência na lista de certas plataformas que também exibem conteúdo prejudicial, como Netflix, AirBnB e PornHub. No entanto elas poderão ser adicionadas no futuro.
“Veremos no futuro muitos questionamentos e potencialmente muitos ajustes em relação à lista de 19 plataformas”, adianta Renda. “Mas por ora a DSA precisa se ater a critérios objetivos, que são quantos usuários as plataformas servem. Mas existe a possibilidade de a Comissão Europeia chegar a mais nomes nos próximos meses, procurando garantir segurança online para crianças e adultos. Nenhuma lista é perfeita, e daqui para frente veremos acréscimos.”
E se as plataformas não se adequarem?
Segundo autoridades da UE, as plataformas online que não atenderem aos requisitos da DSA podem estar sujeitas a pesadas multas ou mesmo a serem retiradas do ar.
De acordo com a Comissão Europeia, o regulamento inclui uma diretiva horizontal para supervisão, responsabilização e transparência do espaço online, em resposta a riscos emergentes.
“A aplicação deve ser rigorosa”, comentou à DW Iverna McGowan, diretora do escritório europeu do Centro para Democracia e Tecnologia. “Mas para sermos rigorosos na prática, uma série de coisas têm de acontecer: em primeiro lugar, acreditamos que a sociedade civil deve ter um papel formal na supervisão da implementação porque ela, obviamente, tem um nível de expertise e independência. E o outro ponto seria que precisamos de recursos adequados, em nível nacional, para as diferentes agências terem poder de execução e também serem independentes na prática.”
Zalando processa Comissão Europeia
Nem todas as plataformas digitais estão satisfeitas com a regulamentação. Em junho, o varejista de moda online alemão Zalando entrou com uma ação judicial contra a Comissão Europeia: “Zalando contesta o tratamento desigual resultante da ausência de uma metodologia clara e consistente para avaliar se uma empresa é uma ‘plataforma online muito grande'”, afirmou a empresa num comunicado protestando sua inclusão na lista das 19.
Aurelie Caulier, chefe de relações públicas da Zalando para a UE, disse à agência de notícias Associated Press que a DSA “acarretará muitas mudanças positivas para os consumidores”, mas que “geralmente, Zalando não tem o risco sistêmico” de outras plataformas. Então, por isso achamos que não nos enquadramos nessa categoria.”
“A DSA envia uma mensagem muito cínica tanto aos usuários como aos legisladores, ao dizer que vocês estão preparados para implementar uma lei cujo objetivo principal é na verdade proteger os direitos humanos e a democracia online”, argumenta McGowan.
“Mas a UE é também um dos maiores blocos comerciais do mundo. Por isso, pareceria muito cínico não participar de um dos maiores blocos comerciais do mundo só porque existem leis em vigor exigindo que você se adeque à democracia e direitos humanos.”
“UE é pioneira pela primeira vez”
Certas empresas abstiveram-se de introduzir determinados aplicativos na UE por causa da DSA. A Meta, por exemplo, atrasou no bloco o lançamento do Threads, sua versão do X.
Segundo Renda, porém, em geral a DSA foi vista com bons olhos: “Coisas como o acesso a pesquisadores avaliados que serão capazes de examinar os sistemas de IA usados pelas grandes plataformas online, ou outros tipos de obrigações, como saber quem é seu cliente de negócios, são princípios muito importantes da DSA, que levarão a uma mediação online mais responsável, especialmente para as plataformas que ganham muito dinheiro captando a atenção dos usuários finais.”
“Não será um problema para as plataformas tecnológicas online que planeiam expandir-se na UE, porque a tendência é se imporem regras semelhantes também em outras partes do mundo”, acrescenta Renda. “E acontece que, pela primeira vez, neste caso a UE é uma verdadeira pioneira.”
Por sua vez, McGowan alerta para a necessidade de evitar a “captura corporativa”: “Há muitas disposições, incluindo, por exemplo, auditoria de algoritmos. É muito importante que não sejam terceirizadas apenas para grandes empresas privadas. O interesse público deve estar no centro da DSA.”
Impacto entre usuários na UE
Agora que a lei entrou em vigor, os usuários na UE poderão ver que o conteúdo das 19 plataformas digitais listadas está sendo mediado e compreender como. “Pela primeira vez, informações muito abrangentes sobre por que o conteúdo foi mediado, excluído ou banido também serão fornecidas aos usuários, garantindo transparência”, disse um funcionário da UE a repórteres.
Ele acrescenta que os consumidores e grupos de direitos dos consumidores também terão a partir de fevereiro próximo a opção de utilizar vários mecanismos para recorrer das decisões, se o seu conteúdo tiver sido mediado.
Mas Renda explica que a maioria das mudanças não é perceptível para os usuários: “Aquelas que são visíveis e dependem demais da notificação dos usuários finais provavelmente serão ou um pouco incômodas ou irrelevantes. Mas haverá um pouco de idas e vindas em plataformas com esses banners de notificação sobre a DSA, até que a lei seja ajustada.”
Mundo de olho na UE
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, saudou a DSA por “trazer os nossos valores europeus para o mundo digital”. Renda ressalta que o mundo está observando “com interesse” como esses valores online vão prevalecer. “Nos EUA, eles olham para a DSA como um exemplo brilhante de como a UE por vezes pode regular muito melhor do que os EUA.” O Brasil e o Japão também estão observando a lei com bastante interesse. O Japão pode até reaproveitá-la, tal como fez com outro regulamento da UE denominado “plataforma para negócios”. O Reino Unido subitamente adotou uma abordagem semelhante, ao decidir atribuir mais responsabilidade aos intermediários online.”
“Também é muito importante ver como a UE traduz os princípios de direitos humanos da DSA na sua política externa”, acrescenta McGowan. “Como ela poderia ser aplicada quando a UE monitoriza eleições no estrangeiro? Como [o bloco] aplicaria os princípios da DSA em tal caso? Como poderia realmente integrar essas forças políticas e leis da DSA no seu desenvolvimento e também no seu trabalho mais amplo? Isso ainda está por ser visto.”
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